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09 junho 2007

Moro, mas não vivo na Bahia



O jornalista Cláudio Leal, em seu artigo Cidade Morta, que está postado abaixo, fala com muita propriedade de uma sensação de não-pertencimento a Salvador. Uma sensação que me atinge nos dias atuais. Apesar de ter nascido no Rio de Janeiro, quando era realmente uma Cidade Maravilhosa, vim morar em Salvador desde a infância. Fui criado numa encantadora província onde havia uma efervescência cultural intensa e imensa: os concertos na Reitoria, as montagens de peças na acolhedora Escola de Teatro, as sessões do Clube de Cinema da Bahia, o bar e restaurante Cacique na Praça Castro Alves (sem esquecer do Tabaris), o Ciclo Bahiano de Cinema, Glauber Rocha com a sua coluna no Jornal da Bahia, e mais, muito mais. Viver na Bahia era estar na Praça da Sé, tomar um sorvete na Cubana ou no Belverdere da Sé, andar pela rua Chile, e frequentar a porta da Livraria Civilização Brasileira (que se incendiou, estando, neste momento, dentro do cinema Tamoio a ver Dr. Fantástico, de Kubrick), ou a casa de chá da Lojas Duas Américas (comprei neste um projetor chamado Barlam com fitas de papel), a já citada Praça Castro Alves, o inesquecível Guarany, a Praça da Piedade, o Campo Grande, o Palace Hotel, etc, etc.

Não quero falar mais, porque tudo isso está em decadência quando não já destruído. Viver na Bahia para mim era viver em suas ruas e em seus becos. Passar a tarde na rua Chile. Ir a um escritório na Cidade Baixa pelo Elevador Lacerda ou Plano Inclinado Gonçalves, o charriot. Ir a um médico ou dentista na rua Chile ou Av. Sete (depois é que surgiram os centros médicos, as garibaldis da vida). Vive-se hoje longe da Bahia embora nela morando. Quem mora em Itaigara não mora na Bahia - e Itaigara é somente como exemplo para qualquer bairro que não se situe nas cercanias da velha Bahia), pois um bairro que poderia estar em qualquer cidade brasileira. Daí a sensação muito bem registrada por Cláudio Leal de não-pertencimento à Bahia. Moro, sim, moro na Bahia, mas não vivo nela.

08 junho 2007

Salvador: cidade morta e doente

Peço licença a quem de direito para publicar a crônica que li hoje em A Tarde, e que tirei da internet, de autoria do jornalista Cláudio Leal, que no seu retorno à Salvador, após temporada parisiense, quando desfilou em Pigalle ao lado de Catherine Deneuve, escreveu o texto que transcrevo. Que focaliza Salvador como cidade morta ao que acrescentaria: e doente. Mas há pessoas que ficam pensando em baleias, porque estas, coitadas, podem desaparecer. O abacate já está batido e creio que vou pedir para colocar, nele, umas pedras de gelo. O título do artigo é Cidade Morta.
"A morte do jornaleiro Careca, amigo de derramados papos, me fez percorrer o museu do que perdemos, em Salvador, por fatalidade ou por omissão. Na esquina da Rua do Tira-chapéu, charmoso nome que um dia a canalhice há-de substituir, senti que aprendemos a aceitar uma cidade imersa em barbáries, a cada dia mais insuportável pela perda de sua diversidade humana, a iluminar o cotidiano. Hora de confessar: cresce, rapidamente, a sensação de não-pertencimento a Salvador. E quem terá matado esta cidade?
Os pedestres caminham acuados pelos carros. Canteiros nus, passeios estreitos e o urbanismo mais tolo e "requalificado" nos afastam das ruas. Oscilamos entre ilhas, apressados, sem vitrines nem calçadas para os vagabundos. Sim, sou um.
Suportamos uma das classes políticas mais indolentes do País, incapaz de planejar o crescimento da Cidade da Bahia, arborizar suas vias e livrar o Centro da decadência. Complementa-a uma elite predatória, que submeteu a riqueza histórica da primeira Belacap a um amontoado de espigões. Emparedada a Vitória, falta lotear o Passeio Público (anda aos ratos, vê lá).
E como dói desviar os olhos da ocupação ilegal do frontispício de Salvador, abaixo do bairro do Santo Antonio, celeremente devastado por casas de espertalhões. A encosta, que divide a Cidade Alta e Baixa, é um sítio histórico, referencial do cancioneiro popular, eixo da nossa alma poética. Mas a Prefeitura é incapaz de ouvir qualquer pedido que exija sensibilidade. Nada faz para conter esse crime. Um dia, não haverá por que ouvir Elizeth Cardoso cantar Ary Barroso: "Quando eu nasci/ Na Cidade Baixa/ Me enrolaram numa faixa/ Cor de rosa de cetim". Alto e baixo estarão ligados pela brutalidade.
Não se arrisque a andar de trem. Este ano, o trem suburbano descarrilou duas vezes e ninguém foi responsabilizado. Ao prefeito, deve parecer um fenômeno natural. Com essa eficiência, vamos inaugurar, em breve, um metrô. Não se arrisque a morrer. A Quinta dos Lázaros atingiu seu limite e os mortos devem se dirigir aos cemitérios municipais. Fuzilaram com granitos a Praça da Sé e a Ponta do Humaitá. Cinema envidraçadoplex na Praça Castro Alves. Ainda falam em hotéis para Itapagipe. Que não toquem nesta faixa de terra; com armas, resistiremos.
Pregadas à miséria física, outras misérias de espírito: artistas amarrados a editais (por que não concorrem ao Bolsa Família?); empresários que nada investem em cultura, exceto em livros de luxo e em iates e cervejinhas para a corte; um teatro que convida ao sono e, em transe, à histeria; universidades incapazes de promover debates; o transporte coletivo entregue aos sábios do Setps; e a pior educação entre as capitais brasileiras.
Terra desolada, Salvador vive a noite da alma. E não há expectativa de reação. O ano eleitoral de 2008 se desenha obscuro. Nenhum dos candidatos às batatas é merecedor da confiança do eleitor, lombrosiana até. Haverá mais e mais noites e atentados à memória. Que seja rápida, essa morte."

Claudio Leal - Jornalista da Editoria Opinião. E-mail:
cleal@grupoatarde.com.br .

Se segura, malandro!



A imagem de Brigitte Bardot é fascinante. Aqui nesta, então, está uma beleza. Um amigo a viu, mês passado, na tv francesa, conversando com Madame Royal, a lhe entregar uma lista de reinvidicações para que o estado, caso eleita, proteja mais os pobres cachorrinhos, que, para a mais bela criatura que Deus criou, estão muito desamparados. Coitadinhos! Lembrei-me de uma ridícula passeata ocorrida aqui em Salvador para salvar as baleias. Coitadinhas! Enquanto isso a cidade é um bolsão de miséria, com uma população perto de três milhões de habitantes e apenas 200 mil, se tantos, podem ter algum tipo de lazer. O resto é constituída de miseráveis. E pessoas ainda a pensar em salvar baleias! Bata-me, correndo, um abacate. E falar nisso tudo diante da imagem bela de BB!! Nada a ver.

06 junho 2007

Sessão Nostalgia



O blogueiro (de óculos escuros) em Cachoeira (Bahia), cidade histórica, fazendo parte da equipe de O Profeta, baseado naquele livro best-seller de Kalil (esqueci). A seu lado, de branco, o ator que faz o papel título, David Barouh. E do outro lado do blogueiro, com camisa branca, o cineasta Carlos Modesto, que dirigiu o filme. Atrás, abraçando o escrevinhador deste blog e a Modesto, o famoso Milton Gaúcho. Abril de 1979. O mundo era feliz. E o bloqueiro também com seus 28 anos e meio. Atualmente amarga, safenado, 56 e meio.

Por onde anda Bridget Fonda?



A indústria cultural de Hollywood usa os astros e estrelas por um tempo e os abandona ainda em pleno vigor. As estrelas, que, antes, eram quase eternas, e permaneciam com o tempo, atualmente não mais existem. Dizem que a última grande estrela do cinema foi Elizabeth Taylor. Depois o cinema ficou órfão de estrelas. Creio que há alguma razão nisso. Mas o post é para lamentar o desaparecimento das telas da simpática Bridget Fonda (neta do mitológico Henry, filha de Peter, aquele de Sem destino), que, nascida em 1964, tem hoje 43 anos, e a indústria de cinema já a considera passada. O que é um absurdo. Estou a rever O fabuloso Dr. Kellog (The road to Wellville, 1994), de Alan Parker, no qual Bridget faz parte do elenco que tem como figura de proa um Anthony Hopkins muito bem no papel caricato do doutor que dá o título em português. Parker é um coreógrafo das imagens em minha opinião. Penso nisso vendo as imagens de The road to Wellville e me lembrando de Mississipi em Chamas, Coração satânico, A chama que não se apaga (Shoot the moon, 1982), O expresso da meia-noite, Bird, entre tantos outros. Um realizador com raro sentido do timing. O que não é pouco. Parker, porém, não é muito festejado, quando deveria sê-lo. Mas por onde nada Bridget Fonda? No Imdb consta que seu último filme data de 2001.Pena!

De melhores


Considero Ruy Castro um escritor de ampla erudição que não se escora nos jargões da maldita contemporaneidade. Sua escrita envolve, tem fluência, e, além do mais, conhece muito cinema - seu livro Um filme é para sempre, já o disse aqui, é imprescindível para todos aqueles que dizem gostar da arte cinematográfica. Mas, navegando pela internet, por falta do que fazer, deparei-me com um site (http://epoca.globo.com/especiais_online/2001/junho/08_filmes/juri.htm ) que tem a relação dos melhores filmes de diversas personalidades. Quem estiver interessado em ver os melhores dos outros que acesse o site indicado. Publico aqui a lista de Ruy Castro. Acho um tanto exagerada a inclusão de E Deus criou a mulher, filme de Vadim que lançou, forever, o mito BB, obra que tem sua data e sua circusntância, e não vejo também tanto valor assim, para figurar numa lista dos melhores, o musical Kiss me Kate (Dá-me um beijo), mas tudo é relativo, tudo é questão subjetiva. Castro não colocou o Kane perpétuo e vitalício de Orson Welles e, aqui para nós, A laranja mecânica é mais forte do que o Dr. Fantástico. Na minha opinião, uma lista não pode deixar de fora Fellini. Fico, numa hipotética minha lista com Oito e meio talvez no seu topo. Compreendo, por outro lado, a sua inclusão de Confidências à meia-noite (Pillow take), pois uma sophisticated comedy de alto nível esnobada pela crítica mais compenetrada, 'tonta e grave'. A lista de Castro vai aqui como curiosidade de cinéfilo e por ser a lista de um homem culto versado em cinema.


1-) O gabinete do Dr. Caligari (1919), de Robert Wiene

2-) Luzes da Cidade (1930), de Charles Chaplin

3-) Ladrão de Alcova (1932), de Ernest Lubitsch

4-) Contrastes Humanos (1942), de Preston Sturges

5-) À Beira do Abismo (1946), de Howard Hawks

6-) A Malvada (1950), de Joseph L. Mankiecwiz (grafia incorreta)

7-) Crepúsculo dos Deuses (1950), de Billy Wilder

8-) Dá-me um Beijo (1953), de George Sidney

9-) E Deus... Criou a Mulher (1956), de Roger Vadim

10-) Um Corpo que Cai (1958), de Alfred Hitchcock

11-) Confidências à Meia-Noite (1959), de Michael Gordon

12-) Uma Mulher é uma Mulher (1961), de Jean-Luc Godard

13-) O Homem que Matou o Facínora (1962), de John Ford

14-) Jules et Jim (1962), de François Truffaut

15-) Dr. Fantástico (1963), de Stanley Kubrick

05 junho 2007

Um cinema da inteligência



Robert Altman (1925/2006) é um talento mesmo. Não fosse por M.A.S.H. que deixou, boquiabertos, cinéfilos do mundo inteiro nos anos 70 pela sua fina ironia, comédia desregrada, Altman deixa uma marca, um estilo, uma característica, a da narrativa polifônica, quando focaliza vários grupos de pessoas sem, contudo, dar, à narrativa, uma progressão dramática à Griffith. Nashville é o exemplo mais que perfeito. A polifonia altmaniana influencia toda uma geração de cineastas, como Paul Thomas Anderson - o que é Magnólia senão um filme de Altman sem Altman? Há pouco revi no Telecine Cult, que está um pouco melhor, mas nunca a se comparar ao extinto Classic, Short Cuts (1993), que mostra o way of life de vários habitantes de Los Angeles de forma simultânea, alternada, capaz de dar bem uma idéia do afresco altmaniano, de sua narrativa polifônica. Ninguém sabe estruturar esta narrativa com o mesmo timing dele. Em Short cuts, o crescendo não se situa na estrutura narrativa, mas dentro dos quadros fílmicos, como na discussão entre Matthew Modine e Julianne Moore. Altman dá novo alento ao cinema americano na década de 70, que se vê renovado com seu timing, sua ironia, sua visão de mundo, ainda que, nos 80, não consiga se desenvolver na indústria para se vingar década depois com O jogador, este Short cuts, entre outros, e continuar filmando até morrer ano passado.

04 junho 2007

Lembranças de "O Iluminado"






Para o lançamento do aguardado O iluminado (The shining), em 1980, a Warner concordou em lançar cópias originais e dubladas. Considero a dublagem um crime, um atentado à integridade da obra cinematográfica. Se, por exemplo, a dublagem viesse a se tornar rotina no Brasil (como o é na Europa) deixaria de ir ao cinema. Detesto filmes dublados, pois a inflexão vocal tem muito a ver com a interpretação, a construção do personagem. Além do mais, quando dublado, as bandas sonoras se desintegram, ficando com a predominância a banda dos diálogos em detrimento a de ruídos e a da partitura musical. Mas estava me referindo à estréia de O iluminado, de Stanley Kubrick. Fiquei espantado com a concordância da Warner em permitir que cópias dubladas fossem colocadas no mercado. Um xenófobo, ao qual expus a minha indignação, saiu-me com esta: "Mas a dublagem vai ser supervisionada por Nelson Pereira dos Santos!" Ha, ha, ha. Sem comentários. E para a minha desgraça, soteropolitano, quando lançado O iluminado, apenas um cinema, o Liceu, exibiu-o. Mas em cópia dublada! Tive que amargar a primeira visão de The shining dublado em português. Mandei Nelson Pereira dos Santos para o diabo, e entrei na sala para assistir ao novo filme de Kubrick. Anos depois, com o VHS, é que pude ver a original. A Warner argumentou diante dos críticos da dublagem que haveria uma cópia original e uma cópia dublada em cada capital. Mas isto não aconteceu. No Rio, São Paulo, e outras cidades, sim, as duas foram mostradas.

Revi em DVD The shining. Há um documentário de Vivien Kubrick, que, penso, deve ser sua filha, que mostra os bastidores de suas filmagens: Kubrick no chão para filmar Nicholson, este no banheiro escovando os dentes, fazendo ginástica, movimentando-se com o machado, etc. É bom para ver os atores à vontade, brincando. Kubrick calmo, conversando. É impressionante os travellings de Danny Lloyd, o garoto, de velocípede nos corredores do Hotel Overlook. Antológica é o plano em que o sangue jorra abundante do elevador, como uma cachoeira. E as duas meninas, lembrança dos mortos, são duas imagens de verdadeiro terror porque idéia do além-túmulo.

03 junho 2007

Prima della rivoluzione



Antes da Revolução(Prima della Rivoluzione, Itália, 1963/4), talvez o mais importante filme de Bernardo Bertolucci, por causa de uma dessas injunções do mercado exibidor brasileiro, levou 25 anos para ser lançado no Brasil – o que aconteceu em 1998. Simultaneamente com Assédio, obra que redime Bertolucci de uma sucessão de filmes menores, Prima della Rivoluzione é um filme típico dos anos 60, a década da renovação da linguagem cinematográfica, da procura de uma expressão longe dos cânones estabelecidos, quando se queria, intensamente, “romper” com as estruturas acadêmicas da linguagem fílmica. O tempo, juiz supremo, se encarregou de separar o joio do trigo, o alho do bugalho, mas Prima della Rivoluzione, revisto hoje, conserva um impacto e um frescor surpreendentes. É um cinema de invenção de fórmulas, de mergulho intenso nas interrogações da vida, de perplexidade ante o estar-no-mundo.


O jovem marxista Fabrizio (Francesco Barilli) - nesta época, vale lembrar, Bernardo Bertolucci pertencia ao Partido Comunista Italiano - cujo guia ideológico, mentor intelectual, é Cesare (Morando Morandini), um professor universitário, sofre uma grave crise após o suicídio de seu melhor amigo. As certezas se tornam dúvidas e Fabrizio entra num processo de angústia. Consola-se com sua tia Gina (Adriana Asti), uma mulher bem mais velha e extremamente neurótica, que, por compaixão, aceita ter um caso com o sobrinho. Mas ela foge de Parma com Cesare para desespero de Fabrizio, que abandona seus sonhos revolucionários e se dá por vencido. O revolucionário depõe as armas e decide se aburguesar, aceitando um casamento que o integra, definitivamente, ao mundo da burguesia.Parma é uma cidade das raízes de Bertolucci. Um ato de amor a ela está plasmado no plano inicial, quando um travelling irrompe na sua praça principal, revelando a sua beleza, a sua arquitetura e a sua poesia. O jovem Fabrizio pode ser considerado um alter ego do autor, inclusive num momento no qual discute com o amigo a função do cinema na sociedade contemporânea. A fotografia em preto e branco de Aldo Scarvada é um ponto a destacar, assim como a partitura de três grandes maestros: Ennio Morricone, Gato Barbieri e Gino Paoli. Prima della Rivoluzione é um filme sobre as inquietudes intelectuais de uma geração e também uma celebração do cinema como ato criador e transformador. Beleza, como diria Godard, ao mesmo tempo que a explicação da beleza, arte ao mesmo tempo que a explicação da arte, cinema ao mesmo tempo que a explicação do cinema.


O título vem de uma frase de Tayllerand: “Quem não viveu os anos antes da Revolução não pode compreender o que é a doçura de viver”. Esta confissão, de um filho do século como Bertolucci, pode se situar como uma moderna e pungente educação política e sentimental. O cineasta de “O Último Tango em Paris” analisa, neste seu segundo longa, com uma sensibilidade febril, a trajetória de um jovem de Parma (como ele) na efervescente década de 60. Assim, Prima della Rivoluzione é, antes de tudo, um filme de sua época. E o faz através de relato em primeira pessoa de patéticos acentos autobiográficos, quando efetua o processo implacável de conceitos como a pureza da abstração revolucionária, que conduz o jovem protagonista a uma dupla derrota. Sentimental – o amor frustrado de Fabrizio por Gina – e a derrocada do ideal mítico da revolução – na qual se exemplifica toda uma página da história italiana contemporânea. A elegância dos diálogos, onde se pode sentir a influência de Stendhal e Flaubert, o sentido de observação da mise-en-scène, em momentos fortíssimos como a despedida dos amantes durante a representação da ópera Macbeth, e a poética na condução narrativa, fazem de Bernardo Bertolucci, ainda neste segundo filme, um dos mais importantes cineastas italianos de todos os tempos. Se atualmente se contempla a anemia de uma cinematografia que forneceu Antonioni, Fellini, Visconti, De Sica, Bertolucci, entre tantos outros gigantes, a visão de Prima dell Rivoluzine serve, quando nada, para se sentir a grandeza de um cinema, de um tempo e de um espírito de época.

Do cineasta da memória







Considero Alain Resnais como um dos meus cineastas preferidos. É um gênio, um renovador que, perto dos 80 anos, em 1997, ainda conseguiu arejar a linguagem cinematográfica com o cativante Amores parisienses (On connaît la chanson), quando estuda o comportamento da gente francesa através de seu cancioneiro popular. Filme original, as canções irrompem das bocas dos personagens nas vozes de cantores emblemáticos como Edith Piaf, Charles Aznavour, Yves Montand, etc, chanssoniers como não mais existem. Resnais tem método próprio e particular, atingindo uma singularidade extraordinária na arte da confecção do filme, pois em cada um convida um escritor para elaborar o roteiro. Assim foi em Hiroshima, mon amour, com Margueritte Duras, O ano passado em Marienbad, com Alain Robbe-Grillet, A guerra acabou, com Jorge Semprun, e por aí vai, sempre um roteirista diferente e de concepção criadora diversa. Resnais é o que se poderia chamar de um regente da mise-en-scène’. Recentemente revi em vídeo Meu tio da América (Mon oncle d’Amérique), obra extraordinária baseada nas teorias de Henri Laborit. Em DVD, acho que não existe. Um assombro, simplesmente, filme pleno de criatividade, de idéias, de invenção de fórmulas.
O que rege a mise-en-scène de Resnais é um apurado sentido de cinema, uma consciência constante de sua especificidade, um uso funcional dos procedimentos cinematográficos, como, poderia dizer, nenhum outro realizador. Amores parisienses, ainda que exibido em sessão especial em mostra francesa e, depois, fartamente dado à apreciação nas salas alternativas da cidade há alguns anos, não soube ser visto nem lido pelos poucos exegetas que se arvoram na crítica de cinema nesta província metropolitana. Talvez pelo desconhecimento do cinema de Alain Resnais, talvez por uma total falta de sensibilidade para que pudessem fruir a magnitude do espetáculo.

Antes de Hiroshima, mon amour, porém, Resnais realizou curtas que podem ser incluídos entre os filmes de maior envergadura feitos na França, transcendendo a pequena duração para se transformar em obras cinematográficas independentes de seu tempo físico. Assim, não se pode deixar de, em se falando de Resnais, citar os maravilhosos Van Gogh, ensaio didático sobre a arte do pintor, com um raro uso artístico do zoom e do travelling, Nuit et brouillard este saiu em DVD e merece ser comprado porque uma obra assombrosa), sobre a memória do nazismo e seus campos de extermínio, e, novamente, a necessidade do recuerdo, Toute la memoire du monde, que focaliza o acervo de uma biblioteca parisiense.

Cineasta da memória, portanto, e desta já falada urgência da recordação. A apresentação de Hiroshima, mon amour, quando a década de 50 chegava ao fim, causou impacto traumatizante entre o público mais informado, embora hoje esteja sendo esquecido – como por ironia num diretor que instituiu a necessidade de recordar e colocou a memória como centro nevrálgico do existir. O seu longa seguinte, em 1961, O ano passado em Marienbad se constituiu num choque, pois Resnais, jogando com o tempo, deu origem a um espetáculo puramente cinematográfico, solapando, com isso, qualquer vestígio de narrativa que pudesse ser posta ‘em ordem’. Criou, na verdade, uma ‘irrealidade’, com a ação transcorrendo nos arcanos da memória de um personagem.

Mon oncle d’Amérique é um filme-ensaio e, neste particular, uma invenção resnaisiana, ainda que Jean-Luc Godard tenha, nos anos 60, realizado obras que podem ser consideradas, também, como ensaios fílmicos, a exemplo de Duas ou três coisas que eu sei dela. Mas o que se poderia conceituar como ‘filme-ensaio’ alcança, aqui, em Mon oncle d’Amérique, uma perfeição que se poderia dizer ter sido inventada pelo autor de Marienbad. Resnais, portanto, é um realizador essencial, um mestre absoluto, o cinema em sua quintessência. O cinema de Alain Resnais sempre me causou assombro e estupefação. Muitos filmes de sua filmografia estão inéditos no Brasil.

"O Guarany", de Cláudio Marques



Ainda que do velho Guarany haja projeto em construção para a emergência de um complexo de salas, o Artplex, com filmes alternativos, cinco cinemas, café, livraria, etc, as imagens, perto do final de O Guarany, de Carlos Marques, que mostram as suas ruínas, quando, nelas, projeta-se Bethânia bem de perto, de Júlio Bressane, são ideais no sentido de significar a morte do majestoso Guarany do passado. O final do filme sinaliza, também, para a morte não somente de um cinema mas, também, de uma época. O documentário, que ganhou no Prêmio Agnaldo Siri Azevedo recursos para a feitura de um curta, premiado que foi seu roteiro, é sobre a casa de espetáculos da Praça Castro Alves, e apresenta no seu decorrer o seu apogeu e decadência. As imagens de arquivo, preciosas, como a avant-première de Redenção (1959), de Roberto Pires, primeiro longa baiano, que foi exibido em noite de gala no Guarany, são um presente ao espectador que tem na sua memória a sala do Largo do Teatro. Vê-se o prefeito Heitor Dias, Geraldo D'El Rey, Milton Gaúcho e esposa, Rex Schindler, o exibidor Francisco Pithon, entre muitos outros. E o mais interessante é que há um trecho, na sua integridade espacial, isto é, em cinemascope, de Redenção, a sua abertura. O Guarany se vale, portanto, dessas imagens de arquivo, de jornais da época, de filmagens in loco, e de depoimentos, vários, de Orlando Senna, Oscar Santana, Edgard Navarro, Hamilton Correira, etc, pessoas que viveram o Guarany.

Se O Guarany é um filme bem construído como documentário, há, por um lado, a ausência de sua contextualização no espírito da época, contextualização que poderia ser feita por imagens em movimento. Ela está, é verdade, nas palavras dos depoentes, principalmente nas de Orlando Senna. Longe, porém, de ser um cinema isolado, o Guarany participou da vida cultural da cidade de Salvador, quando aqui havia, realmente, vida cultural, o que não é o caso nos dias atuais onde o que impera de maneira gritante é a miséria cultural, como já me referi aqui em postagem anterior. Creio que a ênfase nessa vida cultural efervescente, que se deu nos anos 50 e 60, acrescentaria a O Guarany uma força maior, embora o filme satisfaça plenamente como memória de uma sala de exibição e tenha atingido o seu propósito, qual seja o de dar ao espectador a dimensão da importância do cinema da Praça Castro Alves, palco de muitos acontecimentos e, inclusive, local, por dois anos (1965, 1966), das exibições prestigiadas do Clube de Cinema da Bahia patrocinadas por Walter da Silveira.

Na foto que ilustra o post, a entrada da rua Chile, na Praça Castro Alves. Quem já morou ou mora em Salvador sabe o impacto que tem essa foto.