Os trailers que passam nos cinemas atualmente são péssimos. Há, neles, uma uniformidade que descaracteriza qualquer filme, com os cortes rápidos, quase imperceptíveis, dando, às imagens, apenas um átimo de segundo, como uma pulsação. Mas antigamente a coisa era diferente. Se hoje evito os trailers, antes ficava para a sessão seguinte, e era contínua, para revê-los, porque eram emocionantes. Como este que coloco aqui, de Hatari! (1961), de Howard Hawks, um dos maiores diretores de toda a história do cinema. Havia uma arte de construção dos trailers, que tinham estilo, estavam de acordo com o espírito do filme. Hatari! é um exuberante filme de aventuras filmado in loco na África. Segundo escreveu Truffaut, Hawks satisfez seu amor ao cinema e seu amor à caça. Mas hoje, nos cárceres do politicamente correto, com as patrulhas em ação, o filme talvez fosse condenado. Os personagens de Hatari!, no entanto, caçam para pegar os animais e levá-los para jardins zoológicos. Uma característica de Hawks é que tudo se concentra nos momentos da espera das caçadas. Assim como, em Rio Bravo (Onde começa o inferno), o filme é, na verdade, a espera para o tiroteio final. Vamos sem mais delongas à Hatari!
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25 junho 2011
24 junho 2011
Quem tem medo da História?
O governo quer proibir a divulgação de documentos importantes da História do Brasil, e a proibição está sendo articulada justamente por aqueles que estão com medo da História. Pela importância do assunto, publico abaixo um brado retumbante do documentarista Sílvio Tendler, que recebi por e-mail. Ele está com toda a razão. E abrindo as devidas e imprescindíveis aspas:
"Estamos assistindo, perplexos, à enorme conspiração contra a verdade, a história e a memória.
O Ministério da Defesa, o Ministério das Relações Exteriores, dois ex-presidentes da República, políticos de diferentes matizes, se unem para que o Brasil não conheça a sua verdade.
Já é difícil fazer filmes, livros e peças de teatro sobre personagens reais -- mesmo os de vida pública --, sem autorização do próprio ou de familiares e herdeiros. Agora, a pá de cal chega com a intenção de trancafiar documentos para que a verdadeira História não se revele.
E quem orquestra essa trama contra o futuro do Brasil? Sim, porque povo sem memória é povo sem futuro e estaremos sujeitos eternamente a sermos alimentados por contos da carochinha. Mas, afinal, o que querem esconder de nós? Quem bateu, torturou, mandou prender e arrebentar? Quem negou passaportes, quem expedia os tenebrosos atestados ideológicos, que impediam o acesso à escola ou ao emprego?
Estive duas vezes no Smithsonian Institute em Washington. Na primeira, percorri uma exposição que retratava as condições de vida dos negros nos Estados Unidos e as lutas pela conquista dos seus direitos cívicos.
Estavam ali expostas todas as mazelas de uma sociedade que destinava banheiros públicos e bebedouros diferentes para negros e brancos. Escolas diferentes, lugares separados nos transportes públicos, os mais confortáveis e em maior quantidade sempre destinados aos brancos. E se faltasse lugar, o negro sentado deveria ceder o lugar ao branco. Uma sociedade que queimava jovens por razões de cor se expunha ali como um ato de superação do passado, de construção do novo.
Na segunda vez assisti a exposição que tratava das condições de vida dos imigrantes japoneses e seus descendentes nos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial. Vi coisas que nem os livros escolares nem o cinema americano me contaram. Vi fotos de lojas de japoneses atacadas por norte-americanos enfurecidos com os ataques japoneses a Pearl Harbor, imagens de famílias sendo recolhidas aos campos de concentração nos Estados Unidos para isolar o perigo amarelo e imagens de batalhões de jovens soldados nipo-americanos para guerrear diretamente contra o exército japonês como uma afirmação do patriotismo norte-americano!
A exposição termina com uma carta do então Presidente Ronald Reagan pedindo desculpas à comunidade japonesa pelas humilhações impostas.
Querem nos impedir de saber a verdade sobre a guerra do Paraguai, ao que parece, uma verdadeira carnificina praticada para atender interesses de poderoso banqueiro inglês. Nós não podemos saber o que os paraguaios sabem e contam a seus filhos, por quê?
Resistirão almirantes, generais e marechais à lupa da História? Suas biografias corresponderão às narrativas descritas nas pinturas das grandes batalhas? O silêncio que nos impõem deve ser a razão porque não cultivamos nossos heróis e não preservamos sua memória, a total falta de identificação de identidade com eles.
Os que nos negam conhecer a verdadeira História do país são cúmplices das carnificinas, dos torturadores, dos alcaguetes a soldo do Estado; dos que ordenaram censurar jornais, revistas, peças de teatro e músicas.
Não podemos nos calar e aceitar como fato consumado essa violência da censura que tentam nos impor.
Construir um país livre representa lutar para conhecer a história. Não queremos cultivar falsos heróis e, a partir de hoje, personagens da história oficial estarão sob suspeita, enquanto não nos deixarem conhecer os documentos que abrigam verdades, que, mesmo dolorosas, devem ser reveladas."
22 junho 2011
Metamorfose da crítica
A crítica de cinema sofreu, com o passar do tempo, uma metamorfose, e tudo se relaciona a uma questão cultural. Com o desaparecimento dos suplementos culturais, a exemplo do "Quarto Caderno" do "Correio da Manhã", do SDJB ("Suplemento Dominical do Jornal do Brasil"), entre outros, os textos ficaram reduzidos de tal maneira a ponto de, atualmente, ser impossível se ter uma página inteira, em corpo pequeno, de uma análise caudalosa sobre "Rastros de ódio", entre tantos filmes, como faziam Antonio Moniz Viana nas décadas de 50 e 60, ou Rubem Biáfora e Paulo Emílio Salles Gomes no Estado de S. Paulo ou, mesmo, em Salvador, Walter da Silveira em A Tarde.
Os críticos do pretérito se caracterizavam por uma forte formação nas chamadas humanidades, e tinham cultura literária, o que significa dizer: sabiam escrever bem e possuíam estilo. Com o império da cultura audiovisual, os críticos foram se formando pelo "cedeefismo" canalizado na contemplação das imagens em movimento. Se Moniz Viana, Walter da Silveira, Paulo Emílio, Francisco Luiz de Almeida Salles, Paulo Perdigão, entre tantos, distinguiam-se por uma cultura generalista, ampla visão de mundo, cultura geral, por assim dizer, os que escrevem hoje sobre cinema, na sua grande maioria, são 'especialistas' e não estão preocupados em tratar bem a língua pátria.
Assim, na crítica pretérita havia esta ampla visão do mundo. Paulo Emílio, por exemplo, pensava o homem e a sociedade através da visão de filmes, nunca esquecendo que estes sempre refletiam o seu momento histórico, o seu momento político. A crítica pretérita, portanto, abraçava a política em conjunção com a arte, a haver, nisto, um compromisso do artista com a sua circunstância. O que determina uma abrangência na análise fílmica antes que esta fosse tomada de assalto pela crítica estruturalista, que lê a obra cinematográfica como se esta fosse um rato a ser destrinchado em laboratório. A tentativa de "cientifização" do cinema se tornou um passo avançado no sentido de matar a emoção de um filme para acomodá-lo aos modelos acadêmicos.
Quer-se, hoje, nesta maldita contemporaneidade, ler-se o filme e não vê-lo com os olhos da emoção e da razão. A visão crítica é fundamental, mas não se pode apartá-la da sensibilidade, porque a obra de arte deve ser vista em toda a sua integridade significativa e na sua essencialidade poética. Quem quiser tirar uma prova basta ler as antologias críticas já editadas, principalmente Um filme é um filme, de José Lino Grunewald, Um filme por dia, de Moniz Viana, Um filme é para sempre, de Ruy Castro, - todas as três da Companhia das Letras, os escritos de Paulo Emílio editados em dois volumes pela Nova Fronteira nos anos 80, Fronteiras do cinema, de Walter da Silveira (Tempo Brasileiro), entre muitas outras.
A ausência da cultura literária e o desprezo pela política aliadas ao império do audiovisual determinaram a falência do estilo e do prazer da leitura. É claro que toda regra tem as exceções, mas o fato é que a crítica que se pratica é uma crítica mais carregada de um fanatismo filmográfico, por assim dizer, do que uma crítica analítica dotada de presença de espírito, humor, estilo.
Mas seria bom se destacar que a análise do filme tem nuances, a haver, nela, um cipoal de pontos de vistas. A ligeireza de uma resenha para guia de consumo, que não pode se considerar uma crítica na expressão da palavra, assim como o comentário ¿ o cinema se tornou, hoje, objeto de verificação analítica por quase todo aspirante a intelectual no Brasil, como todo brasileiro que é "técnico de futebol" - são as constantes no papel impresso. O que o cinema, pobre coitado, fez a esta gente?
Poder-se-ia ver a crítica propriamente dita e o ensaio, este mais rigoroso, mais profundo, a ser dotado de um instrumental analítico de maior investigação perfuratriz. Desaparecida dos suplementos as críticas copiosas, o pensar cinematográfico tomou, no último decênio, principalmente, as dissertações e teses acadêmicas e, com isto, lá se foi embora o prazer da leitura. E com o advento da internet, a sua expansão em sites especializados (alguns bons) e blogs -todo 'blogueiro' que se atreve a comentar filmes se considera um crítico de cinema.
Questão cultural, portanto, esta da crítica de cinema. De homens cultos e inteligentes, com ampla visão da arte, ela passou às mãos de fanáticos e 'cdfs', maníacos despreparados, fanáticos para os quais o "youtubismo" é o avatar mais proeminente da contemporaneidade.
Há que se ler, então, para aprender a criticar, os escritos do pretérito. Ler os textos de Moniz Viana, Grunewald, Walter da Silveira (quatro volumes de seus ensaios foram já lançados), Paulo Perdigão, Sérgio Augusto, Almeida Salles, et caterva. Para se ter uma idéia, basta dizer que a crítica como era escrita nos jornais e revistas nos anos 50 e 60 se poderia considerar, talvez, até num gênero literário, porque tinha um estilo revelador na maneira de apreensão da estesia cinematográfica. Lia-se os escritos sobre filmes além da necessidade de esclarecimento na tradução do filme, mas, e sobretudo, apreciava-se o estilo de seus mestres. A leitura de Moniz Viana revela não somente um erudito do cinema, mas, também, um estilista. Assim como a de Walter da Silveira, Almeida Salles, entre os outros citados. Esta maneira de escrever é que desapareceu e o seu desaparecimento vem associado à ausência quase completa da cultura literária que se estimulava e era um hábito dos bem pensantes.
E a crítica, com o tempo, passou por uma metamorfose que se poderia mesmo dizer kafkiniana. A ponto de, muitas delas, não sair da condição de baratas pseudo-análises destituídas de qualquer base referencial.
19 junho 2011
Paissandu: símbolo de uma geração
O fechamento do cinema Paissandu, há alguns anos, no Rio de Janeiro, situado à rua Senador Vergueiro, no Flamengo, não registra apenas o fim de uma sala exibidora, mas há uma significação maior e mais abrangente como se, sinal dos tempos, pontuasse o fim de toda uma geração de cinéfilos. Aliás, a afluência verificada, principalmente nos anos 60, a esta casa de espetáculos, determinou a denominação de Geração Paissandu, tal o seu significado, a sua importância.
Apesar de soteropolitano, na segunda metade da década de 60 ia ao Rio (onde nasci em 1950), para passar uma temporada de um mês, duas vezes por ano e freqüentei, com bastante assiduidade, o cine Paissandu. Nesta sala, vi os principais filmes de Jean-Luc Godard, entre outros notáveis da Nouvelle Vague, a exemplo de François Truffaut, Claude Chabrol, Jacques Rivette (lembro-me da excitação quando do lançamento de A religiosa/La religieuse, baseado em Diderot, e dirigido por Jacques Rivette, com a musa de Godard, Anna Karina, filme que tinha sido proibido na França pelo ministro da Cultura André Malraux), Eric Rohmer, e os menos nouvellevaguistas como Alain Resnais (a cada filme deste, um acontecimento, um evento cultural, uma celebração ao cinema), Louis Malle, et caterva. Mas não somente o cinema francês. Tudo de bom e genial que se fazia (e não se faz mais) no cinema era apresentado na tela do Paissandu. Os filmes da incomunicabilidade de Ingmar Bergman, o cinema pausado de Michelangelo Antonioni, a estética viscontiana, a alegria circense das criaturas fellinianas, etc, etc, e etc.
Apenas quem viveu aquela época pôde sentir a efervescência de um período no qual a inteligência e o conhecimento davam as rédeas àquele que, por acaso, quisesse estar "in" com a vida e as circunstâncias. Ainda que alguns pongassem na alegria da descoberta, a dar um ar festivo à Geração Paissandu, o fato é que havia, nela, uma necessidade de conhecimento, de desbravar a arte em função não somente da celebração desta mas, e principalmente, de suas potencialidades de transformar o mundo.
A Geração Paissandu lia muito, e não somente jornais e revistas, mas livros (György Lukács, Marcuse, obras sobre a concepção dialética da história, marxismo...). O Jornal do Brasil e o Correio da Manhã pontuavam a orientação das discussões. Tanto em um quanto em outro, havia verdadeiros críticos de cinema que faziam análises copiosas e substantivas dos filmes apresentados. No Correio da Manhã, a crítica era liderada por Antonio Moniz Vianna, mordaz e irônico, que não gostava de Godard e, por isso mesmo, não era muito considerado pela Geração Paissandu. No Jornal do Brasil, Ely Azeredo e o seu antípoda: José Carlos Avellar, cada um à sua maneira, sérios e competentes. Mas também havia, toda sexta, no Jornal do Brasil, um Conselho de Cinema, que, página inteira, dava as cotações em estrelinhas (da bola preta às cinco estrelas) das películas em cartaz. Um filme era destacado, neste dia, para ser analisado pelos dez membros do conselho.
No lançamento de O dragão da maldade contra o santo guerreiro, em 1969, Ely Azeredo deu uma rotunda bola preta em contraste com as quatro e cinco estrelas de todos os demais. Havia muitos exegetas cinematográficos em atividade na imprensa e se corre o risco, assim de memória, de omissões importantes: Fernando Ferreira, Miguel Pereira (em O Globo), Sérgio Augusto, Paulo Perdigão, Ironildes Rodrigues, Alex Viany, Miriam Alencar, Salvyano Cavalcantti de Paiva, Valério Andrade, Maurício Gomes Leite, Alberto Shatovsky, Van Jaffa, Ronald F. Monteiro, Ruy Castro, José Lino Grünewald, Marcos Ribas de Farias, entre muitos outros.
Havia os "godardianos" (Maurício Gomes Leite, Sérgio Augusto, José Lino Grünewald...) e os que, por "anti-godardianos" (Moniz Viana, Valério Andrade...), não davam muita "bola" para a Geração Paissandu. O fato, inconteste, é que esta pontuou uma época, e o cinema Paissandu formou platéia e criou uma geração.
Mas se a Geração Paissandu se preocupava muito com a transformação do mundo pela evolução do cinema, por outro lado, havia um "background" cultural que enriquecia as análises dos filmes. Estes, porém, também eram vistos em sua singularidade específica, como estruturas audiovisuais. Assim, era corrente se ver discussões sobre um determinado travelling de Jean-Luc Godard ou uma panorâmica de 360 graus de certa ousadia na estrutura narrativa.
Nas calçadas do cinema, instalaram-se barzinhos e pizzarias e fazia parte do programa a "esticada" madrugada adentro nas discussões e nos chopps bem tirados (como só se toma no Rio de Janeiro). A intelectualidade da época tinha na boemia uma simbiose que com o bater-papo. Enunciavam-se pensamentos nas mesas dos bares e havia, nelas, uma interlocução de idéias (interlocução que parece desaparecida com os monossílabos dos orkuts e dos msns, nos quais o que menos existe é o enunciado de algum pensamento ou alguma idéia).
Houve algum Paissandu soteropolitano? De certa forma, sim, aos sábados pela manhã, quando o Clube de Cinema da Bahia fazia suas sessões semanais no cinema Guarany ao fim das quais os seus freqüentadores habituais iam tomar cervejas no célebre Restaurante Cacique, que ficava, assim como a sala exibidora, na Praça Castro Alves, bem perto do vespertino A Tarde.
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