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18 janeiro 2009

Cinema Baiano (13): Em memória de Ney Negrão

Há pessoas que trabalharam muito para a consolidação do cinema baiano, mas, porque desaparecidas, ficaram esquecidas. A nova geração, a rigor, não tem memória, e acredita que quem cultiva o passado é nostálgico, passadista e saudosista. Viver apenas para pensar no pretérito não teria cabimento, pois se deve usufruir do momento presente. Mas a memória é indispensável, conditio sine qua non da existência. Coitado daquele que não tem memória, disse Jorge Semprun, um dos roteiristas de Alain Resnais. Este imenso realizador francês (e chego a dizer: para mim, o cinema é Alain Resnais) tem como móvel de seu pensamento cinematográfico a necessidade do recuerdo, a urgência da memória e o processo desta na constituição do ser humano. Mas, com isso, me desvio do assunto principal do post, que é sobre pessoas que trabalharam com afinco pelo cinema baiano e estão completamente esquecidas, a exemplo de José Telles de Magalhães (que participou de quase todos os filmes feitos na Bahia, e, inclusive, foi co-autor do roteiro de Barravento, de Glauber Rocha), Carlos Alberto Vaz de Athayde, José Ribamar de Almeida, Sylvio Robatto, entre outros (alguns já dediquei posts neste seriado do cinema baiano, como Milton Gaúcho e Vito Diniz). Mas a memória de hoje é a memória de Ney Negrão.
Fala-se muito em cinema baiano, mas os realizadores do áudiovisual soteropolitano se encontram, de acordo com o esprit du temps, apenas mergulhados em seus egos e necessitados dos apupos. A nova geração se caracteriza pela recusa do passado - o que é um total equívoco, pois toda novidade incorpora elementos do pretérito - e muitos dos seus integrantes pensam que o cinema começou nos anos 80, com Blade Runner, o caçador de andróides, de Ridley Scott - um bom filme, por sinal, muito diferente dos matrixes que assolam a contemporaneidade a provocar metástase virulenta no processo de criação artística.

Mas isto é outra história. Voltando a Ney Negrão, devo lembrar que foi um entusiasmado cineclubista na época de Walter da Silveira e, findo o Ciclo Bahiano de Cinema, o cineasta que retomou a cinematografia destas plagas após um longo período desativada. O carroceiro, curta que realizou em 1965, é uma obra emblemática e hoje totalmente olvidada. Com a direção de fotografia de Carlos Alberto Vaz de Athayde - um batalhador incansável e outro esquecido, O carroceiro é um documentário que registra o itinerário de um homem que tem a profissão do título e que, no seu percurso diário, vai passando por várias situações.

Para aqueles que pensam que o cinema do Bahiano começou no ano 2000, vale lembrar que foi Ney Negrão quem o iniciou na primeira metade dos anos 80. Frequentador do Clube Bahiano de Tênis, onde ia todos os dias a las cinco de la tarde tomar o seu scotch, era amigo dos diretores, e foi sua a sugestão de projetar filmes no auditório que tinha sido recentemente inaugurado e estava sendo subutilizado para cerimônias de formatura, entregas de diplomas, aniversários com teatrinhos, entre outras bobagens. Ney conseguiu os projetores, dois que passavam filmes na bitola de 35mm, e ficou como o programador do Bahiano por alguns anos. Lembro-me que na época tinha uma coluna diária na Tribuna da Bahia e Ney me enviava, semanalmente, sem falta, a programação do auditório. Recordo-me de ter revisto lá, pela última vez na tela grande, ...E o vento levou, Melô, de Alain Resnais, entre muitos e muitos filmes. O lançamento de Jubiabá, de Nelson Pereira dos Santos, se não em engano em 1987 ou 1988, se deu na sala do Bahiano. Uma avant-première festiva com a presença do realizador e alguns atores, com uma verdadeira festa após a exibição, que somente terminou poucas horas antes do amanhecer, com muito scotch correndo solto, entre vinhos e cervejas.

Com a crise do Clube Bahiano de Tênis, que quase foi à falência, também o seu auditório, como seria de esperar, sofreu as consequências do débacle financeiro por gestão temerária. O aristocrático não tinha mais recursos para manter o cinema, para alugar os filmes, fazer a manutenção dos projetores e os custos referentes à contratação de empregados como porteiro e projecionista.

Desativado, mais de dez anos depois, André Trajano, acreditando no êxito de seu empreendimento, resolveu reformar o auditório do Bahiano, realizando, nele, reforma infra-estrututal, inclusive com a troca das cadeiras por poltronas confortáveis e a instalação de um bom sistema de ar condicionado. O sucesso foi imenso, como atesta, hoje, o Circuito Bahiano, que engloba, além da sala pioneira, o Cinema do Museu e o do Pelourinho. Uma grande loje de delicatessen, a Perini, comprou, há poucos anos, o grande espaço social do Clube Bahiano de Tênis. E, apesar de ter prometido construir duas salas de exibição, nada foi feito. A Sala de Arte do Bahiano era, contudo, a pièce de resistence de todo o circuito.

A memória de Ney Negrão continua viva. Na falta de um fato de O carroceiro, vai uma imagem de uma carroça.

2 comentários:

Jonga Olivieri disse...

Esta sua série tem revelado fatos e personalidades importantes do cinema baiano.
A memória --concordo com você-- é imprescindível a se compreender o presente. Quem não pensa assim nunca vai poder compreender a origem das coisas. Em todos os planos.
Mas é uma pena não ter conseguido uma imagem do filme.

Stela Borges de Almeida disse...

Tenho lido quase sempre a série domingueira sobre o cinema baiano, já quase em estilo à "caminho da missa" nos domingos.

Gostaria de fazer uma sugestão ao Professor Setaro. Se possível, vir a elaborar booket ou blog-livreto ou livreto-missais, como queira chamar, para os que querem acompanhar a temporalidade, ou dizendo melhor, para os mais chegados à historicidade desta memória. Dizer, também, que a foto ausente é de fundamental importância. Acho que se garimpar mais, consultar familiares, os baús guardados, é possível remontar essa peça documental.