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18 janeiro 2008

Kleber Mendonça Filho lança o longa "Crítico"



Conheço, de internet, o crítico Kleber Mendonça Filho, desde o alvorecer deste Terceiro Milênio. Se não me engano, o seu site, de rara competência, Cinemascópio, foi um dos primeiros (se não o primeiro) que vim a conhecer no espaço virtual. Há algum tempo, no entanto, não mais consigo acessá-lo. O endereço eletrônico, como está aí, faz com que se acesse, agora, a página inicial da UOL. Crítico consagrado, realizou alguns curtas memoráveis, das melhores coisas no terreno curtametragista brasileiro. Lança, neste momento, o seu primeiro longa, que, por ironia, chama-se Crítico. O que está escrito abaixo é do material que enviou à imprensa.
"O filme Crítico , primeiro longa metragem de Kleber Mendonça Filho (Vinil Verde, Eletrodoméstica, Noite de Sexta Manhã de Sábado), estreará na Mostra de Cinema de Tiradentes, no dia 22 de janeiro de 2008. Neste documentário de 75 minutos, cerca de 70 críticos e cineastas, entrevistados no Brasil e no exterior, discutem o cinema a partir do conflito que existe entre o artista e o observador, o criador e o crítico. O filme foi produzido com incentivo do Funcultura do Governo de Pernambuco, com apoio da Faculdade Maurício de Nassau. O filme é uma produção do CinemaScópio, em co-produção com a Link Digital. A exibição de Crítico em Tiradentes irá acontecer no dia 22 de janeiro de 2008, às 22h, no Cine-Tenda. O filme faz parte da grade temática "Aurora" que reúne primeiros longas e visa ampliar a discussão e visibilidade em torno de filmes independentes, evidenciar o trabalho de novos realizadores e refletir sobre as características das novidades no cinema brasileiro contemporâneo. Os 6 filmes da Mostra Aurora serão avaliados por dois júris - o júri da critica e o júri jovem – que escolherão o melhor filme do segmento e a melhor categoria livre. Tiradentes esse ano propõe a abordagem conceitual "Juventude em Trânsito".
O evento oferece exibição de mais de 120 filmes brasileiros, oficinas, seminários e debates para um público estimado em mais de 35 mil pessoas. No dia seguinte à exibição, dia 23 de janeiro, às 11h, no Cine-Teatro, um bate-papo entre o público e os realizadores do filme será mediado pelo critico Daniel Caetano e cineasta Francisco César Filho.
Crítico é o primeira experiência em longa-metragem do cineasta Kleber Mendonça Filho, chegando em 2008 depois de dois anos de montagem e um trabalho de pesquisa, entrevistas e reunião de dados que teve início em 1998. Seus curtas metragens Enjaulado (1997), A Menina do Algodão (2003), Vinil Verde (2004), Eletrodoméstica (2005) e Noite de Sexta Manhã de Sábado (2006) ganharam mais de 70 prêmios nacionais e internacionais, com passagens por festivais como Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte, Roterdã (Holanda), Clermont-Ferrand (França), Hamburgo (Alemanha), Cork (Irlanda), Upsala (Suécia), Huesca (Espanha) e a Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes.
Como crítico profissional de cinema (ele escreve para o Jornal do Commercio, no Recife e tem seu próprio site, o www.cinemascopio.com.br), a realização desse documentário foi guiada pelos questionamentos pessoais de quem se posiciona na indústria cultural tanto como cineasta, como também observador da arte e da indústria do áudio-visual. Entre 1998 e 2007, Kleber Mendonça Filho registrou depoimentos no Brasil, Estados Unidos e Europa, a partir da sua experiência como crítico. No filme, há depoimentos reveladores de criadores como Walter Salles, Nelson Pereira dos Santos, Costa Gavras, Tom Tykwer, Gus Van Sant, Eduardo Coutinho, Curtis Hanson, Fernando Meirelles, Carlos Reichenbach, João Moreira Salles, Cláudio Assis, Richard Linklater e Carlos Saura, para citar alguns. Críticos do mundo inteiro também foram registrados, representando meios como Les Cahiers du Cinéma, Telérama e Positif (França), O Globo, Folha de S. Paulo (Brasil), e Variety (EUA). É um filme sobre cinema, e também sobre os que o fazem.
Em termos técnicos, Crítico é fruto de um novo tipo de tecnologia que viabilizou uma obra realizada com câmeras portáteis digitais e uma montagem executada em computadores pessoais pelo próprio realizador, e pela montadora Emilie Lesclaux. A montagem final inclui imagens do acervo pessoal do realizador, como de arquivos internacionais de filmes que encontram-se em domínio público, disponíveis via internet. Esse material compõe o todo, estabelecendo um diálogo entre a palavra e as imagens do próprio cinema.
Ficha Técnica: Mini-DV - imagens de arquivo – fotos still 35 mmCor e P&B, Dolby Digital, 76', 1:1.852008Filme: Kleber Mendonça Filho Produção, Roteiro e Montagem : Emilie Lesclaux, Kleber Mendonça Filho Produção de finalização: Carol Ferreira, Emilie Lesclaux, Kleber Mendonça FilhoPesquisa : Emilie LesclauxEntrevistas e imagens adicionais (Paris) : Leonardo Sette, Francisco Fagan Música original : DJ Dolores Letreiros : Daniel BandeiraAnimação : Daniel Bandeira, Emilie Lesclaux, Kleber Mendonça FilhoArte do cartaz : Kilian GlasnerFinalização : Link DigitalMixagem: Estúdio Carranca
Sinopse: 70 críticos e cineastas discutem o cinema a partir do sempre interessante conflito que existe entre o artista e o observador, o criador e o crítico. Entre 1998 e 2007, Kleber Mendonça Filho registrou depoimentos sobre esta relação no Brasil, Estados Unidos e Europa, a partir da sua experiência como crítico. Com depoimentos reveladores de criadores como Gus Van Sant, Tom Tykwer, Eduardo Coutinho, Curtis Hanson, Carlos Reichenbach, Walter Salles e Carlos Saura, Crítico abre uma janela para uma arte cada vez mais julgada por mecanismos de mercado, e que luta para permanecer humana tanto no fazer, como no observar.
Trailer disponível no You Tube http://www.youtube.com/watch?v=SDbgFqLyr4U
Dê um clique na imagem para ver melhor o cartaz.

17 janeiro 2008

Se meu apartamento falasse

Afinal achei o DVD de Se meu apartamento falasse (The apartment, 1960), de Billy Wilder, comédia magistral, uma das melhores, sem dúvida, de toda a história do cinema. Nunca a maestria desse realizador se estabeleceu de modo tão completa no estabelecimento dos elementos da fabulação em função do riso e, muito mais do que isso, de uma visão crítica e ácida da sociedade americana. E, além do mais, The apartment, é um filme que proporciona uma imenso prazer de se ver. Em cinemascope e preto e branco, estava ausente das televisões por assinatura ou a cabo, e que me lembre, vi-o há muito tempo numa sessão da tarde da Globo em cópia deformada pelo full screen e pela dublagem. Nos anos 90, a Breno Rossi, quando lançou excelente coleção em VHS, com clássicos do cinema, ofereceu a oportunidade de se rever esta obra-prima, mas ainda em full screen, e a cópia um tanto escura, mas com o som original. Meu primeiro contanto com The apartment foi nos anos 60, em seus meados, quando reprisado, pois no seu lançamento tinha cordiais 10 anos e o filme era proibido para menores. Mas nunca me esqueço, nesta idade, de ter passado várias vezes pela frente do cinema Guarany e ficar, atolemado, a olhar o cartaz anunciador de sua presença nesta sala. Já gostava do filme sem vê-lo, se isso é possível e, para mim, nesta idade, o fato de uma determinada pessoa do meu conhecimento, maior de idade, ter visto The apartment para mim era motivo de júbilo. Meu conceito em relação a essa pessoa subia sobremaneira. "Ele viu Se meu apartamento falasse!!!" É como se tivesse feito um ato de grande importância.
Jack Lemmon é um executivo típico de um escritório de seguros que vive em Nova York solitário em seu apartamento. A rotina lhe é cruel, mas, porque típico representante do american way of life, tem-na como favas contadas. A rotina é sua vida. Naquela época, circa anos 50, as estrepolias extra-conjugais eram muito mais difíceis do que atualmente e se precisava de muito cuidado, além do mais ir a hotéis poderia se constituir num fator suspeito. Para ascender na carreira, homem de carteira que é, Lemmon começa a emprestar o seu apartamento para funcionários mais graduados sempre com a promessa de uma recompensa funcional. Quando retorna a seu lar, encontra-o bagunçado e, cansado, ainda tem que arrumar tudo. Um belo dia, é chamado pelo presidente da empresa (Fred MacMurray), que lhe solicita o apartamento como ninho de amor para ele e sua amante.
No dia-a-dia de sua rotina, Lemmom vem a reparar na beleza e na graça da ascensorista (Shirley MacLaine) e se atreve, inclusive, a convidá-la a um teatro. Promovido, Lemmon recebe as chaves de uma sala especial, ele que trabalhava misturado a centenas de funcionários. Mas sua grande decepção acontece quando vem a saber que a sua amada é que é a amante do chefão. A partir daí, surgem as confusões e a comédia toma o fôlego suficiente para se fazer valer como um extraordinário repositório da maestria de Wilder em criar situações engraçadas e envolventes, embora não desprovidas de crítica ácida e humor incessante. Mas a influência de Em busca de um homem (Will success spoil Rock Hunter, 1957), extraordinária comédia de Frank Tashlin (talvez a sua obra-prima) é patente (vide o post recente sobre a angústia da influência).
A abertura de Se meu apartamento falasse mostra Nova York como um formigueiro e o plano geral do escritório é uma alusão a A turba (The crowd, 1928), o grande filme de King Vidor. A cenografia é de um mestre, principalmente no plano citado de abertura: Alexandre Trauner, que trabalhou com Wilder em muitos de seus filmes. A partitura (que fica nos ouvidos depois de terminada a sessão) é do maestro Adolph Deutsch. E a iluminação de outro imenso artista da luz: Joseph LaShelle.
É filme para se ter em casa.

16 janeiro 2008

Entre umas, outras



Com o site http://www.hitchcockwiki.com/hitchcock/wiki/1000_Frames_of_Hitchcock, creio que se pode dar aulas de cinema com o computador ligado e acessado nele. Uma vez, um professor de alta competência disse que a internet não passava de um "shopping center". Se o indivíduo passa todo o seu dia a navegar é tempo, realmente, perdido, porque a navegação precisa estar orientada em busca de determinada investigação ou propósito. Há pesquisadores que se enriquecem a navegar na web, e outras pessoas que se brutalizam cada vez mais com o tempo perdido diante do computador. Percebo que o Orkut virou mania entre a juventude, além do MSN, é claro. Conheço criaturas que passam o dia inteiro on line no MSN, o que penso se tratar já de uma doença, de uma compulsão. Mas não estou aqui para opinar sobre aqueles que usam a internet. Se querem ficar grudados no MSN que fiquem. A demência, quem a escolhe, é cada um de nós.
Sim, mas com o site http://www.hitchcockwiki.com/hitchcock/wiki/1000_Frames_of_Hitchcock se pode realmente dar aulas sobre cinema, a possibilitar, inclusive, a investigação da planificação e dos blocos seqüênciais nos quais se inseram as cenas (e, nestas, o plano, como unidade). O tom da fotografia, por exemplo. É a página da web que considero a mais completa pelo menos entre as que eu conheço. E não sou grande conhecedor do espaço virtual. Blogueiro mais por impertinência, e colunista cinematográfico pelas forças das circunstâncias. Estas determinam o percurso na trajetória existencial de cada pessoa. Fiz-me advogado, mas, logo, pensei em ser jornalista - na minha época queria trabalhar no "Jornal do Brasil". Depois, sem um propósito definito fui a entrar em outras searas. Como disse Sérgio Augusto, hoje, com a crise imensa do cinema contemporâneo e a decadência do jornalismo cultural, se jovem, ele, grande crítico de cultura, não trabalharia mais em jornal. Iria fazer outra coisa mais bela e útil. Também concordo. A programação cinematográfica era efervescente, o cinema estava, nos anos 60, sendo descoberto a cada filme de Bergman, a cada filme de Antonioni, a cada filme de Godard. Atualmente o cinema está sendo apenas reciclado, ou, no máximo, estilizado. Os grandes filmes já foram feitos, disse, uma vez, a comer uma azeitona, Peter Bogdanovich, que, por estar junto a Orson Welles, viu, neste, um balançar afirmativo de cabeça.
To Catch a Thief (1955), que se chamou nestas plagas, Ladrão de casaca, não é um dos monumentos ou uma das catedrais licença, Romero, por favor) de Hitch, mas o fato de ser um filme menor, como gosta de dizer Inácio Araújo, isso não significa que é menos importante na constelação desse gênio. Neste momento, que ilustro, final, Cary Grant abraça e beija a bela Grace Kelly. Hitch nunca se perdoou ter inventado viajar para filmar Ladrão de casaca no exterior, porque, com isso, perdeu sua grande atriz e sua grande fixação: Grace Kelly, que se apaixonou por um príncipe encantado como num conto de fadas. A foto foi extraída do site precioso que, aqui, neste post, chego a colocar seu link por duas vezes.

15 janeiro 2008

A angústia da influência

Todos nós somos influenciados pelo que lemos, pelo que vemos, enfim, pela cultura pretérita, como bem analisou o crítico americano Harold Bloom em A angústia da influência. Assim, sem que se possa tirar o mérito de grandes cineastas, há, por exemplo, influências marcantes de vários realizadores em Deus e o diabo na terra do sol, de Glauber Rocha, talvez a obra-prima definitiva do cinema brasileiro. Na exploração dos grandes espaços, lembra John Ford, a matança dos beatos, Eisenstein, o rodopio e a gestualística de Corisco, Kurosawa. E em Terra em transe os touchs de Orson Welles e de Jean-Luc Godard estão claros, assim como também bebeu Rogério Sganzerla nestes dois para realizar seu monumento que é O bandido da luz vermelha,

Mas quando se vê, por exemplo, A marca da maldade (Touch of evil, 1958), de Orson Welles, com Janet Leigh trancada naquele hotel isolada e acossada por gente de todo tipo, há um elo com Psicose (1960), de Hitchcock, que, sugere-se, deve tê-la visto na fita de Welles e teve a idéia de a convidar para Psycho, que, nem por isso, deixa de ser a obra-prima que é.

E se se vai verificar o uso funcional da cor vermelha em A tortura do medo (Peeping Tom, 1960), de Michael Powell, que, infelizmente vai sair em DVD por uma subsidiária da Continental que se caracteriza pelas cópias escuras e impiedosas na destruição das imagem de um filme, dá para pensar que Hitchcock também bebeu nas águas powellianas para fazer o vermelho ser acionado na atmosfera de Marnie (1964).

A imagem de Janet Leigh, após ser esfaqueada, a tomar sua ducha no chuveiro do hotel de Norman Bates, é um ícone do cinema do século XX. A primeira impressão que se teve de Psycho, ainda nos anos 60, foi de profundo impacto emocional e psicológico. Lembra-se, o autor deste blog, que, numa viagem ao Rio, época do lançamento de Psicose, as filas dobravam quarteirões. O filme foi, e ainda é, uma sensação. Obra para ser reverenciada. O autor deste blog considera um crime o que fez Gus Van Sant ao ter a ousadia de um remake dessa catedral (com a devida licença de Romero para uso do vocábulo). O resultado, de tão medíocre, determinou uma queda do cineasta no conceito do escrevinhador destas porcarias. Mesmo que tenha Van Sant feito, depois, uma obra como Elephant.

Seja um bom roteirista de tv!



Para quem quiser aprender a arte de escrever um roteiro televisivo, há um curso com duração estimada em quinze meses a nível de pós graduação na Faculdade Jorge Amado. A recomendação se faz aqui porque coordenado por uma especialista no assunto e pessoa de comprovada competência na área: Iara Sydenstricker. Para maiores informações, o site indicado é este (que oferece uma ampla divulgação de seus propósitos, objetivos, corpo docente, etc): http://pos.fja.edu.br/cursos/prg_cur_apr.cfm?cod=18&inf=aprb


Segundo Iara, "São poucos os cursos voltados para a formação de roteiristas capazes de criar e desenvolver programas de televisão, sejam eles ficcionais (teledramaturgia) ou não (grandes reportagens, documentários e programas de variedades, dentre outros). Considerando-se especialmente o crescimento do mercado audiovisual, este curso visa a formação de profissionais capazes de criar e desenvolver programas compatíveis com a realidade econômica e a infraestrutura existente nos mercados baiano e nordestino."


É preciso atentar que o curso centra-se nas perspectivas de criação oferecidas pela nova tecnologia digital, especialmente para a TV, cujo mercado tende a um amplo crescimento, incluindo geradoras de programação, TVs por satélite, canais a cabo e circuitos fechados de televisão. Junto à TV, crescem também os mercados de produção para outras mídias, como o cinema, a web e os mobiles.

13 janeiro 2008

A arte da narrativa e da fábula

A especificidade cinematográfica se dá através de seus elementos básicos: (1) a planificação; (2) os movimentos de câmera; (3) a angulação; a haver, ainda, um quarto elemento, a montagem, que também determina a sua especificidade. Existem, a rigor, os elementos determinantes (os citados) e os elementos componentes da linguagem fílmica. Estes, apesar de imprescindíveis, não lhe determinam o seu específico. Assim, o roteiro, ainda que fundamental para a estruturação da obra, é um texto escrito, não cinematográfico, uma pré-visualização do filme futuro; já a fotografia ajuda a compor e a melhor definir o estilo, algumas vezes com a função dramática especial (é o caso de Vittorio Storaro, iluminador de Bernardo Bertolucci, cuja fotografia assume, em películas como O céu que nos protege (The sheltering sky) e O último imperador, uma quase co-autoria); a cenografia, em raros exemplos (nas obras expressionistas e, em especial, O gabinete do Dr. Caligari), surge também como elemento componente, embora, nestes casos excepcionais, apresente-se como processo deflagrador da evolução temática; assim como a parte sonora, os ruídos, os diálogos, a partitura musical... Bela Balazs, teórico húngaro, atribui importância fundamental a três elementos da linguagem cinematográfica: o primeiro plano (close-up), a montagem, e a variedade de posições da câmera. O primeiro plano, além de ser, para ele, o fator que diferencia o cinema do teatro, cria um microcosmo desligado do espaço e da materialidade. O mundo da microfisionomia (rosto ampliado e isolado pelo close-up, como num microscópio) confunde-se mesmo com o "mundo da alma". É a dimensão de uma expressão humana isolada sobre a tela, e toda a referência ao espaço e ao tempo desaparece em vista de sua existência autônoma. Nossa consciência completa do espaço é abolida e nos encontramos em outra dimensão, a da fisionomia. O ponto de referência da Balazs é o filme O martírio de Joana D'Arc (1928), do dinamarquês Carl Theodor Dreyer.
Se a montagem fraciona a totalidade do tempo, o primeiro plano fraciona a totalidade do espaço. A montagem cria, assim, uma duração autônoma e torna-se responsável pela intensidade dramática do filme. É o senso de montagem que leva o realizador a introduzir o primeiro-plano, verdadeiro termômetro da sensibilidade do diretor. A montagem pode ainda sugerir associações de idéias. Por exemplo, no flash-back de uma pessoa a recobrar a memória, lembranças surgem e se desvanecem em segundos, numa sucessão vertiginosa de planos rápidos. Só a linguagem cinematográfica pode transmitir a correlação irracional dessas imagens mentais: a velocidade em que se sucedem reproduz a velocidade real do processo de associação de idéias. Por isso os surrealistas acham que o cinema se revela como o instrumento real para a conquista da supra-realidade: a câmera é capaz de fundir vida e sonho; presente e passado se unificam e deixam de ser contraditórios; as trucagens podem abolir as leis físicas...Para o espectador contemporâneo, habituado à espantosa complexidade narrativa dos filmes modernos, torna-se difícil supor que a linguagem cinematográfica tivesse de ser conquistada lentamente. A necessidade dos remakes pela indústria revela que o "caldo cultural" atual somente pode ser sintonizado com ele próprio. Por que refilmar, por exemplo, Psicose, de Hitchcock, se é um filme "novo" de 1960 e ainda hoje atual e impactante? Porque, além de ser preto-e-branco, a cultura de seus personagens, seus modos de agir, a gestualística, a maneira de ser e o tom - mais de sugestão e menos apelação - não satisfazem mais ao público que consome o cinema como mercadoria.
Voltando à linguagem, nos primeiros filmes de Lumière, o que se vê não passa de um registro de acontecimentos. Quando vários registros sobre o mesmo assunto se reúnem, o filme passa à categoria de descrição. Os primeiros cineastas desconhecem a montagem. Em 1900, na chamada Escola de Brighton (Inglaterra), segundo o historiador francês George Sadoul, parecem estar os rudimentos da montagem cinematográfica. Os realizadores da escola têm a idéia de articular os vários registros de uma regata. À uma imagem do público sobre uma ponte, faz-se surgir (ou seguir) uma imagem da competição. O resultado, que nos dias de hoje parece tão simplório, mas que tem uma importância assustadora, é o aparecimento da primeira frase cinematográfica: "As pessoas que estão na ponte olham os barcos que passam". Está aberto o caminho para a narração. Os elementos que possibilitam a narração especificamente cinematográfica, no despertar do século XX, estão na ação paralela - cortes alternados desencadeadores do conflito em movimento, da corrida contra o tempo (a mocinha amarrada aos trilhos do trem, corte para o mocinho que toma conhecimento, o trem que vem chegando cada vez mais perto...), quebra da distância fixa entre a câmera e o ator (a saída do teatro filmado, da imobilidade da câmera), a variação do ângulo visual (o espectador vê sempre aquilo que a câmera viu durante a filmagem).
A maior parte dos espectadores, no entanto, somente se preocupa com a história, a intriga, os personagens, as situações, a fábula, em suma, desconhecendo ser o cinema uma linguagem. Muitas vezes o significado vem através de um travelling ou de uma panorâmica (movimentos de câmera), de determinadas angulações, do sentido especial de determinado plano. Assim, necessário se faz distinguir a narrativa da fábula (esta aqui compreendida como a história, a trama, a intriga...). Porque o verdadeiro acontecimento narrado pelo filme não é o que se reporta ao comportamento dos protagonistas, mas o que se relaciona com o comportamento da própria linguagem cinematográfica. Existem, num filme, dois planos: um plano relativo à narrativa e um plano relativo à fábula. O primeiro refere-se ao como - ao conjunto das modalidades de língua e estilo que caracterizam o texto narrativo. À articulação feita pelo cineasta dos diversos elementos da linguagem fílmica. Como ele articula estes elementos é que determina o estilo de cada um. O segundo, o plano da fábula, refere-se à coisa da narração - à sua história.
Na análise de um determinado filme, o plano onde se torna necessário procurar a sua eventual poeticidade não é o da fábula, mas o da narrativa, ou do discurso cinematográfico.O lugar onde se individualiza a poética de um cineasta (ou a ausência desta, no caso de um artista medíocre) é na esfera da linguagem por ele utilizada sempre na condição de o ser o sentido polívoco e não banal. Polivalência semântica se constitui na conditio sine qua non da artisticidade, relativamente a qualquer sistema expressivo.A distinção entre narrativa e fábula pode parecer artificial quando se encontram obras em que os dois planos caminham paralelamente e em perfeita harmonia. É o que acontece nos filmes que seguem os cânones do naturalismo - nos quais a conotação tende para o grau zero e a coisa impõe uma espécie de ditadura sobre o como. Mas a distinção se legitima plenamente nos filmes em que os dois planos se dissociam para refutar-se, ou, pelo menos, controlar-se alternadamente. Pode acontecer que, no decorrer do filme, a mensagem expressa pela fábula seja contrariada pela mensagem expressa pela narrativa, ou seja, que esta última provoque sutilmente a erosão da primeira, a ponto de produzir um significado real oposto ou divergente do que se extrairia de uma leitura limitada exclusivamente aos valores da história.
Em A laranja mecânica (Stanley Kubrick, 1971), por exemplo, a ironia da narrativa encarrega-se de neutralizar a violência da fábula, principalmente na seqüência do assalto, pelo bando de Alex, à casa do escritor. Enquanto este é brutalmente espancado, o delinqüente canta a música de Cantando na chuva como uma espécie de diluição do ato predador e desumano, instituindo o paroxismo. Aliás, uma das causas da incompreensão do derradeiro filme de Kubrick, De olhos bem fechados é o desconhecimento, por parte da intelligentzia paroquial, dessa importante distinção. Os críticos não compreenderam a poeticidade da narrativa kubrickiana, atendo-se, única e exclusivamente, aos valores da fábula.
A verdadeira crueldade em Mouchette, a virgem possuída, de Robert Bresson, não reside tanto na matéria da história como no rigor formal que caracteriza o plano da narrativa. Assim também nos outros filmes desse excepcional realizador - como Pickpocket entre outros. Em Terra em transe, de Glauber Rocha, na "biografia de um aventureiro", há contrariedade evidente entre o que expressa a narrativa e a que expressa a fábula (vide Paulo Autran no Parque Lage andando sem rumo, rindo às gargalhadas, enquanto, em off, se ouve a narração da trajetória de sua vida).

Catalisador das emoções, formador de sensibilidade, fonte de descobrimento, o cinema é a manifestação mais rica do século XX.