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29 dezembro 2011

Imagem rara: memória e história

A foto é do antigo cinema Caruso Copacabana, inaugurado em 15 de fevereiro de 1954 e fechado em 01 de janeiro de 1984. Ficava situado à Av. Nossa Senhora de Copacabana, 1362, Copacabana, Rio de Janeiro, onde hoje funciona uma agência bancária. Com instalações de luxo, tinha 867 lugares e foi o primeiro cinema planejado para o clima tropical: não apresentava os tradicionais tapetes e pesadas cortinas, evitando acúmulo de poeira e o excessivo aquecimento do ambiente, além de possuir um sistema de excelente ar condicionado.(Tommy Beresford)

28 dezembro 2011

2 ou 3 coisas sobre "Samba Riachão"

Quinta-feira, dia 29 de dezembro, já no ocaso de 2011, a Televisão Educativa da Bahia exibe, às 22 horas e 30 minutos, o premiado documentário Samba Riachão, de Jorge Alfredo, que, há dez anos, ganhou o prêmio principal do Festival de Brasília, ex-aequeo com Lavoura Arcaica. Jorge escreveu um texto sobre o filme que publico abaixo:


por Jorge Alfredo
Não é por acaso que a minha estréia no cinema foi um documentário sobre o samba da Bahia. A MPB e o cinema marcaram demais a minha formação cultural. Sempre tive a impressão de que muito do que aconteceu comigo foi motivado pelas músicas e filmes que insistiam em permanecerem vivos dentro da minha cabeça. No cinema, quando as luzes se apagam eu saio da real e embarco numa viagem, onde o ritmo da montagem e a intencionalidade da fotografia trazem um significado a mais para cada ação, para cada sentimento. Ouvindo música sempre vejo imagens, personagens, é sempre a mesma sensação de sair do corpo e conviver com novas fantasias. E foi assim que imaginei um dia mostrar um pouco das histórias maravilhosas que ouvi contar e outras que cheguei a presenciar. Levar um pouco da MPB para a tela grande é uma coisa que já estava escrita. Influências e misturas. Sincretismo e pluralidade. O passado afirma e o presente confirma; o samba surgiu de misturas e continua sendo o resultado de uma constante miscigenação étnico-cultural que se manifesta numa multiplicidade rítmica estonteante.
Desde menino, já respirava cinema e já havia cometido meus pecados pilotando uma câmara super 8 lá pelos anos 70. O samba, esse gênero “inculto”, sempre esteve no cerne  de tudo que aconteceu na música popular brasileira do século XX. Nasceu urbano e moderno junto com o rádio, e se transformou em cultura de massa, influenciando e sendo influenciado. Apesar de João Gilberto praticamente só gravar sambas, não se costuma falar assim: o sambista João Gilberto.  (ah, como João ia adorar isso!) Nem Caymmi, nem tão pouco Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé, Os Novos Baianos, Carlinhos Brown são considerados sambistas. Na Bahia, quando se fala em samba se pensa logo em Batatinha, Panela ou Riachão. O filme Samba Riachão fala disso. As permanentes transformações, o link entre tradição e modernidade, entre tecnologia e folclore. Os encontros musicais, situações únicas produtoras de novos sentidos. O filme surgiu disso aí; de um desejo de não querer simplesmente juntar as peças de um imenso quebra cabeça, mas de jogar um lance de dados sobre a mesa. Falar de samba é falar da formação do Brasil. Ouvir os grandes mestres baianos foi um aprendizado e tanto! Riachão e o samba; não há como dissociar uma coisa da outra. Riachão é um clown. Esse lado performer dele é a sua marca registrada. Ele vive isso por inteiro. O seu canto a capela, do qual muito me utilizo no filme, intercalado por histórias hilárias, cheias de picardia, trejeitos e sabedoria, fazem dele o samba em pessoa. Quer dizer, eu utilizo a trajetória pessoal de Riachão para contar, em paralelo, na voz de gente muito especial, a história do samba da Bahia. Eu quis falar para o mundo, na voz de gente  bamba, o ritmo e a alma de um povo de um lugar chamado Brasil. Usei a Bahia como base de tudo, mas não me deixei levar por um sentimento barrista.

Cine Azteca: monumento de um tempo perdido

Embora nascido no Rio de Janeiro (Rua Maria Amália, na Tijuca, perto da fábrica da Brahma que era toda pintada de vermelho), passei a maior parte de minha vida em Salvador. A partir da adolescência, pelo fato de ter parentes no Rio, ia passar um mês por ano (o das férias de julho) nesta cidade. Ia, como de hábito, muito aos cinemas cariocas e, naquela época, havia uma tremenda vantagem: os filmes que eram lançados no Rio levavam um ano para que fossem colocados no mercado exibidor soteropolitano. Assim, quando retornava a Salvador, tinha visto muitos filmes que meus amigos tinham apenas conhecimento de ouvir falar. Se hoje, os lançamentos ocorrem simultaneamente nas capitais brasileiras com centenas de cópias, em tempos idos a coisa era diferente, muito diferente. 

Dos cinemas cariocas, havia um que achava esquisito e, confesso, adolescente que era, tinha até medo de entrar: o Cinema Azteka, que ficava na rua do Catete bem perto do Largo do Machado. A fotografia, quem ma enviou, foi Jonga Olivieri, que, procurando agulha no palheiro, achou-a. Cada sala exibidora possuía sua atmosfera particular, sua arquitetura própria, ofertando, com isso, com um estilo marcante, um clima, uma ambiência para se ver um filme. Tanto é que, vista uma fita num cinema, esta era sempre associada à sala exibidora: "Vi A cidade dos Robinsons no Azteka!", por exemplo.

Inesquecível o cine São Luiz no Largo do Marchado, o Palácio, no Passeio Público, o Roxy, em Copacabana, o Alvorada (cinema de arte em Ipanema), o Pax, os diversos Art Palácios (sempre com problemas de projeção), o saudoso Metro de Copacabana, o Odeon, o Pathé, o Victória, o Cinema 1, o Cinema 2, os Brunis (Flamengo, Botafogo...), o Capri, entre tantos outros que a memória pode falhar e acabe por cometer omissões imperdoáveis.

25 dezembro 2011

Os melhores filmes de 2011


1.) TETRO (Tetro), de Francis Ford Coppola. Expiação de seus tormentos familiares, de suas relações pretéritas com a sua família, obra de soberba autoral com resultado mais que perfeito. Rapaz ingênuo, ainda adolescente, chega a Buenos Aires para encontrar o irmão mais velho, que abandonou os familiares e vive com outro nome. Coppola, realizador notável, amplia, aqui, a sua dimensão como artista em filme de reflexão. O melhor do ano, de longe e, nem de perto, pode-se compará-lo aos outros.
2.) CÓPIA FIEL (Copie conforme), de Abbas Kiarostami. Este realizador iraniano, desta vez em produção fora de seu país, filmada na belíssima Toscana, através do relacionamento de um casal (Juliette Binoche e o cantor lírico inglês William Shimelli) provoca um jogo de ambiguidades, de verdades e mentiras, um discurso amoroso sobre a autenticidade e a mentira com uma pessoal maneira de filmar os seres e as coisas. E, com isso, confirma que é um realizador acima da média e o filme um dos mais curiosos do ano.
3.) HOMENS E DEUSES (Des hommes et des dieux). Detentor do prêmio especial do júri no Festival de Cannes deste ano, Des hommes et des dieux, de Xavier Beauvois, é inspirado em fatos ocorridos na Argélia em 1996, quando monges católicos são sitiados em seu mosteiro por fundamentalistas islâmicos. Beauvois traça com rigor o perfil de cada monge e sustenta, com vigor, a tensão da crônica de uma morte anunciada. Momento sublime: quando os monges ouvem o Lago dos cisnes de Tchaikovsky.
4.) O MÁGICO (L'illusionniste), de Sylvain Chomet. Delicadeza e sensibilidade na abordagem da decadência de um ilusionista cujo desenvolvimento narrativo, em sua maior parte, é feita pela visualidade em detrimento dos diálogos. Baseado num roteiro inacabado de Jacques Tati, a diretora Chomet, premiada em As biciletas de Belleville, confirma, aqui, o seu talento e a sua predisposição poética de ver e olhar o mundo. E bate na tecla de uma constante temática de Tati: o embate entre a tradição e a modernidade (vista com tanta arte e inventiva em Meu tio/Mon oncle, 1958.
5.) ALÉM DA VIDA (Hereafter), de Clint Eastwood. Este conceituado diretor, que dá continuidade à tradição do grande cinema americano, não realizou em Hereafter, como muitos pensaram, um filme espírita, mas se valeu de uma abordagem sobrenatural como um recurso de sua fabulação para falar de sentimentos, culpa, e a capacidade de superação dos traumas. O filme acompanha três personagens: Matt Damon, que tenta deixar para trás uma promissora carreira de médium; em Londres, um menino sofre com a trágica morte do irmão gêmeo; e, em Paris, a jornalista Cécile De France vê sua vida mudar radicalmente após sobreviver ao tsunami de 2004. Os três personagens acabam por se encontrar e estabelecem ligações. Obra bela e envolvente.
6.) AS PRAIAS DE AGNÈS (Les plages d'Agnès).Documentário memorialístico, Les plages d'Agnès utiliza, na sua estrutura narrativa, materiais de origens diversas: fotografias, fragmentos de filmes, entrevistas, pequenas encenações. Por meio desse sensível documentário, Agnès Varda realiza uma espécie de autobiografia, recorda momentos, instantes de felicidade: sua meninice, seus passeios pela Bélgica, nos tempos de criança e, quando chega adulta a Paris, a descoberta e o assombro pela possibilidade criadora através das imagens em movimento. Apesar de realizado em 2009, somente no ano em curso foi lançado em Salvador.
7.) MEIA-NOITE EM PARIS (Midnight in Paris), de Woody Allen. Consagrado autor do cinema contemporâneo dotado de estilo próprio e constantes temáticas, Allen entra no túnel do tempo para refletir sobre as ilusões que temos sobre a existência. Paris sempre fascinou cineastas, escritores, e artistas em geral.Midnight in Paris, sobre ser um canto à sua beleza, é um filme que nos permite pensar acerca do tempo como fator existencial e que determina as circunstâncias do aqui e do agora. Um momento, entre outros, antológico: quando o personagem fala a Buñuel sobre O anjo exterminador e o aragonês acha o argumento confuso.
8.) MELANCOLIA (Melancholia), de Lars Von Triers. A melancolia deste rebelde cineasta dinamarquês da terra de Carl Theodor Dreyer é uma melancolia que reflete sobre o mal estar da civilização. O cinema de Von Tries é um cinema agressivo e de imagens fortes, mas sempre com o condão de nos levar à reflexão. Nele, não há piedade na exposição das fraturas expostas da civilização. Enquanto um planeta chamado Melancolia está prestes a colidir com a Terra, uma mulher se prepara para a sua festa suntuosa de casamento. Interpretações notáveis de Kirsten Dunst e Charlotte Gainsbourg.
9.) O DISCURSO DO REI (The king's speech), de Tom Hopper. Com a abdicação de seu irmão, George assume o poder real na Inglaterra como George VII.O filme é um duelo interpretativo entre Colin Firth e seu instrutor Geoffrey Rush para que este consiga curar a gagueira crônica do aspirante ao trono. Criticado por uma estrutura narrativa convencional, The king's speech justamente por isso consegue um equilíbrio perfeito entre os seus diversos elementos de composição: a excelência interpretativa, a cenografia apurada, um ritmo envolvente e um espetáculo grandioso.
10.) A PELE QUE HABITO (La piel que habito), de Pedro Almodóvar. A ação se passa no ano de 2012, e assinala a volta de Antonio Banderas aos filmes do cineasta, como o bem-sucedido cirurgião plástico Richard Legrand que, após a trágica morte de sua esposa (que tem seu corpo completamente incinerado em um acidente), parte em busca de uma "pele perfeita", que poderia tê-la salvado. Sem limites em sua insaciável busca, Richard é capaz de tudo para tentar reescrever a história e evitar o inevitável. O cinema de Almodóvar é uma mescla de gêneros e aqui, assumindo o thriller, faz um trabalho primoroso como cinema e a obsessão pelo cinema. Influência notória de Os olhos sem rosto (Les yeux sans visage, 1960), de Georges Franju.
Publicado originariamente na revista eletrônica Terra Magazine.

24 dezembro 2011

Projeto de Tuna sobre Anísio Teixeira é preterido

Tuna Espinheira, o brilhante historiador baiano Luiz Henrique Dias Tavares, e uma pesquisadora , que participaram ativamente da extenuante pesquisa para o projeto do documentário sobre Anísio Teixeira, que foi posto a escanteio pelo Fundação Cultural do Estado da Bahia.

Tuna Espinheira me enviou, já nas portas do nascente 2012, uma mensagem em que coloca a questão de seu projeto Mestre Anísio Teixeira - Educação pela Democracia ter sido barrado no baile dos eleitos em edital da FUNCEB. Sem entrar no mérito, considerando não ter lido o projeto, creio que Tuna Espinheira tem background suficiente como documentarista, pois veterano de mais de três décadas na estrada do documentário, com mais de duas dezenas deles, sendo que muitos premiados nacionalmente. Transcrevo o que me pede:

 Velho Setarovisky,
                                   Desisti de urdir um texto sobre a guilhotina que decepou meu projeto, ‘MESTRE ANÍSIO TEIXEIRA – EDUCAÇÃO PELA DEMOCRACIA’.
Mesmo bradando no deserto, em companhia de gafanhotos e outros viventes do imenso mar de areia, o criador do batismo, perdeu a cabeça, sem metáfora. )optei pois, pelo santo sossego, de muito bom alvitre, para alguém, como eu, na condição de jurássico (boa romaria faz quem em sua casa fica em paz). Mas não de todo mudo. Uma vez que fizemos o pedido de revisão, há mais de um mês, e foi entregue, protocolado... até o dia de hoje, sem qualquer resposta, notícia, ou coisa aparentada, em estado de plena deriva... Ao Deus dará...
Peço um abre alas, no seu vetusto/indômito/Blog, para os nossos pareceres sobre os pareceres da dupla que orientou a lâmina da guilhotina para ceifar o nosso projeto. Apenas por uma questão de registro com alcance público. Não posso me furtar de também registrar: em mais de quarenta anos, ligado na qualidade de opção preferencial, a arte cinematográfica como montador, roteirista e diretor, jamais ouvi os nomes destes, ao meu ver, clandestinos, ”luminares”, travestidos pela SECULT em “juízes”... Vade retro... Triste cinema baiano...
Forte abraço e muito Axé, às portas do ano de 2012,
Tuna


Valor Cultural
Apos analise do parecer...
·        Para a Relatora Marlu Chaves, o projeto é de alto valor Cultural, acima da média.
Como nada é um ritual, o Relator Danilo Scaldaferri, diz: “Sem duvida o tema é importante, Anísio Teixeira é personagem relevante, o projeto não contempla os outros constituintes desse critério. O pré-roteiro apresentado não permite que se entenda como será abordada a vida do educador”
o      Pois bem, num documentário o pré-roteiro não é definitivo, ele caminha juntamente com a produção. Muitas vezes tem sua estrutura completamente modificada em função dos personagens e as pesquisas que muitas vezes nos levam a mudar de rota até sua finalização. A matéria prima desse tipo de documentário é a pesquisa.
o      Sobre o entendimento de como será abordagem, como está escrito no projeto de apresentação ao FUNCEB, através de entrevistas realizadas com pessoas que o conheceram, familiares, estudiosos, biógrafos e diversos materiais de arquivo. Lembramos que vamos, também, pesquisar material inédito por onde o Mestre Anísio passou, Nova York, Londres e Paris, além de Rio de janeiro, Brasília, Salvador e Caetité.

Viabilidade técnica

·        Relatora Marlu Chaves: “O orçamento precisa se visto por outros olhos e com mais critério, apesar de ser um longa, considero o valor alto.”
o      Por outros olhos... A relatora foi honesta e deixa claro o pouco conhecimento na analise de orçamento de longa metragem, sugerindo um critério para tal. Quem sabe um perito. Cada obra tem peculiaridades e singularidades e a nossa proposta não é diferente.
o      Estranhamos o fato desse relato, considerar o orçamento alto, após a confissão de que é necessário ver com outros olhos e com mais critério.  E indicar uma nota “muito baixo”
·        Relator Danilo Scaldaferri : “Para uma proposta de longa metragem, o prazo previsto para execução me parece pequeno. O orçamento é superior a todos os outros projetos.”
o      A duvida sobre o tempo de execução do projeto de 140 dias...  Serão 16 semanas ou quatro meses.  Tempo calculado com razoabilidade para este projeto contando com a totalidade dos recursos financeiros solicitado.
o      Quanto ao orçamento superior a todos os outros projetos... Bem, calcados nas necessidades, peculiaridades e singularidades, alem dos itens do orçamento descritos no projeto apresentado a este FUNCEB acreditamos ser coerente. Pois todos os profissionais receberão um valor  próximo do mínimo estipulado na tabela do STIC – Sindicato dos trabalhadores na Industria cinematográfica e do audiovisual. Por outro lado os serviços de terceiros como laboratórios, Licença Dollby, copias, Passagens aéreas, hospedagem, alimentação, transporte, etc. São valores orçados no mercado e de livre conhecimento todos.
o      Nosso projeto apresenta um orçamento muito inferior ao estipulado para longa metragem de baixo orçamento do Ministério da cultura.
Qualificação do Produtor e equipe principal
Relatora Marlu Chaves: “não apresenta currículos da equipe técnica.”
o       O parecer remete uma nota muito baixa, porem  no Edital não é requerido currículos do equipe técnica, apenas da empresa produtora e do diretor.
o       Então o quesito Qualificação do Produtor e equipe principal foi julgado com equivoco.
Relator Danilo Scaldaferri: “Na equipe principal há nomes importantes da história do audiovisual baiano, no entanto,  tanto o documentário anexado ao projeto, quanto o filme mais recente de Tuna Espinheira, Cascalho, têm mérito artístico questionáveis.”
o       O referido relator reconhece na equipe técnica um importante profissional na historia do audiovisual baiano. Lembramos que este profissional, Tuna Espinheira, é o roteirista e diretor da obra cinematográfica proposta. Isto é: a espinha dorsal do projeto.
o       Por outro lado a vasta experiência de Tuna nos garante a perspectiva de uma obra de valor cinematográfico a altura do tema proposto.
o       Com relação aos filmes incluindo a obra Cascalho, que não está em analise,  teve o mérito artístico questionado. Vale lembrar, também, que o mais importante critico baiano, André Setaro, pensa exatamente o contrário  do Filme Cascalho,  que foi selecionado para o Festival de Brasília em 2004 e foi vencedor do Festival Nacional do Cinema de Macapá-AP em 2005.
Aspectos sociais do projeto
Relatora Marlu Chaves:  Muito embora a relatora não faça nenhum comentário, a nota medio.
Relator Danilo Scaldaferri:  sem nenhum comentário, a nota baixo.


Custo beneficio
Relatora Marlu Chaves: “Valor considerado alto se considerado a estratégia de divulgação”
o       Ao considerarmos a rede de educadores, apenas no estado da Bahia, público altamente qualificado de altíssima retenção de mensagem, com envolvimento emocional do tema e que reconhece a obra do MESTRE ANISIO TEIXEIRA como de valor importante para o desenvolvimento humano, temos um grande numero de expectadores interessados na difusão da cultura baiana e nacional no Brasil e no mundo.

Relator Danilo Scaldaferri:  “(597.600,00) Para um longa, o orçamento não é muito alto, no entanto está alem da média de custos para uma produção documental
o       O valor solicitado ao FUNCEB de maneira nenhuma .... cada obra tem orçamento próprio.
o       O nosso esta atendendo com rigor as suas necessidades de produção, respeitando os valores de mercado de cada item, inclusive de profissionais.
o       Quanto ao “estrapola o teto previsto”, desconhecemos este teto para obras cinematográficas, e nem há nenhuma indicação no Edital a esse respeito.
o       No nosso orçamento não há, nem o menor indícios, de superfaturamento.  Como já anteriormente dissemos, está de acordo com os valores praticados no mercado.
o       O pré-roteiro traça as linhas gerais desse filme documentário, é um rascunho que  é aperfeiçoado na caminhada juntamente com a produção. Muitas vezes tem sua estrutura completamente modificada em função dos personagens e das pesquisas, que muitas vezes nos levam a mudar de rota até sua finalização, como foi dito. A matéria prima desse tipo de documentário é a pesquisa. Alem disso o Argumento, descrição, objetivos e a justificativa complementam as informações e norteiam o que será o Filme Mestre Anísio Teixeira – ou a educação pela democracia.
o       O parecer do relator Danilo Scadalferri, tergiversa o sentido da Relação Custo Benefício, justificando com itens não solicitados no Edital, como TETO PREVISTO de valor para contemplação  e de um suposto valor para produção cinematográfica documental. Inferindo a nota muito baixo.
Aderência aos objetivos do FCBA
Relatora Marlu Chaves: “tem projetos de aderência maior”
o       O parecer é vago da Relatora. Não explica e nem justifica a nota muito baixo.
Relator Danilo Scaldaferri:  
o       Sobre inovação no usa da linguagem... Trata-se de um projeto de imagem em movimento, um filme, ainda em construção sem condições de avaliação desse ponto de vista. Onde a linguagem só será revelado depois de pronto.
o       Parceria... Bem, o filme trata da vida e obra de um dos maiores pensadores da educação no Brasil. Tema de interesse direto nas esferas do desenvolvimento da educação em todos os níveis. Por isso um grande numero de pesquisadores, historiadores, professores etc, representam universidades diversas na Bahia, rio de janeiro, Brasília e no exterior.
o       Efeito multiplicadores...  esses dizeres parecem um especial de linchamento desprovido de uma real critica com argumentos, ou a condenação desse projeto amplamente apoiado pela fundação Anísio Teixeira ANEXO. Lavrado pela sua presidente e lavrado em cartório.
                                                                                                                                    

                Como estratégia para baixar os custos, vamos filmar em locações e utilizar uma equipe reduzida, sem comprometer a execução com qualidade. Os profissionais são pouco conhecidos no mercado mas com experiência comprovada. Os figurantes serão selecionados em parcerias formadas nas cidades onde haverá filmagem.  Esse processo se dará no Work shop realizado na cidade.

23 dezembro 2011

"Cascalho", de Tuna Espinheira

Trailer de Cascalho, de Tuna Espinheira, filme da Bahia, genuinamente baiano, e não filme na Bahia, uma adaptação do livro homônimo de Herberto Salles publicado nos anos 30 e reeditado ano passado quando do lançamento do DVD de Cascalho pela editora da Assembléia Legislativa do Estado. Todo filmado na bela paisagem de Andaraí (Lavras Diamantinas), Cascalho é a estréia de Tuna no longa metragem após ter feito, durante décadas, mais de vinte curtas.

21 dezembro 2011

As inconstâncias do cinema baiano

O grande cineasta baiano Roberto Pires

Apesar de já ser considerada uma centenária cinematografia, a rigor, no entanto, ouso dizer que não existe um cinema baiano, mas filmes baianos, porque, para a existência de um cinema baiano, por exemplo, haveria de se ter uma produção sistemática e continuada. A questão é polêmica e não o objetivo desse artigo, porém.
Admitindo-se a hipótese de que o cinema baiano está a fazer 101 anos, o que se pode dizer é que a trajetória dessa cinematografia que se quer, às vezes até a fórceps, baiana, é um itinerário de frustrações e marcada por fases e por períodos de completa inatividade no plano da criação cinematográfica.
O ponto de partida se dá com Regatas da Bahia, em 1910, e, a partir de então, Diomedes Gramacho, José Dias da Costa, Luxardo, entre outros, fazem filmes documentários que se caracterizam pelo registro de vistas, acontecimentos sociais, inaugurações disso e daquilo, chegando-se, mesmo, na segunda década do século passado, ao estabelecimento de laboratórios que objetivam a feitura de fitas. Mas Gramacho, o principal documentarista do período, entra em crise depressiva por causa de um incêndio e joga, em estado de desespero, todo o seu material na Baía de Todos os Santos.
As pesquisas até agora são infrutíferas em relação aos filmes porventura produzidos na Bahia antes da década de 1930. Considera-se como o grande pioneiro do cinema baiano o documentarista Alexandre Robatto, Filho, cujos registros, quase na sua totalidade, são recuperados pela Fundação Cultural do Estado da Bahia. Robatto é, praticamente, o único nome que vigora no panorama cinematográfico soteropolitano em duas décadas: as de 30 e de 40. A sua obra consiste basicamente de documentários que registram as exposições de pecuária, eventos históricos, amenidades sociais etc, a exemplo de A volta de Ruy (1949), A guerra das boiadas(1946), A chegada de Marta Rocha (1955), Quatro séculos em desfile (1949), entre muitos outros, como filmes em 8mm que documentam os carnavais baianos nos clubes sociais nos anos 40, com sabor pitoresco e um resgate memorialista. Seu filme mais bem acabado, esteticamente, é Entre o mar e o tendal (1953), quando se pode observar um cuidado na construção de uma estrutura narrativa mais dinâmica.
Os anos 50 registram o advento do Clube de Cinema da Bahia, idealizado pelo advogado Walter da Silveira, que congrega, no espírito de uma velha província, os intelectuais e os universitários de sua época. O mercado exibidor somente oferece o cinema hollywoodiano, e Walter da Silveira apresenta a estética eisensteiniana, o expressionismo alemão, o neorrealismo italiano, o realismo poético francês, a avant-garde dos anos 20, a escola documentarista inglesa de John Grierson, Paul Rotha etc. Alguns dos assíduos frequentadores do Clube se entusiasmam e, assombrados, decidem fazer cinema, a exemplo de Glauber Rocha, que, no dia da morte de Walter da Silveira (novembro de 1970), escreve artigo no já extinto Jornal da Bahia para lamentar a perda do amigo e ressaltar que foi ele quem o fez descobrir o cinema como expressão de uma arte.
Alguns curtas são feitos nesta década: Um dia na rampa (1955), de Luis Paulino dos Santos, O pátio e Cruz da praça, ambos de Glauber Rocha, e Roberto Pires prepara, desde 1956, Redenção, o primeiro longa baiano, que somente pôde lançar três anos depois, em 1959, porque realizado com poucos recursos e com filmagens aos fins de semana. Redenção é um acontecimento histórico, e desperta, em outros, a vontade de estabelecer, na Bahia, uma infra-estrutura cinematográfica para se ter uma produção sistemática e continuada. Surge, então, o produtor Rex Schindler que, com outros produtores associados (David Singer, Braga Netto…), banca a estréia de Glauber Rocha no filme de longa duração, Barravento (1959), para, a seguir, produzirA grande feira (1961) e Tocaia no asfalto (1962), ambos dirigidos por Roberto Pires. Neste momento, princípio da década de 60, é que se dá início ao chamado Ciclo Baiano de Cinema, a mais importante fase do cinema feito nestas plagas soteropolitanas, que inclui muitos outros filmes, entre os quais, O caipora (1963), de Oscar Santana, Sol sobre a lama (1964), de Palma Netto e Alex Viany, O grito da terra(1964), de Olney São Paulo entre outros. Todos os filmes citados são bancados por produtores baianos e podem ser consideradas obras genuinamente baianas.
O surto underground, que se estabelece a partir de 1968, com influências marcantes do carro-chefe O bandido da luz vermelha, vem determinar uma espécie de ruptura com as propostas temáticas do Ciclo Baiano de Cinema, quer do ponto de vista sintático (da linguagem), quer do ponto de vista semântico. Entre os filmes dessesurto, destacam-se Meteorango Kid, o herói intergalático (1969), de André Luiz de Oliveira, Caveira my friend (1969), de Álvaro Guimarães, A construção da morte (1968), de Orlando Senna, Voo interrompido (média metragem) e O anjo negro (1972), ambos de José Umberto, Akpalô (1970), de José Frazão.
A rigor, o cinema baiano (se assim pode ser chamado) entre os anos 80 e os anos 2000 (com seu último longa Abrigo nuclear (1980), de Roberto Pires – alguns acham que é O mágico e o delegado (1983), de Fernando Cony Campos, – praticamente vive de curtas metragens até que, com o advento dos editais governamentais, dá-se início à feitura de longas, dando, ao alvorecer do novo milênio, muitas perspectivas de se por, na praxis, o ato criador pela imagens em movimento. O filme adventista, inaugural, da nova fase, a que se denomina Novíssima Onda Baiana, é 3 Histórias da Bahia, que reúne três curtas: Agora é cinzas, de Sérgio Machado, Diário de um convento, de Edyala Igresias, e O pai do rock, de José Araripe Jr.
3 Histórias da Bahia é fruto de uma decisão a posteriori, porque constituído de três curtas independentes eleitos em concurso patrocinado por edital governamental. A idéia de selecionar um trio de filmes de pequena duração, para a transformaçãomágica em um longa, proporciona a ausência de um denominador comum no discurso cinematográfico, como é praxe em filmes de episódios. O que há, na verdade, é uma inorgânica estrutura que se compõe de concepções estéticas e linguagens bem diversas entre si. Enquanto o filme de Sérgio Machado toma como ponto central a agonia de um Rei Momo provecto, o de Edyala Iglesias tenta penetrar num diário conventual, e dispõe o tempo cinematográfico numa linguagem zip. Já O pai do rock é uma reverberação que se pensa humorística da transformação de músicos em áulicos do axé-music.
Considerando que o cinema é uma estrutura audiovisual, com um elo sintático (a linguagem) e um elo semântico (a produção de sentidos), um olhar sobre os filmes baianos que começam a aparecer a partir dos anos 2000 constata, neles, defeitos estruturais como se não houvesse uma preocupação com a estrutura narrativa, com a simbiose expressiva entre os dois elos fundamentais para a urgência criadora. Por outro lado, há uma quase obsessão por assuntos enraizados, por assim dizer, como o candomblé, os retratos da gente humilde, o pitoresco, a exploração do décor. Claro que tais assuntos são importantes, mas precisam de uma nova abordagem e o que se percebe é uma repetição do clichê na hora de contemplá-los. É sempre o mesmo discurso cinematográfico que se repete quase ad infinitum. E uma outra muleta que cai como luva para quem quer fazer cinema e se dizer cineasta: o documentário musical.
Assim, logo após a estréia de 3 Histórias da BahiaSamba Riachão (2001), de Jorge Alfredo, documentário centrado na figura do sambista Riachão, apesar dos prêmios conquistados (chega a ganhar, ex-aequo com Lavoura arcaica, de Luis Fernando Carvalho, o principal prêmio do Festival de Brasília), o filme, ainda que envolvente pela presença do retratado, tem a pretensão de “contar a história do samba”, quando deveria se restringir a ser um registro apenas sobre Riachão.
O problema dos filmes baianos produzidos nesta década está na estrutura, na inexpressiva simbiose dos elos sintáticos e semânticos o que sinaliza para um problema de linguagem. O cinema pernambucano, neste particular, é mais desenvolto, a exemplo dos filmes de Cláudio Assis (Amarelo manga, O baixio das bestas), de Lírio Ferreira (O baile perfumado, Árido movie...), entre outros. Os cineastas de Pernambuco sabem explorar os seus aspectos culturais mais pungentes com uma linguagem bem de acordo com a expressão de suas idéias. O baixio das bestas, seco,despojado de figuras retóricas, é exemplar nesse sentido. Já o cinema baiano puxa mais pelo folclore (no mau sentido da palavra).
Costa-Gavras disse, no seminário de cinema de 2005, quando esteve presente em Salvador, que o cinema nunca pode deixar de ser um espetáculo, tem que, obrigatoriamente, envolver o espectador, sob pena deste abdicar do que está a ver. No itinerário longametragista baiano, os filmes se preocupam mais com o tema nobre, com uma preocupação de realismo social no qual, muitas vezes, o que se vê são propostas anacrônicas. Esses moços (2006), de José Araripe Jr, sobre ser um filme sem pretensão, assemelha-se a uma obra do neorrealismo italiano sem o poder de envolvimento desta corrente cinematográfica. A busca do realizador é pelo registro da realidade dos bairros periféricos, envolvendo duas adolescentes e um velho, párias da vida à procura de uma redenção. De qualquer maneira, há uma coerência temática, porque um tema centrado nas coisas simples da vida, e uma tentativa de fazer, delas, a emergência de uma poética que nunca é encontrada (ver os curtas Mister Abrakadraba, Rádio Gogô, O pai do rock, este último pertencente a 3 Histórias da Bahia).
Eu me lembro (2005), de Edgard Navarro, célebre por suas diatribes superoitistas (O rei do cagaço, Lin e Katazan, Exposed…) e, principalmente, por O Superoutro (1989), tem diminuído o seu volume de iconoclastia para uma incursão nos arcanos de sua memória cujo resultado é uma espécie assim de Amarcord soteropolitano, ainda que desenvolvido com o humor característico do autor, mas, definitivamente, sem a virulência dos filmes anteriores e com desequilíbrio estrutural a partir do meio de sua narrativa. Navarro sabe usar o humor no olhar que estabelece sobre os comportamentos humanos, revelando-os em suas ambiguidades, nas situações bizarras observadas, não desprovidas, no entanto, em Eu me lembro, de humanismo. Há um olhar de piedade sobre a condição humana, quando em estado de desgraça.
Realizado em 2004, mas somente exibido em 2008, Cascalho, de Tuna Espinheira, baseado no romance homônimo de Herberto Salles, é uma prova das dificuldades que enfrenta o dito cinema baiano. Com o filme pronto, mas sem o Dolby Stereo, o realizador amarga quatro anos de espera até que consegue um recurso extra para dotar o seu filme da aplicação sonora sem a qual não poderia ter exibição no mercado exibidor. A questão maior reside justamente no tripé produção-distribuição-exibição. O filme baiano, premiado em editais, consegue, a duras penas, ser realizado, mas nunca é distribuído no circuito nacional e, quando o é, fica restrito a pequenas salas e nunca é visto.
O jardim das folhas sagradas, de Pola Ribeiro, fecha um ciclo, o ciclo de uma geração que começa a fazer cinema com o boom superoitista. Se o Ciclo Baiano de Cinema tem uma preocupação com o drama social do homem brasileiro, o cinema que se faz na Bahia nos anos 2000, e que se está a considerar um ciclo, tem características muito diversas, pois suas temáticas são díspares, inexistindo, como naquele, um enfoque social como objetivo precípuo na abordagem temática. Mas se pode considerar o que se chama Novíssima Onda como um terceiro ciclo, na verdade, pois há o surto underground, entre 1968 e 1972, cujo denominador comum, um cinema de angústia individual, de crise de seus autores diante de uma falta de perspectivas, determina uma abordagem não apenas temática, mas também estilística, a exemplo dos citados Meteorango Kid, Caveira my Friend, A construção da morte, de Orlando Senna, que se completa, mas os negativos são destruídos, Akpalô, de José Frazão e Deolingo Checcucci, O anjo negro, de José Umberto. 
O jardim das folhas sagradas, bem intencionado (embora o inferno está cheio de boas intenções) sofre de hipertrofia temática e didatismo, com tom professoral e um tanto politicamente correto. Cascalho é uma tentativa de trazer para o cinema o romance regionalista de Herberto Salles, com tropeços narrativos. Pau Brasil dá continuidade à filmografia de Fernando Beléns (mas fica uma pergunta atrás da orelha: se realizado por Cláudio Assis, não seria mais louvado e mais estimado?). 
Pau Brasil (2008), de Fernando Beléns, trata a realidade miserável de duas famílias habitantes de um lugarejo pobre, que se enfrentam e moram uma em frente da outra. As valências ocultas de cada personagem emergem no desenrolar da narrativa até um pathos surrealista, uma explosão de delírio. O cinema belensiano é um cinema quase anêmico como construção narrativa, mas a secura de sua linguagem funciona dentro dos parâmetros do olhar grotesco e bizarro que caracteriza a sua filmografia desde os anos iniciais do Super 8. 
O cinema baiano atual, portanto, é um cinema que se preocupa mais com o oportunismo temático (inclusive para ganhar nos editais, que funcionam como uma espécie de autocensura) do que com um cinema de imagens, a considerar a separação estabelecida por Marcel Martin entre um cinema de imagens e um cinema figurativo. À exceção de Edgard Navarro, um realizador que se impõe por um estilo já plasmado, os cineastas baianos se limitam à figuração de suas idéias, subtraindo-se diante da realidade, fazendo surgir de sua representação direta e objetiva a significação que querem obter. Para eles, a elaboração da imagem tem menos importância do que sua função natural de figuração do real. Estas, por sua vez, necessitam de uma boa execução para se tornarem convincentes e cinematográficas.
Publicado originariamente no CineCachoeira, o artigo, porém, sofreu revisão e atualização para esta publicação no blog. Cliquem na imagem!

18 dezembro 2011

Esperando o terceiro ciclo baiano


O jornalista e cineasta Raul Moreira faz, aqui, uma revisão do cinema baiano, considerando que O jardim das folhas sagradas, de Pola Ribeiro, encerra um ciclo, um tempo. O texto é da lavra raulmoreiriana. O espaço do Setaro's Blog sempre foi pluralista e democrático, nunca um lugar para os tradicionais apupos tão comuns no chamado cinema baiano. Quem estiver em desacordo, pode me mandar o texto que publico, mas um texto com argumentos, com substância, que não se restrinja a xingamentos e ressentimentos. O domingo, portanto, é de revisão.

Por Raul Moreira

Chama à atenção, justamente quando muitos acreditam no maturar de um novo ciclo de cinema na Bahia, a forma através da qual os que supostamente o fazem comportam-se diante do fato. Falo isso porque, na semana passada, a providência me fez acompanhar, através da rede, uma discussão em torno dos critérios para se afirmar se um determinado filme é “baiano” ou, tão somente, “rodado na terra da felicidade”. A lebre, no caso, foi levantada porque há planos para se realizar no próximo verão uma mostra retratando o cinema made in Bahia produzido nos últimos 10 anos.

Cá, digo-lhes que tenho mais prazer em falar da ausência de autocrítica entre os artífices do dito “novo cinema baiano” do que propriamente tentar entender se se trata de Chico ou de Francisco. Sim, porque, infelizmente, talvez por vício, incapacidade ou, quem sabe, pela penúria que foi “chegar lá”, nossos realizadores mostram-se superficiais ao avaliar os desdobramentos de uma aventura empreendida por eles mesmos.

Em outras palavras: quis o destino que a tal da maturação não corroborasse para um engrandecimento mínimo da mentalidade e da forma de pensar do estabelechiment do cinema baiano. E, partindo-se de tal pressuposto, é impossível não por em cheque a representatividade e a força do segundo ciclo.
Segundo ciclo que, se formos datá-lo, começa no início do século 21, com o longa 3 histórias da Bahia, mas que, na verdade, teve a sua base na geração super 8, três décadas antes. Para efeito de registro, boa parte dessa mesma turma que hoje sente o gosto de realizar filmes com mais de 50 minutos em formato 35 mm, galgou os degraus das bitolas, algo notável, até porque, naqueles tempos, mediante todas as dificuldades do retrocesso, o aventurar-se no audiovisual era tarefa árdua e para poucos obstinados.

Eram, então, jovens pretensos cineastas em busca de expressão, numa terra que começava a se transformar, perdendo o encanto e a força registrados nos anos 50, 60 e parte dos 70, período no qual, por conta de algumas ações pontuais implantadas por bem-intencionados homens de cultura locais e alguns estrangeiros que cá aportaram, dela brotou algo de novo e salutar: a fusão de uma nova engrenagem cultural – pelo menos para os parâmetros da Bahia na época – com um encorpado mofo secular resultou em um processo sui generis, uma mistura que só poderia dar certo, claro, a partir do encontro de certa tradição com a modernidade.

Mas foram-se os tempos de Anísio Teixeira, de Edgard Santos, de Walter da Silveira, de Martim Gonçalves, de Lina Bo Bardi, de Roberto Pires, de Pierre Verger, de Jorge Amado, de Walter Smetak, dos grandes artistas plásticos e tapeceiros, muitos dos quais estrangeiros abaianados, dos “malucos” baianos da Tropicália, de Glauber Rocha, de Raul Seixas, enfim, de uma gente pulsante que aflorou na hora certa e no lugar certo, deixando um legado que no final tornou-se uma maldição, principalmente quando nos deparamos com o desastre da atual cena cultural.

Vieram, então, os anos perdidos, que começaram com o lento processo de distensão da ditadura e alcançaram o final da década de 80, período no qual deu-se a primeira eleição direta para presidente após um longo período de obscurantismo. Paralelamente, Salvador ganhava novos contornos com a implantação do Polo Petroquímico de Camaçari e com a ampliação e modernização de sua estrutura urbana, transformações que deram-se acompanhadas de um grande inchaço populacional, algo que, por tabela, conferiu um caráter ainda mais miserável à capital baiana.

INSTRUMENTO - Para completar, a falência do governo de centro-esquerda no final da década de 80 acabou dando substratos para a afirmação de um poder de centro-direita organizado e truculento, batizado de “carlismo”. Coincidentemente, na época surgiu um movimento que rapidamente ganhou corpo e alastrou-se pelas suas entranhas. O instrumento era a música, claro, talvez o bem mais precioso de uma terra dominada pela cultura do ritmo. No entanto, a onda que deveria corroborar com certa independência na relação entre dominados e dominadores fez água. O que se viu foi o proliferar de uma indústria musical estética e ideologicamente dúbia, tornando ainda mais frágil a condição de subserviência dos oprimidos e fortalecendo a emergente oligarquia, pois ela soube tirar proveito da situação e acabou incorporando para si o suposto êxito do movimento: estava instaurada o “império pélvico” na Bahia, combatido, cinematograficamente, com SuperOutro, de Edgard Navarro, média que na época nos deu a esperança de que nem tudo estava perdido.

Veio, então, a transição dos anos 90, repleto de um desejo de retomada por parte da gente que aspirava fazer “cinema grande”, o que só foi possível, independentemente das utopias, graças a um certo know-how que os pretensos cineastas adquiriram quando da atuação na área publicitária, experiência que minimamente formou técnicos, roteiristas e diretores.

Por tabela, por conta da estabilização da moeda e do ressurgimento do cinema brasileiro através de ações do Estado, que começou a bancá-lo em toda a sua cadeia produtiva, através dos editais e das leis de renúncia fiscal, timidamente, os nossos baianos da Sétima Arte resolveram se aventurar na empreitada de fazer filmes, mesmo.

E, aos trancos e barrancos, surgiu na virada do século 21 o “carnavalesco” 3 histórias da Bahia, conturbada produção financiada pelo dinheiro público que constituía-se da junção de três curtas unidos em torno de uma temática aparentemente comum. No entanto, uma percepção mais sóbria do que viria só se deu a partir de Cascalho, de Tuna Espinheira, de Esses Moços, de José Araripe Jr., de Eu me lembro, de Edgard Navarro, e de Pau Brasil, de Fernando Belens, lançados respectivamente num espaço intervalado de seis anos, entre 2004 e 2010
Daí, sim, emoldurou-se a amálgama e as diretrizes encampadas por um grupo de cineastas que finalmente conseguiu concretizar seus longas. Curioso, para não falar em sintomático, é que os tais refugiram-se na memória e em territórios distantes de seus cotidianos, como se negassem a realidade mais objetiva, ou pelo menos, quem sabe, não se sentiam capacitados para enfrentá-la, para desnudá-la.

Vale salientar que, se não fosse o êxito de Navarro com o seu Eu me lembro no Festival de Brasília em 2005, levando uma série de Candangos, entre eles o de Melhor Filme, o que mascarou a sua inépcia, o novo cinema baiano passaria batido, pelo menos enquanto força motriz. E, ao distanciaram-se do contemporâneo, nas suas misérias e belezas, tais cineastas, no final, acabaram perdendo o bonde, escapando pela tangente, ao contrário do que fizeram e fazem, por exemplo, os pernambucanos e a novos autores mineiros e paulistas, capazes de tocar na ferida de forma muita mais profunda, sem medos e não seguindo certos academicismos demodê adotados pelos colegas baianos.
AVESSO - Infelizmente, a tendência continua, como se configurou recentemente através de O homem que não dormia, do mesmo Edgard Navarro, autor que, mais uma vez refugiou-se em seus castelos imaginários e produziu uma obra vigorosa, mas desprovida de sentido de urgência, perdendo-se em alegorismos. Contracorrente, Pola Ribeiro deu-se à realidade com o seu Jardim das Folhas Sagradas, mas, infelizmente o fez de forma panfletária, maniqueísta ao avesso, didática, sem distanciamento, defeitos que no final acabaram por comprometer a força de um filme que amarrou sua âncora justamente na temática do “ser ou não ser”, do livre arbítrio.

Ainda que muitos abram a boca para dizer que o segundo ciclo baiano vem gerando bons documentários, por conta de alguns prêmios em festivais importantes nos últimos anos, é impossível não deixar de reconhecer os pecados estruturais de obras como Samba Riachão, de Jorge Alfredo, e Filhos de João - O admirável mundo novo baiano, de Henrique Dantas. Aproveitaram-se, no Festival de Brasília e por onde passaram da simpatia e da força dos objetos retratados na sua relação quase simbiótica para com o público, algo que, por tabela, acabou influenciando a crítica. Sim, documentários do gênero começam a se transformar em fórmulas prontas, ainda que, a julgar pela frieza em torno da recepção a Escutando Tom Zé, do mesmo Jorge Alfredo, nem sempre funciona.

Como não funcionou a fixação que alguns cineastas baianos do segundo ciclo em alimentar-se de elementos mistificados e mitificantes do sertão, notadamente o messianismo e o cangaço. Ao entrar em tal seara, por exemplo, José Walter Lima afundou com o seu Conselheiro, o taumaturgo dos sertões, filme que já nasceu condenado por problemas de produção e, nem mesmo o enxerto de soluções “modernizantes”, conseguiu dar-lhe um sentido. O mesmo caminho parece seguir o cineasta José Umberto, com Revoada, uma imersão no mundo do cangaço que vem penando mais do que os anti-heróis de couro na busca da salvação.

O diabo é que os filmes os quais deram-se a explorar a tragédia da contemporaneidade em Salvador acabaram pecando por falta de consistência, coincidentemente ambos de autoria de jovens realizadores do segundo ciclo. O primeiro, Trampolim do Forte, de João Rodrigo, é um filme de “plástico”, sem a profundidade psicóloga necessária que o tema exigia; por sua vez, Estranhos, de Paulo Alcântara, é um exercício malsucedido em praticamente todos os seus fundamentos, um caso que merece um estudo aprofundado.

Repetindo: não houve no segundo ciclo um filme que realmente marcasse, que nos fizesse exultar. Houve, sim, o lançar de confetes a partir dos prêmios conquistados em Brasília pelos baianos, triunfos que se deram mais por conta da reação nem sempre racional de plateias infantilizadas e as quais certamente influenciaram o júri do que propriamente pela força de uma cinematografia. E isso nos faz pensar que a importância de tais realizadores será medida, apenas, pela tenacidade a partir da qual conseguiram parir suas obras, em cenários muitas vezes hostis, adversos, dificuldades que vão desde os processos de produção à distribuição.

Não que o primeiro ciclo, que tem em Roberto Pires o seu grande artífice tenha sido referência de excelência, não. Isso porque, quando Glauber Rocha deslanchou com o Cinema Novo, a partir de Barravento e de Deus e o Diabo na Terra do Sol, ficou ainda mais evidente a fragilidade dos autores do primeiro ciclo baiano, verdadeiros heróis por começar do zero através de processos muitas vezes artesanais, mas, infelizmente, desprovidos de substancialidade, de uma uma linguagem que fugisse dos ditames acadêmicos.

Certo que os ditos realizadores do segundo ciclo não devem baixar a cabeça, até porque, verdade seja dita, fizeram o possível, dentro de suas limitações, alcançando, muitas vezes, resultados surpreendentes. No entanto, não podem, como não devem, viver da fantasia do autoengano de que alcançaram algo de grande, pois, assim, não haverá margem para o crescimento das novas gerações, as quais, merecem, sempre, viver em ambientes instigantes e onde o umbigo não represente mais do que a verdadeira expressão.

Nova geração ou terceiro ciclo que terá a responsabilidade de se diferenciar do primeiro e segundo ciclos baianos, pois, em tese, ao contrário de seus antecessores, certamente vão encontrar – e estão encontrado – diante de si caminhos menos atribulados, por conta das facilidades tecnológicas, de uma engrenagem azeitada, pois, queiram ou não, o cinema brasileiro ampliou-se e abriu novos horizontes.

Mas para tanto, a nova geração não pode se perder nas armadilhas da vaidade e muito menos na mediocridade da província, afundada na pasteurização de seu próprio imaginário, o que a tornou burra, feia, desprovida de expressão. Sim, a missão do terceiro ciclo será aquele de abrir caminhos em uma terra arrasada, em um trabalho que anuncia-se árduo, difícil e, por isso mesmo, carregado com a atmosfera justa que norteia os grandes desafios.