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27 junho 2009

Da bela Sophia Loren

Na minha adolescência, entre as musas Brigitte Bardot e Marilyn Monroe, existiam várias atrizes encantadoras, divas, como gostava de chamá-las o escritor Octávio de Faria (Uma tragédia burguesa, livro importante e pouco citado da literatura brasileira). E uma delas era Sophia Loren, esplendorosa, magnífica, deslumbrante. Vim a verificar que em setembro próximo a bela Sophia completa 75 primaveras. Acompanhei passo a passo a carreira dela, excetuando-se os filmes da primeira metade dos anos 50, que os vi depois, a exemplo de Ouro de Nápoles (L'oro di Napoli, de Vittorio De Sica), A mulher do rio (La donne di fiume, de Mario Soldati), ambos de 1954, Pão, amor e fantasia (Pane, amore e...de Dino Risi, 1955), entre outras deliciosas comédias à la italiana.
Casada com o rico produtor Carlo Ponti, foi, por este, impulsionada para o estrelato internacional. De repente, estava atuando ao lado dos astros e estrelas de Hollywood: Anthony Quinn (Orquídea negra/The black orchid, 1958, de Martin Ritt, A jogadora infernal/Heller in pink tights, 1960, de George Cukor), Cary Grant e Frank Sinatra (Orgulho e paixão/The pride and the passion, 1957, de Stanley Kramer e, apenas com Grant, Tentação morena/Houseboat, 1958, de Melville Shavelson), William Holden (A chave/The key, 1958, de Carol Reed), Maurice Chevalier e John Gavin (Escândalo da princesa/A breath of scandal, 1960, de Michael Curtiz), Clark Gable (Aconteceu em Nápoles/It started in Naples, 1960, de Melville Shavelson), Tab Hunter (Mulher daquela espécie/That kind of woman, 1959, de Sidney Lumet), Peter Sellers (Com milhões e sem carinho/The millionairess, 1960, de Anthony Asquith - com quem faria depois Lady L), Charlton Heston (El Cid, 1962, de Anthony Mann), entre outros, como Charles Chaplin (A condessa de Hong Kong)
Em meados dos anos 60 em diante fez vários filmes italianos com seu amigo Vittorio DeSica (Matrimonio à italiana, Os girassóis da Rússia, estes ao lado de Marcello Mastroianni, A viagem, com Richard Burton, último filme do realizador de Ladrões de bicicleta), entre filmes de outros cineastas europeus, como Lina Wertemuller (Fatto di sangue fra due uomini per causa di una vedova - si sospettano moventi politici, 1978), este último inédito no Brasil.
Bem, não estou aqui para fazer um levantamento filmográfico de Sophia Loren. Vim fazer uma simples homenagem. Apenas. Clique na imagem para tê-la maior e mais bela.

25 junho 2009

Do Filme-Carroça e do Filme-Trem

François Truffaut divide os filmes em duas categorias: os filmes de personagens e os filmes de situações. E diz que a grande diferença entre os filmes europeus e os filmes de Hollywood (da boa Hollywood, digo eu, não esta do lixo cultural que aí está) é que os filmes realizados na Europa são, em primeiro lugar, filmes de personagens, ao passo que as produções americanas são filmes de situações.

Copio um trecho de seu livro Os filmes de minha vida, editado aqui no Brasil pela Nova Fronteira lá pelos idos dos 90: "Na França, respeitamos muito a verossimilhança, a psicologia, que os americanos apenas roçam, preferindo tratar a situação com vigor, sem desviar-se do ponto de partida. Como, afinal de contas, um filme não passa de uma fita de celulóide de dois mil metros desfilando diante de nossos olhos, é permitido compará-lo a um percurso. Diria então que o filme francês avança como uma carroça ao longo de um caminho tortuoso enquanto o filme americano rola como um trem sobre trilhos." Filme-carroça e filme-trem, portanto.

A julgar pela velocidade estúpida dos filmes contemporâneos, nos quais as tomadas são cada vez mais curtas, os filmes atuais são filmes-trem-bala. O cinema da indústria cultural está inassistível. Reinam, absolutos, os
filmes-lixo.

Os filmes contemporâneos se assemelham a games, não passam de jogos, de efeitos. Pessoalmente, não tenho mais paciência para o lixo que se está a oferecer no circuito comercial. É verdade, porém, que, de vez em quando e de quando em vez, aparecem alguns filmes bons e até excelentes, a exemplo de Gran Torino, de Clint Eastwood, Sangue negro, de Paul Thomas Anderson, Antes que o diabo saiba que você está morto, de Sidney Lumet (que faz hoje, dia 25 de junho, 85 anos de idade), etc.

Mas para suavizar a crise, uma imagem de um belo momento do cinema: Gigi (1958), de Vincente Minnelli, com a belíssima Leslie Caron (que, nos anos 90, apareceu num filme de Louis Malle, creio que Perdas e danos (Domage) e assustou seus fãs. O tempo sempre é implacável. Ela está simplesmente um monstro de feiura. Clique na imagem para vê-la na sua dimensão exata.

Comprei, há alguns anos, o DVD de Gigi, mas qual não foi minha surpresa ao constatar que se encontrava no abominável formato full screen (tela cheia), quando o original é em cinemascope. Irritado, não cheguei a vê-lo, tirei-o do aparelho e, com um martelo, dei-o ao lixo, não sem antes estilhaçá-lo em mil pedacinhos. A Coleção Folha anuncia o lançamento de Gigi, mas é preciso saber se o formato está em cinemascope, porque caso contrário não valeria a pena adquiri-lo, apesar da beleza desse canto de cisne do filmusical clássico americano.

A Coleção da Veja é muito boa, os filmes são excelentes, embora alguns descartáveis, mas tem um inconveniente: o envelope que guarda o disquinho é meio apertado e estraga o conteúdo, como bem me alertou o cinéfilo e publicitário Jonga Olivieri, que teve o seu Quanto mais quente melhor danificado.

E Gigi, afinal de contas, seria um filme-carroça ou um filme-trem?

24 junho 2009

"Todas as mulheres do mundo", de Domingos Oliveira


Elogio à beleza da mulher amada e ao amor, crônica da vida ociosa de Ipanema e Leblon no ápice de seu encantamento como paraíso da alegria de viver, Todas as mulheres do mundo (1967), de Domingos Oliveira, pode ser considerada como uma das melhores comédias do cinema nacional em todos os tempos. Realizada nos sisudos tempos do Cinema Novo, quando a discussão da problemática do drama do homem brasileiro surgia como preocupação principal dos cineastas, Domingos Oliveira, aqui em sua obra de estréia como realizador, nada contra a corrente e propõe o retrato de uma geração, na sua busca pelo amor, visto no filme como uma necessidade vital. A inspiração, veio-lhe de Leila Diniz (que poucos anos depois se tornaria uma figura emblemática da vida carioca), que fora sua mulher por um tempo, mas houve a separação, dolorosa para Domingos, porque ainda a amava. Segundo declarações do cineasta, Todas as mulheres do mundo é um filme feito com o propósito de reconquistá-la. Se o filme se tornou um êxito, o realizador, porém, não alcançou sucesso no seu objetivo precípuo.
O cinema de Domingos Oliveira é um cinema que reflete as relações afetivas e amorosas. O realizador sabe construir seus textos em função da explicitação dos mistérios do amor. Todas as mulheres do mundo, surpreendentemente em se tratando do primeiro filme de Oliveira, possui uma estrutura narrativa ágil e inteligente, diálogos ricos, engraçados e envolventes. Apesar de uma produção realizada com pouco orçamento, com as locações feitas em casas de amigos e no próprio apartamento do autor, além das externas em pontos do Rio de Janeiro, o filme se realiza dentro das restrições impostas pela produção. Há uma dinâmica rítmica que faz lembrar alguns filmes do inglês Richard Lester nessa fase. O filme revela que Domingos Oliveira estava a par das últimas novidades conquistadas pela linguagem cinematográfica naqueles anos efervescentes dos 60. Assim, materiais de diversas procedências se inserem no desenrolar da narrativa, como livros abertos, desenhos, e uma fala coloquial nova no cinema brasileiro da época.O cineasta, após o sucesso de Todas mulheres do mundo, fez vários outros filmes ainda na mesma década: Edu, coração de ouro (1968), As duas faces da moeda (1969), e, ainda, um documentário sobre um fenômeno da época: É Simonal. (filme pouco referido quando se comenta a filmografia desse realizador) A década de 70 lhe propiciou uma obra atípica: A culpa, entre outras. Depois de um lapso de tempo sem fazer cinema, voltou em 1998 com Amores, que se aplica a tratar do relacionamento amoroso entre os indivíduos, assim como outros que se lhe seguiram: Separações (2002), Feminices (2004), e Carreiras, e Juventude. Todos realizados com pouca verba e no sistema de cotas, compartilhadas pela equipe.
Em Todas as mulheres do mundo, dois amigos se encontram. Um, Flávio Migliaccio, é celibatário, não acredita no amor. O outro, Paulo José, pensa o contrário, e conta a sua história. O filme, portanto, desenrola-se em flash-back, a mostrar o encontro de Paulo com Leila Diniz, que vem a conhecer numa festa. O filme é o retrato apaixonado do relacionamento dos dois: o cotidiano deles, suas brigas e separações. Mas o seu amor por ela fez com que ele abandonasse ‘todas as mulheres do mundo.’ É a celebração de Leila Diniz, mulher bela, cativante e de esfuziante personalidade que veio a se tornar uma celebridade dos agitados anos 60. Envolvente, belo, Todas as mulheres do mundo é uma obra que, além de marcar uma época, retratando-a, é também, uma análise arguta e bem humorada dos sentimentos humanos.

21 junho 2009

"Teorema", de Pier Paolo Pasolini

Cartaz japonês (ou será que é chinês) de Teorema, de Pier Paolo Pasolini, que mostra a esplendorosa diva do cinema italiano Silvana Mangano. Este filme, quando lançado na segunda metade da década de 60, provou frisson, a despertar, aqui e ali, polêmicas. A família burguesa de um industrial (Massimo Girotti) recebe o comunicado da chegada de um anjo (Terence Stamp). Estabelecido este no seio familiar, tem início, então, a um processo de desintegração. O anjo tem relações carnais com todos os elementos da casa, inclusive com a empregada (Laura Betti). A estrutura narrativa obedece ao arquétipo do elemento deflagrador, quando um personagem desconhecido chega a determinado lugar e provoca transformações, a causar uma espécie de desintegração de certos preceitos estabelecidos. Vê-se isso, e para ficar em poucos exemplos, em filmes dos mais variados gêneros e dos mais diferentes autores. Em Os brutos também amam (Shane, 1953), de George Stevens, clássico do western, o pistoleiro interpretado por Alan Ladd surge, de repente, e sua presença vem como um justiciamento para uma terra sem lei. William Holden em Férias de amor (Picnic, 1956) também abala preconceitos arraigados com a sua chegada e a sua presença viril. Geralmente esses personagens chegam e vão embora a deixar, com suas presenças, uma marca para nunca mais ser esquecida. Vê-se também o elemento deflagrador, como mola propulsora do processo de esfacelamento, em filmes baianos, como é o caso de O anjo negro (1973), de José Umberto, quando um negro (Mário Gusmão), tal qual o anjo pasoliniano, chega não se sabe de onde e provoca uma aguda crise de identidade numa família colonial e barroca.
A família de Teorema é constituída de um pai, uma mãe (Silvana Mangano), e dois filhos: um homem e uma mulher, além da empregada. Após a carnal knowledge com o filho, este entra em conflito e começa a pintar quadros abstratos. A filha entra em estado de catatonia. A mãe sai, pelas ruas de Roma, à procura de amantes numa sede de sexo insaciável. O industrial, o chefe da família, doa a sua fábrica aos operários e corre nu, e desesperado, pelo deserto. A única que se salva, por assim dizer, é a empregada, que se retira da casa em direção a sua aldeia e entra em levitação, admirada como santa pelos habitantes do lugarejo.
Teorema foi realizado logo depois de O evangelho segundo São Matheus, que pode ser considerado um dos mais belos filmes sobre a vida de Cristo. A crítica ficou perplexa pela beleza de suas imagens e também pelo fato de Pasolini, marxista convicto, materialista, ter feito um filme de tanta religiosidade, dedicado, inclusive, ao Papa João XXIII, idealizador da reforma da Igreja com o Concílio do Vaticano dos anos 60.
A escrita pasoliana é muito original e dotada de uma grande sensibilidade na apreensão dos gestos insólitos do homem do povo, dos párias da vida.