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10 maio 2012

"O Terror das Mulheres", de Jerry Lewis (versão integral)

O You Tube está disponibilizando alguns filmes em versão integral on line - o que já é uma grande conquista para os amantes do cinema no espaço virtual. Ponho aqui o de O terror das mulheres (The ladie's man), em vídeo completo contendo toda a duração da película, segundo filme de Jerry Lewis como diretor e já, de saída, uma pequena obra-prima (o primeiro: O mensageiro trapalhão/The bell boy, 1960). No ano seguinte, 1961, como autor completo, Lewis dirige O terror das mulheres antes de O mocinho encrenqueiro (The errand boy) para, em 1963, realizar aquele que se constitui para muitos a sua obra-prima: O professor aloprado (The nutty professor), embora os lewisianos mais fanáticos preferiam O otário (The patsy, 1964).

Em O terror das mulheresHerbert H. Heebert (Jerry Lewis) é um rapaz vítima de um relacionamento que o deixou totalmente desiludido com relação às mulheres. Mas, por ironia do destino, ele consegue emprego justamente em uma pensão para mulheres, que está lotada de jovens atrizes belas e cativantes. Lewis autor desmistifica, aqui, o espetáculo cinematográfico, fazendo questão de mostrar que o cenário é, apenas, um cenário, insiste no non sense (a sequência do quarto branco, desproporcional, pela sua amplitude, em relação à casa onde se encontra, é totalmente absurda e antológica), e não desenvolve a história num in crescendo tradicional do modelo narrativo, dando preferência a sketches de situações ocorridas no interior da casa. The ladie' man é uma comédia admirável em todos os sentidos. Além de Jerry Lewis, Helen Traubel (a senhora gorda que canta, que trabalhou em Monsieur Verdoux, de Charles Chaplin), Pat Stanley, Kathleen Freeman (atriz constantes nos filmes lewsianos), George Raft, Harry James, Buddy Lester, entre outros. O roteiro foi escrito por Lewis, seu habitual colaborador Bill Richmond, e teve sugestões não creditadas de Mel Brooks.

Jerry Lewis completou no dia 16 de março passado 86 anos (nasceu em 1926). Mas ainda está na ativa: tem dois filmes, como ator, em fase de pós-produção. Max Rose, de Daniel Noah, com ele, Claire Bloom, Ben Gazarra e Peter Bogdanovich. E Big finish.

É um gênio do cinema.


P.S.: Peço desculpas, porque, inimigo número 1 da dublagem, depois que a coloquei no blog percebi que a versão está dublada em português. Mas dá, pelo menos, para ver as situações, as gags, alguns momentos antológicos da verve lewsiana.

09 maio 2012

A estética do videoclip como metástase do espetáculo

William Friedkin é mestre no dimensionamento do conceito de duração.
A estética do videoclipe, que, como metástase, invade a indústria cultural cinematográfica, está a destruir a linguagem fílmica. Os filmes são fragmentados, picotados, como se uma máquina de costura fosse a montadora das películas, a destruir, com isso, o clima, a ambientação, a durée - leia-se conceito de duração. Admite-se tal velocidade para o videoclipe como tal, mas quando a sua estética se expande para a dramaturgia cinematográfica vê-se, neste caso, um perigo real e imediato para o cinema. Os grandes cineastas sempre tiveram em mente o conceito de duração que proporciona o clima, o envolvimento e, neste, a instalação do poder de convencimento capaz de tornar o espectador um cúmplice do espetáculo.
Acontece que a nova geração, a do audiovisual, perdeu, por causa da asfixia proporcionada pela indústria cultural, a capacidade de contemplar e, sem contemplar, não existe possibilidade de se adentrar na coisa para conhecê-la. Tudo se passa muito rápido, as tomadas se sucedem em questão de segundos, e a maioria dos filmes contemporâneos redunda na nulidade. A estética do videoclipe incorporada ao espetáculo cinematográfico parece uma peste endêmica a assolar os produtos oriundos da indústria cultural de Hollywood.
É por isso que, quando surge um filme como Ervas daninhas (Les herbes folles), de Alain Resnais, ou mesmo, para ficar, apenas, em três exemplos atuais, Cópia fiel, de Abbas Kiarostami, ou Tetro, de Coppola, ou Midnight in Paris, de Woody Allen, a sensação é de algo diferente, de uma obra que passa uma emoção e uma reflexão, com clima e eficiência dramática, que seriam impossíveis dentro daestética da tesourinha ou da máquina de costura.
Sofre, com isso, a linguagem cinematográfica, que, com a incorporação da estética do videoclipe ao espetáculo cinematográfico, se encontra num processo de marcha-a-ré. É impossível se assistir a um filme, atualmente, com o maneirismo demencial de dar ao espectador apenas alguns segundos de uma tomada. Viciada, a nova geração não mais aceita um filme normal, com a duréecontrolada e por desvio, tende a considerá-lo um filme lento e chato - e não se está a falar aqui de obras realizadas em planos seqüenciais, mas de películas nas quais o realizador concebe a duração dentro dos padrões normais de acompanhamento da atenção. Kubrick, neste particular, é um mestre no saber dimensionar o conceito de duração.
A síndrome matriz, antes de fornecer algo de novo e interessante, estabeleceu um ritmo e um padrão capazes de pôr o prazer de se ir ao cinema por água abaixo. Como se já não bastasse a instauração dos efeitos especiais comoconditio sine qua non do sucesso comercial. E, neste particular, existe um culpado: George Lucas, em 1977, com Guerra nas estrelas (Stars war), que, com as continuações dos anos 90, permitiram a emergência da irritabilidade em espectadores menos comprometidos com a velocidade rítmica.
Se o cinema hollywoodiano atual é um cinema dirigido por executivos estranhos ao assunto (Coca-Cola, Mitsubichi, Sony, etc), no passado, entretanto, as coisas eram diferentes. Existiam os grandes estúdios (que foram fundidos com suas características totalmente desaparecidas), regidos por chefões que, poderosos, apesar da ânsia do lucro, gostavam e entendiam de cinema (Harry Cohn, da Columbia, Jack Warner, da Warner, Louis B. Mayer, da Metro, David Selzsnick...).
A planilha da produção, hoje, é uma linha de montagem como uma fábrica de salsichas: tantos filmes de ação, tantos filmes de monstros e alienígenas, e por aí vai. Os efeitos especiais se sobrepuseram em detrimento da construção psicológica dos personagens, da estruturação destes como pessoas de carne e osso. Vêem-se marionetes e títeres, a correr dos perigos, a se desvencilhar dos obstáculos, mas, nunca, personagens com poder de convencimento e envolvimento. É verdade que há um Clint Eastwood para salvar o pobre cinéfilo, e, para se ser sincero, mais alguns, como Scorsese, os fratelli Coen, William Friedkin (a revisão semana passada de O exorcista assustou-me pelo grau de competência de sua mise-en-scène), Paul Thomas Anderson, Robert Zemeckis, Lars Von Triers, aquele coreano de O amor à flor da pele, entre poucos.
O cinéfilo de antigamente se transformou em mero consumidor. Ver filmes virou sinônimo de comer pipocas e se abastecer, até o afrontamento do estomago, de hambúrgueres, refrigerantes post-mix de 750 ml, guloseimas a perder de vista. Os exibidores revelaram que os complexos de cinema, instalados nos shoppings centers, tiram maior renda com a venda de fast-food do que com os ingressos propriamente ditos. Quem quiser uma prova basta dar uma olhada em sessão noturna de dia de semana, excetuando-se as da quarta cujos ingressos são mais baratos.
E para coroar a decadência do cinema contemporâneo - pelo menos o cinema que se oferece na bandeja do circuito - surgiu a prática odiosa da tesourinha, isto quer dizer: a introdução da estética do videoclipe na narrativa cinematográfica.
As tomadas rápidas, a insistência da ação contínua e a velocidade excessiva imprimida ao ritmo do filme não deixam margem à respiração e à contemplação. E contrariamente aos filmes dos grandes mestres, que sabiam dosar os momentos fortes e os momentos fracos, nas películas atuais praticamente só existem os primeiros. Não há pausas, necessárias, que preparam o espectador para o clímax. Pena que assim seja, pois os amantes do bom cinema estão se afastando das salas de projeção e se recolhendo ao conforto caseiro para ver filmes de sua preferência em DVD. A oferta destes está excelente. Há filmes para todos os gostos. E não se tem que suportar os celulares vazios, as pipocas em mandíbulas alheias, as conversinhas de débeis mentais, a ambiência, enfim, de um inferno.
Os aborrecentes que vão ao cinema, além de aborrecer aqueles que gostam da chamada sétima arte, se tornaram verdadeiros vândalos. Comer em cinema deveria ser proibido. Não fazem isso com o cigarro por causa da paranóia antitabagista que assolou a politiquice correta?

06 maio 2012

O cinema perdeu a sua aura


O fato é que, com o surgimento dos novos suportes, com o avanço da tecnologia, que possibilita a visão de filmes "em qualquer lugar", a magia das salas exibidoras desapareceu. As imagens em movimento se tornaram rotineiras. Nasce-se, hoje, vendo-as no televisor acoplado na parede do hospital enquanto ainda se está a sair para a vida. Todo mundo pode, atualmente, fazer um filme.
Faz-se filmes como antigamente se fazia poesias. Mas isto não quer dizer que eles sejam poéticos (alguns podem sê-los). E o velho cineclube? Ainda teria a mesma função, o mesmo fascínio, a mesma curiosidade? Em alguns lugares, as sessões, por assim dizer, cineclubistas, ainda funcionam, a exemplo das concorridas sessões do Comodoro, patrocinadas pelo cineasta Carlos Reichenbach na capital paulista. Mas, creio, são exceções que fogem à regra. O "negócio", nos dias que correm, se encontra em baixar filmes da internet. E, com isso, aquele reverência que se tinha, diante das imagens em movimento, se perdeu no tempo.
As coisas mudam, porém, e, com elas, a recepção ao filme se tornou um ato rotineiro sem o tão necessário encantamento e assombro. Na verdade, está a acontecer uma revolução no modo de ver o filme, e esta revolução tem que ser assimilada, compreendida. O cinema que se tinha, nos moldes de antigamente, está morto. A sentença de morte foi dada poeticamente por Cinema Paradiso (Nuevo Cinema Paradiso, 1989), de Giuseppe Tornatore. E, também, na mesma época, por "Splendor", de Ettore Scola.
Mas, e a respeitar aqueles que gostam de ver filmes na telinha do computador, devo dizer, em alto e bom som: recuso-me, peremptoriamente a ver filmes na telinha do aparelho informático. Vejo-os muitos em DVD. Pode acontecer, em alguns casos, para falar a verdade, e a verdade verdadeira no sentido kantiano, de assistir a filmes baixados na internet se convertidos em DVD, mas que sejam obras raras, que não as tenha visto e que sejam importantes.
Com o advento do VHS, do laser-disc, do DVD, e, agora, com a possibilidade de se baixar quase tudo da internet, a pergunta que se quer fazer é a seguinte: ainda haveria condições de ser ter um clube de cinema nos moldes do de Walter da Silveira nas décadas de 50 e 60 em Salvador?
Naquela época, difícil era se ver certos filmes, que ficavam restritos às cinematecas. O mercado exibidor se restringia aos lançamentos e as constantes reprises de filmes de sucesso. Como, nos anos citados, assistir aos filmes neo-realistas, aos do expressionismo alemão, às obras mais independentes de cinematografias desconhecidas, às obras do realismo poético francês, à vanguarda da estética da arte muda?
O único jeito era a viagem e, assim mesmo, o mais certo seria ao exterior, às cinematecas de Nova York ou a de Paris, além de outras importantes da Europa. Aqui no Brasil, existiam, mas ainda incipientes, as cinematecas do Rio e de São Paulo (esta com um acervo mais versátil). Salvador não tinha nenhuma possibilidade de constituir uma cinemateca.
A importância de Walter da Silveira (que boa parte da nova geração não sabe quem foi, apesar de nome de sala alternativa nos Barris) foi justamente a de, com a fundação do Clube de Cinema da Bahia, trazer filmes especiais, essenciais à evolução da linguagem e da estética cinematográficas. Walter da Silveira fez ver, aos baianos de província (mas uma província muito agradável bem diferente da cidade engarrafada de hoje), que o cinema, além de um bom divertimento, era, também, a expressão de uma arte.
O próprio Glauber Rocha, quando de sua morte, em novembro de 1970, em artigo para o Jornal da Bahia, confessou que o ensaísta fora seu grande mestre, que aprendeu a ver cinema através das palavras de Walter da Silveira. E conta, num artigo, o esporro que este lhe deu, quando, numa exibição de "O encouraçado Potemkin", numa sessão matutina no cinema Liceu, conversava, durante a exibição, com um amigo. Walter, percebendo o "arruído", deu-lhe tremendo esporro, segundo palavras do próprio Glauber que, conta, nunca mais falou durante a projeção de um filme, tal a indignação do mestre diante do jovem tagarela.
Atualmente, no entanto, com a facilidade existente, pode-se ver um raro filme antigo, a exemplo de Ordet, de Carl Theodor Dreyer, famoso cineasta dinamarquês, em boa cópia em DVD. Este filme, há poucos anos, somente seria possível ser contemplado na cinemateca de Henry Langlois, em Paris. Outro dia, vim a saber, um conhecido baixou da internet, em cópia decente e legendada, As estranhas coisas de Paris (Elena et les hommes, 1956), com a bela Ingrid Bergman e Jean Marais, filme difícil de se ver (nunca passa na televisão e não tem no disquinho).
Uma vez no Rio, ao saber da exibição de Ladrões de bicicleta na Cinemateca do Museu de Arte Moderna, em única sessão, ainda que mal tivesse chegado à cidade, corri para lá. Finda a exibição, chuva torrencial fiquei encharcado e voltei a pé para o hotel (a cidade engarrafada, tudo parado). Nos tempos atuais, faria o mesmo sacrifício? Claro que não, pois o DVD de "Ladri di biciclette" está disponível não somente para ser adquirido, mas também nas melhores locadoras da cidade.
Qual a função do cineclubismo nos dias atuais? Walter da Silveira, por exemplo, sobre ser um dos maiores ensaístas de cinema do Brasil (na Bahia ninguém nunca lhe chegou perto), era um homem, verdade se diga, à antiga, de tom grave, circunspeto, com uma gestualística bem diversa da juventude atual e, mesmo, dos menos jovens que atualmente constituem o meio circundante e intelectual, universitário. A figura de Walter faz lembrar aqueles antigos mestres universitários, principalmente os professores da Faculdade de Direito (no acento vocal, nas pausas, na maneira de expor o assunto, um "magister dixet").
Mas acontece que o mundo mudou e, com ele, a cultura. Houve um papel importantíssimo exercido por Walter da Silveira. Os realizadores que se aventuram na captação das imagens em movimento são contemporâneos de um cinema digital. Faz-se filmes até pelos telefones celulares. O Clube de Cinema da Bahia, portanto, não poderia existir - nem teria razão de ser - nesta chamada contemporaneidade. A própria psicologia de recepção da obra cinematográfica mudou. Bem, são reflexões ao acaso.