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27 novembro 2013

Odete Lara

Entre todas as atrizes brasileiras, a que mais me fascina é Odete Lara, talvez porque este fascínio venha da infância, quando ainda em tenra idade comecei a ver seus filmes e me fixei, garoto, na sua forte personalidade, na sua extraordinária presença, e na sua singular beleza de mulher. 

Quando comecei a ir ao cinema, em meados dos anos 50, a maioria dos filmes brasileiros que via era constituída de chanchadas. A primeira impressão forte de Odete Lara, apesar de meus 8 anos, veio de Absolutamente certo (1957), deliciosa comédia de costumes dirigida por Anselmo Duarte, que considero, sem medo de errar, um dos melhores filmes nacionais de todos os tempos. Odete num número musical, nos estúdios da televisão onde o personagem principal, Zé Lino, interpretado por Anselmo Duarte vai pela primeira vez se apresentar para fazer um teste.

Não perdi, desde então, Odete Lara de vista. E a vi no papel de Júlia em Uma certa Lucrécia, de Fernando de Barros (1957), em Dona Xepa, de Darcy Evangelista, Moral em concordata (1959), de Fernando de Barros, e, de repente, Esse Rio que eu amo (1960), de Carlos Hugo Christensen, quando, pela primeira vez, recebo uma Odete Lara colorida dentro do cartão postal da ex-Cidade Maravilhosa. Evidentemente que, naquela época, não tinha em mente os diretores dos filmes citados, ainda que, num caderno colegial, fosse de anotar os filmes vistos. 

O menino que se queria já um adolescente vivia lendo em Cinelândia sobre a sua grande atriz, e esperando o seu próximo filme. Que vieram: Cacareco vem aí (1960), de Carlos Manga, Na garganta do diabo (1960), de Walter Hugo Khoury, Dona Violante Miranda (1960,. de Fernando de Barros, e o desconhecido Sábado a la noche. Interessante observar que Odete Lara fazia um filme atrás do outro, sem parar, considerando que somente em 1960, quatro longas metragens.

Mas Odete ainda se revelar mais em Mulheres e milhões (1961), thriller de Jorge Ileli, onde tem mais oportunidade de mostrar os seus encantos. E, principalmente, em 1962, quando domina a cena de quase todas as sequências de As sete Evas, de Carlos Manga. A seguir: Bonitinha mas ordinária (1963) de J. P. de Carvalho.

Mas quero aqui apenas registrar a minha predileção por Odete Lara entre todas as atrizes brasileiras de todos os tempos. E não fazer a sua filmografia. Mas é preciso registrar a Odete Lara essencial, e ela se encontra, perfeita e acabada, em Noite vazia (1964), de Walter Hugo Khoury, um dos grandes momentos do cinema brasileiro, Copacabana me engana (1968), obra de estréia na direção de Antonio Carlos Fontoura que viria a lhe dirigir depois em A rainha diaba (1973). E a Odete Lara enfurecida, em O dragão da maldade contra o santo guerreiro (1969), de Glauber Rocha, que, vestida de roxo, esfaqueia com quase duas dezenas de golpes de faca Hugo Carvana em momento antológico do cinema brasileiro.

Sim, Odete Lara é única, ainda que tantas as belas e boas atrizes que o Brasil possui. 

Publicado originariamente no site Mulheres do Cinema Brasileiro, de Adilson Marcelino

24 novembro 2013

Apenas um cinéfilo


Comecei a escrever comentários sobre cinema de maneira mais sistemática em agosto de 1973, quando fui contratado pelo jornal Tribuna da Bahia para uma coluna diária sobre os lançamentos dos filmes em exibição na cidade. Tinha, nesta ocasião, 23 anos, mas, antes, já escrevia acerca das coisas da sétima arte bissextamente no suplemento cultural, de papel azul, do Jornal da Bahia, e uma experiência no Jornal da Cidade, uma publicação que saía aos domingos e que dedicava uma página inteira ao cinema. De tipo tabloide, o Jornal da Cidade, que não teve vida longa, significou, na verdade, a minha estréia como comentarista.

Na Tribuna da Bahia, entre 1974 e 1994, vinte anos, portanto, tive uma coluna diária, de sol a sol, inclusive quando, nos anos 80, foi implantada uma edição aos domingos. A partir de meados dos anos 90, por injunções jornalísticas internas e, também, pela indisposição com o cinema contemporâneo, que já dava sinais de esgotamento, passei a escrever apenas uma vez por semana.

Assim, a tomar como ponto de partida o ano de 1973, tenho 40 anos como colunista de cinema na Tribuna da Bahia. Mas, durante estas décadas, publiquei textos em revistas e outras jornais. De vez em quando, no suplemento cultural de A Tarde, na extinta Revista da Bahia, e, entre outros trabalhos, elaborei alguns verbetes para a Enciclopédia do Cinema Brasileiro (organizada por Fernão Ramos e Luiz Felipe Miranda para a editora do Senac), entre outras publicações e participações em eventos e seminários vinculados ao estudo da arte do filme. Em 1979, ingressei, como professor da área de cinema, na Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia, que ainda se chamava Escola de Biblioteconomia e Comunicação, a reunir, num único prédio, os dois departamentos.

O cinema, disse uma vez Orson Welles, morreu em 1962, e seu último filme foi O homem que matou o facínora (The man who shoot Liberty Valance), de John Ford. O realizador de Cidadão Kane falou isso a Peter Bogdanovich, que o entrevistava para um livro. Espantado com a resposta, Welles disse que o apogeu do cinema vai de 1912 até 1962, cinquenta anos. E acrescentou: um apogeu maior que a Renascença, que teve apenas trinta e oito anos. O cinema, portanto, para Welles, a partir de 1962, entra numa fase de perigeu. O que concordo plenamente.

Acontece que se o cinema teve a sua primeira projeção oficial em 28 de dezembro de 1895, no Grand Café do Boulevard des Capucines, em Paris, e os seus inventores proclamados foram os Irmãos Lumière, ainda que muitos pesquisadores em outros países estivessem prestes a conseguir a projeção de filmes, o fato é que a linguagem cinematográfica ainda não havia sido descoberta. Havia o cinema sido inventado, e a possibilidade de se projetar, numa superfície plana, imagens em movimento. Mas tudo era registrado com a câmera parada, plano fixo, não se sabia que ela poderia se movimentar. A descoberta dos elementos determinantes da linguagem cinematográfica foi sendo feita aos poucos. Assim, o americano David Wark Griffith, em 1914/1915, considerado o pai da narrativa cinematográfica, é o realizador que soube reunir e sistematizar, com eficiência dramática, os elementos da linguagem que foram sendo inventados entre 1895 e 1915, vinte anos, portanto, para a construção de uma linguagem.

Se Griffith, com O nascimento de uma nação (The birth of a nation, 1914), e Intolerância (Intolerance, 1916), contribui com um impulso importante para o desenvolvimento da narrativa, a linguagem, no entanto, ainda tinha muito o que conquistar. Pode-se dizer que a linguagem cinematográfica foi sendo enriquecida e construída durante a primeira metade do século passado e que adquiriu, por assim dizer, uma cristalização em meados dos anos 60 ou, como quer Orson Welles, em 1962.

A era dos grandes inventores de fórmulas, dos grandes inventores do cinema, já acabou. Atualmente o cineasta se utiliza de uma linguagem já configurada e resta, a ele, articular os seus elementos com remota possibilidade de inventá-la. Ou reinventá-la como fez Jean-Luc Godard, na prodigiosa década de 60, em Acossado (A bout de soufflle), Uma mulher é uma mulher (Une femme est une femme), O demonio das onzes horas (Pierrot, le fou), entre outros, ou Alain Resnais em Hiroshima, mon amour e O ano passado em Marienbad. Alguns ensaístas da arte do filme chegam a dizer que este último é, a rigor, o derradeiro filme de invenção da história do cinema.

O cinema perdeu o seu status político. Com a crise dos anos 70, a perda de público para as outras opções de lazer, e a descoberta do filão infanto-juvenil por Hollywood, o cinema se infantilizou tematicamente. Os filmes atuais oriundos da indústria cultural são obras quase matemáticas na construção de seus sentidos e de seus efeitos. Os personagens, destituídos, de alma, são como títeres ou marionetes movidos pelo ritmo da ação.

Se, antigamente, ia ao cinema todos os dias, hoje sou muito seletivo. Vou de vez em quando para ver obras de algum realizador que venha a me interessar. Mas nunca com a constância do passado. A crise, patente, se reflete, creio, em todas as artes.

Se encontrasse, jovem, quando iniciei a minha carreira de comentarista, o cinema que se vê atualmente, não teria sido um escrevinhador das coisas da sétima arte. O cinema contemporâneo é medíocre demais para atrair pessoas e as tornar fiéis, criar a habitualidade, a cinefilia. Até o jornalismo cultural, que tinha alguma substância, vive atualmente muito restrito (quando existe) sem a disponibilidade para acolher textos copiosos. Tudo é feito através de colunas curtas, que sejam rapidamente absorvidas. Há quem disse que a nova geração não lê, mas escaneia com os olhos.

A decadência dos grandes suplementos culturais, e a emergência do império do audiovisual, determinaram a falência da crítica de cinema impressa. Com as exceções de alguns (raros e poucos) críticos (e que podem assim ser chamados) do sul do país, a crítica cinematográfica praticamente desapareceu dos jornais diários. Mas, por outro lado, ela está a se frutificar na internet, com a explosão dos blogs, dos sites, que acolhem verdadeiras revistas eletrônicas de cinema.

Mas o que se pode observar, sempre se tendo em vista as exceções de praxe, é que o chamado crítico de cinema que atua no espaço virtual se caracteriza por um fervor excessivo pelo cinema, uma espécie assim de cedeefismo pelo objeto. Se, por um lado, demonstra conhecimento do assunto que aborda, por outro lhe falta uma cultura humanística, uma visão crítica do mundo, um background. O sujeito deixou de ser importante nas últimas décadas para dar lugar ao estudo das estruturas.

Existem, grosso modo, quatro tipos de críticos de cinema: o ensaísta, que se caracteriza pela erudição e desenvolve sua análise do filme com os recursos de sua memória, a realizar um discurso sobre um objeto determinado, mas livre para o exercício de seu pensamento sem a camisa-de-força da metodologia acadêmica; o ensaísta deve ter sempre uma visão de mundo e uma visão de cinema; já o crítico propriamente dito possui uma maneira própria de fazer a sua exegese, a apresentar, sempre, um conhecimento da arte do filme em sua linguagem e em sua estética; o comentarista é aquele que discorre sobre a obra cinematográfica segundo as suas impressões; o resenhista, por sua vez, é apenas um orientador como guia de consumo.

Sobre poderem contribuir para o enriquecimento do pensamento cinematográfico, as dissertações e teses acadêmicas estão presas à já citada camisa-de-força metodológica. Se o analista tem bagagem, o estudo tem valor, mas, caso contrário, amarga ao leitor o desprazer do acompanhamento de suas linhas. As dissertações e teses, contudo, não se configuram como críticas de filmes, e se apresentam mais como estudos analíticos de determinados aspectos do filme ou deste em relação a alguma abordagem sociológica, semiótica, antropológica, histórica, etc.

Ensaístas de cinema foram Paulo Emílio Salles Gomes, Walter da Silveira, Francisco Luiz de Almeida Salles, Davi Arriguci Jr (embora este último seja mais ligado à literatura), entre muitos outros. Críticos, e com C maiúsculo, Antonio Moniz Vianna, Rubem Biáfora, José Lino Grunewald, Sérgio Augusto, Paulo Perdigão, Ely Azeredo, entre tantos!

Na minha trajetória de colunista sempre me considerei um comentarista, ainda que, vez por outra, tenha assumido a crítica. Fazer uma coluna diária de jornal é uma tarefa que não dá margem a um pensamento mais cristalizado e maduro acerca do que se viu, pois há a pressa de se ver o filme e bater o texto para a entrega imediata. O fator psicológico também influi e já aconteceu de ter incorrido em erro de apreciação por não estar bem quando da visão de um filme (uma dor de cabeça, uma gripe, uma indisposição qualquer, uma consumição, etc)  e, pelos ossos do ofício, ter de elaborar um comentário para a coluna do dia seguinte.