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21 março 2009

10 anos de Canal Brasil

É um canal que sempre vejo, o Canal Brasil (Net/Sky, 66), que completa,
neste 2009, dez anos de existência. Neste período, funcionou como uma
verdadeira cinemateca de filmes brasileiros: as antigas chanchadas puderam
ser revistas, algumas obras de Vera Cruz, o Cinema Novo, o Marginal (ou
underground), assim como as pornochanchadas e o chamado cinema da retomada.
E mostrou certas fitas que nunca foram lançadas comercialmente e que tiveram
sua primeira chance neste canal. Que patrocina a realização de curtas e
seleciona outros para a sua grade programativa. Além de seus programas
especiais, a exemplo do de Domingos Oliveira (que quando terminou Todas as
mulheres do mundo, mudou para Todas os homens do mundo, com sua esposa como
apresentadora, Priscila Rozenbaum e, agora, vai lançar Swing), Lázaro Ramos
(Espelho), Paulo César Pereio (Sem frescura - Pereio, ícone do cinema
brasileiro, em seu programa precisa deixar que os convidados possam falar
porque ele parece querer falar o tempo todo, o que, além de deixar mal o
convidado, torna o programa inaudível), Estúdio 66 (de Roberto Silveira,
excelente instrumentista), Tudo é verdade (comandado pelo crítico Amir
Labaki, que alia a sua competência habitual à seleção de excelentes
documentários), Retalhão (o problema deste é a risada escandalosa de Zé
Britto dada a todo momento e sem qualquer justificação - que irrita), Tirando do baú (cuidadosa investigação sobre importantes filmes brasileiros comandada por Jorge Furtado com excelentes análises do crítico Carlos Alberto de Mattos), o excelente Cinejornal dos sábados apresentado pela simpatia e correção da bela Simone Zuccolato) entre
outros.

Se o Canal Brasil deve ser parabenizado pelos seus dez anos de existência,
por outro lado a crítica construtiva também se faz necessária. O fato é que
o referido canal, na ânsia de se fazer mais popular, fez cair muito a sua
qualidade. Os clipes musicais (alguns insuportáveis) dominam o horário
vespertino, assim também como a maratona (o título é adequado) de curtas metragens. Claro que os
curtas devem ser exibidos, mas não numa maratona. A estratégia programativa
visa justamente atrair um público mais ligeiro, mais videoclipado, e o filme
de pequena duração é, segundo os programadores, mais adequados. Resultado:
os de longa metragem são programados em horários inconvenientes, a
exemplo da recente retrospectiva em homenagem a Rogério Sganzerla e a
anunciada mostra de Joaquim Pedro de Andrade (importante realizador
brasileiro, autor, entre outros, de Macunaíma - que vai passar em cópia
restaurada e luminosa, e o excelente, mas pouco visto, Guerra conjugal,
baseado em contos do genial Dalton Trevissan). Apesar de já conhecer os
filmes de Sganzerla, gostaria de tê-los revistos, mas o horário fica mais a
cargo de Morfeu.

Os retratos brasileiros estão mais raros. E seriam mais interessantes do que
estes convencionais clipes musicais. Espero que a queda não se acentue,
porque ainda espero poder comemorar os 15 anos do Canal Brasil. Mas, a
julgar pelos que estão a programar, está ficando cada vez mais difícil.

P.S: O Canal Brasil está a apresentar toda semana um episódio da série televisiva O vigilante rodoviário, que vi, ainda menino, em inícios dos anos 60. Nesta época, os seriados americanos dominavam a programação (Kid Carlson, Alfred Hitchcock apresenta... Danger Man, Jet Jackson, O menino do circo, I love Lucy, O fugitivo, O prisioneiro [com Patrick MacGoohan], Jornada nas estrelas, The man from U.N.C.L.E [com Robert Vaughan e David MacCallum], Maverick, O homem de Virgínia, Run for your life, [com Ben Gazarra], A feiticeira, entre tantas outros) e, à primeira vista, seria difícil que um seriado made in Brazil pudesse fazer sucesso. Mas O vigilante rodoviário surpreendeu a gregos e troianos, constituindo-se num êxito surpreendente. No dia em que passava um episódio do vigilante, todos acorriam para vê-lo na televisão ainda preto e branca, luz apagada nas salas, o foco de luz do vídeo a dominar o ambiente. Lembro-me que, aqui na Bahia, Carlos Miranda, o ator que interpreta o vigilante esteve em Salvador para fazer uma apresentação no Ginásio Antonio Balbino - junto ao estádio da Fonte Nova. A confusão para se ter acesso ao espetáculo, imensa. Mas que se limitou a uma apresentação simples, com Carlos Miranda a fazer evoluções, com um bambolê na mão, em torno do famoso cachorro Lobo.

O fato é que O vigilante rodoviário, apesar de sua ingenuidade, é um seriado precioso. Estou a rever todos os episódios, que remetem a minha meninice. Há um apuro artesanal surpreendente na direção de Ary Fernandes. A produção é do visionário Alfredo Palácios.

15 março 2009

Necessidade de Bergman

Ingmar Bergman, quando, em 1982, realizou Fanny e Alexander (Fanny och Alexander) tinha em mente ser este o seu último filme, pretendendo, após o seu término, aposentar-se ou, no máximo, escrever alguns roteiros ou dirigir peças no proscênio de Estocolmo. Apesar de ainda forte e com disposição, com 64 anos, não cumpriu o prometido, ainda que um filme que lhe é posterior, Depois do ensaio, tenha sido exibido nos cinemas do mundo inteiro, mas, na verdade, foi feito apenas para a televisão. Mas, há poucos anos, já velho, dirigiu um outro filme. O fato é que o que seria o derradeiro opus bergmaniano, a considerar Fanny och Alexander, é uma obra-prima, uma síntese perfeita de sua obra, uma película deslumbrante, valendo, aqui, a adjetivação. Visto no Art 2, em 1984, Fanny e Alexander desapareceu das salas exibidoras e foi se esconder numa fita magnética distribuída pela Breno Rossi, que é um verdadeiro atentado à integridade da obra bergmaniana, pois pessimamente telecinada. Mas, agora, com o DVD distribuído pela Europa (distribuidora não muito confiável, pois matou Menina de ouro com a abominável tela cheia, mas que, aqui, respeita Bergman e sua luz pontecostal), os admiradores de Bergman têm a oportunidade de, vinte e sete anos depois, rever o filme na sua inteireza original em cópia luminosa. A fotografia é de um artista: Sven Nykvist. Um fecho de ouro para um dos maiores cineastas-pensadores do século passado.

Originariamente feito como minissérie para a televisão sueca, Fanny e Alexander, devido ao grande êxito, despertou em Bergman a vontade de montar uma versão para cinema e, com isso, declarou que este seria a sua despedida do cinema. Na telinha, o filme tem mais de cinco horas, dividido em episódios. Olhando aqui a capa do DVD, vejo que o disco tem 175 minutos, quase, portanto, três horas. A montagem foi feita pelo próprio Bergman tendo em vista uma continuidade dramática eficaz e a preocupação de tapar os buracos por causa da duração televisiva. Nada a comparar com o estilhaçamento feito por Guel Arraes em Auto da Compadecida, que, na versão para o cinema, não deixou espaço, nos cortes, para o espectador contemplar, pois rápidos, movidos por uma compulsão de videoclip, no embalo da estética da tesourinha.

É impressionante a reconstituição da época – a ação se passa em 1907, como também a perfeição dos intérpretes, todos afinados, todos perfeitos, todos dotados daquele necessário – e sem o qual o filme não funcionaria – poder da verdade. Bergman se utiliza do enquadramento como fonte de reflexão, não se importando com o corte em movimento. O que importa é, por assim dizer, uma substancialização do que está sendo dito e do que está sendo mostrado e nunca uma adjetivação da obra como sintaxe, ainda que esta exista nas transições. A grande casa aonde se festeja o Natal, sequência primorosa e que leva uma hora, como fizera Visconti com a seqüência do baile em O leopardo, faz lembrar, talvez pela acentuação da cor vermelha, Gritos e sussurros.

Esta desvinculação do discurso cinematográfico no qual a sintaxe adquire um status mais nobre – Persona, A hora do lobo, etc – em função de uma narrativa dentro de uma linha dramática mais convencional – o que não quer dizer nada nem diminui o mérito dessa obra de arte – revela o Bergman da maturidade, do ocaso, da despedida, fazendo de Fanny e Alexander o seu canto de cisne. Cineasta que encantou o século XX, introduzindo, inclusive, em Morangos silvestres, o monólogo interior, Bergman é um mestre supremo cuja falta nestes bicudos tempos e nesta fajuta contemporaneidade é imensa. Falta, no cinema, um homem de seu gênio, atualmente, para pensar o homem contemporâneo.