Atualmente, nos dias que correm, quando preciso ir aos cinemas (como acontece no momento quando os dois filmes de Clint Eastwood, imperdíveis, entram em cartaz), evito as horas da algazarra, restrigindo-me às primeiras e últimas sessões. Se, por acaso, for a uma sessão no sábado de tarde, por exemplo, corro o risco de ter elevada a minha tensão arterial, e, quem sabe?, ter até um troço por lá. O público mudou muito, acompanhando a decadência cultural, bem de acordo, aliás, com o lixo que está a ver, com o momento presente. Lembro-me das finas e majestosas bombonières de tempos idos, com os drops, os chocolates, as guloseimas enfileiradas, a maneira de tragá-los em silêncio, a se comer como um passarinho. Já ver um semelhante masclar chiclete em minha frente, porque sou neurastênico, me incomoda, tenho que sair de sua companhia, fico nervoso. Vamos aos fatos, no entanto!
O que se observa atualmente dentro das salas de exibição cinematográfica é um, por assim dizer, ato de selvageria, que determina os gestos predatórios, os comportamentos esdrúxulos e incompatíveis com o homem civilizado. O filme pouco importa para aqueles que o assistem nos complexos Multiplex ou Aeroclube (estou me referindo ao mercado de Salvador), constituindo-se num mero pretexto - ou, mesmo, conseqüência - do ato de ir ao shopping ou, se quiser, shoppear. Vai-se aos centros de compras da cidade para passear, consumir, praticar o lazer, após a destruição das praças e dos jardins e do comércio tradicional que se fazia nas ruas e avenidas de um centro deteriorado pela inércia, falta de vontade política, descaso pela memória. O ir ao cinema, então, se transformou numa das etapas desse processo de shoppear. Após a perambulação pelo shopping, o desfile costumeiro, o encontro com amigos, surge o cinema como uma espécie de saideira do passeio. A maioria do público, adolescente, que faz parte dessa chamada muito propriamente geração fim-de-mundo, não se programa para ver determinado filme com antecedência. Os multiplexados consumidores do lixo cultural ficam atraídos pelos cartazes, inclinando-se pela fita que, por acaso, sugira ação e aventura, sexo e violência e tenha, no seu elenco, um ator ou atriz da moda.
Após a tomada do circuito exibidor pelas multinacionais estrangeiras, com a entrada em cena da UCI, Cinemark, etc, que conseguiram fechar os cinemas de rua, restando, apenas, pequenos oásis fora desse esquema - a Sala de Arte do Bahiano e a Walter da Silveira, pode-se observar desde 1998 - data da inauguração do Multiplex - uma mudança nos hábitos, nas maneiras, no comportamento diante do espetáculo cinematográfico. Estimulados pelo modelo americano, os jovens associam o cinema à pipoca e as empresas procuram dar-lhes a consciência de que é preciso comer para ver. Assim, a comilança tornou-se uma regra, com as companhias estabelecendo em suas salas de espera verdadeiros centros de fast food. O comer para ver virou um reflexo condicionado a ponto de os jovens não admitirem assistir a um filme sem a complementação das bacias de pipocas e refrigerantes gigantescos, além de hambúrgueres variados. E, para pasmo geral, como não bastasse tal festim de colesterol, vendem-se, agora, dentro das salas, os estimulantes guloseimosos que tanto desesperam os cinéfilos que gostam, em paz e sossego, de ver um filme. Acrescente-se a isso, as conversas laterais, o atendimento solícito de celulares em plena audiência fílmica, os risos fora de hora, que geram a total ausência de integração entre a emissão da obra cinematográfica e a sua recepção. Para o amante do bom cinema, ir aos complexos de salas, quer seja no Iguatemi, quer seja no Aeroclube, tornou-se um inferno. Registra-se, com isso, dois fenômenos: o da incivilidade e o da falta de educação. Mas o interessante a observar é que no passado havia um certo respeito, um comportamento diferente mesmo nos chamados cinemas populares, os poeiras. Se, atualmente, nota-se uma apatia e desinteresse diante do filme, o que se observava antes era uma interação, ainda que barulhenta, em salas de segunda, entre o público e o espetáculo cinematográfico. Gritava-se e batia-se nas cadeiras (de pau) quando a cavalaria chegava a tempo de salvar os personagens de um ataque de índios, torcia-se pelo herói, aplaudia-se um beijo romântico... Qual a causa dessa selvageria, dessa decadência, dessa brutalidade? Entre outros fatores, um poderoso: a influência devastadora da teledramaturgia que condicionou o receptor a uma passividade absoluta. Considerando que um filme tem uma duração limitada, todo e qualquer plano lhe é importante. O que não ocorre na televisão com as novelas, pois, aqui, o enchimento tradicional de lingüiça se faz no sentido de possibilitar a quem as assista uma desatenção já prevista. Assim, quem assiste a três capítulos de uma novela pode deixar de ver quatro ou cinco, e, quando retorna, encontra a história perfeitamente inteligível. A história é sempre repetida em vários ângulos a fim de dar ao receptor uma possibilidade de encontrá-la sempre compreensível. Resultado: a deformação provocada pela teledramaturgia televisiva - no modo de recebê-la, no modo de assisti-la, pois existem ótimas novelas, diga-se logo de passagem - fez com que a nova geração pratique a mesma atitude descompromissada quando diante de uma obra cinematográfica. Pensa-se numa choldra de débeis mentais, numa escumalha de aloprados imberbes, alucinados diante da tela luminosa da sala de projeção. Uma patuléia desvairada que se agita no escuro à procura de um modo de ser mais peculiar às tribos ágrafas. Ir aos complexos, hoje, principalmente nas sessões vespertinas de fim de semana, é um convite ao desespero, salvo se a pessoa também faz parte dessa patuléia, dessa choldra, dessa escumalha.