O jornalista Cláudio Leal, em seu artigo Cidade Morta, que está postado abaixo, fala com muita propriedade de uma sensação de não-pertencimento a Salvador. Uma sensação que me atinge nos dias atuais. Apesar de ter nascido no Rio de Janeiro, quando era realmente uma Cidade Maravilhosa, vim morar em Salvador desde a infância. Fui criado numa encantadora província onde havia uma efervescência cultural intensa e imensa: os concertos na Reitoria, as montagens de peças na acolhedora Escola de Teatro, as sessões do Clube de Cinema da Bahia, o bar e restaurante Cacique na Praça Castro Alves (sem esquecer do Tabaris), o Ciclo Bahiano de Cinema, Glauber Rocha com a sua coluna no Jornal da Bahia, e mais, muito mais. Viver na Bahia era estar na Praça da Sé, tomar um sorvete na Cubana ou no Belverdere da Sé, andar pela rua Chile, e frequentar a porta da Livraria Civilização Brasileira (que se incendiou, estando, neste momento, dentro do cinema Tamoio a ver Dr. Fantástico, de Kubrick), ou a casa de chá da Lojas Duas Américas (comprei neste um projetor chamado Barlam com fitas de papel), a já citada Praça Castro Alves, o inesquecível Guarany, a Praça da Piedade, o Campo Grande, o Palace Hotel, etc, etc.
Não quero falar mais, porque tudo isso está em decadência quando não já destruído. Viver na Bahia para mim era viver em suas ruas e em seus becos. Passar a tarde na rua Chile. Ir a um escritório na Cidade Baixa pelo Elevador Lacerda ou Plano Inclinado Gonçalves, o charriot. Ir a um médico ou dentista na rua Chile ou Av. Sete (depois é que surgiram os centros médicos, as garibaldis da vida). Vive-se hoje longe da Bahia embora nela morando. Quem mora em Itaigara não mora na Bahia - e Itaigara é somente como exemplo para qualquer bairro que não se situe nas cercanias da velha Bahia), pois um bairro que poderia estar em qualquer cidade brasileira. Daí a sensação muito bem registrada por Cláudio Leal de não-pertencimento à Bahia. Moro, sim, moro na Bahia, mas não vivo nela.