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20 janeiro 2009

"A Troca": um cinema de alto nível

O Professor Jorge Coli, em sua coluna Ponto de Fuga, publicada sempre aos domingos no Mais! da Folha de S.Paulo, foi um dos poucos que souberam dimensionar a importância de A Troca (Changeling), de Clint Eastwood. Publicado no último domingo, 18 de janeiro, o texto, lúcido e coerente, mostra que Coli sabe ver cinema como poucos. Escrevi também um comentário sobre o filme na revista Terra Magazine em sua edição de hoje(http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI3459162-EI11347,00-Um+Clint+Eastwood+em+ponto+de+bala.html).
Clint Eastwood, quer queiram ou não os seus detratores, é, talvez, o único realizador que continua a tradição clássica do cinema americano em tudo que ele tem de melhor e impactante. Mas vejamos aqui as sábias palavras do Professor Coli:
"A história é clara, mas o pensamento tão complexo. Nada de conceito teórico, mas uma reflexão intrincada brotando, intuitiva, dentro do filme. A expressão perfeitamente controlada engendra uma força que não se refreia. "A Troca" retoma obsessões que se tecem a partir de tudo que Clint Eastwood filmou.Alguns críticos tentaram, sem sucesso, enquadrá-lo em um único gênero: film noir, melodrama, policial, filme social, filme político. Ele contém tudo isso para formar outra coisa: uma convicção ética que exclui o maniqueísmo.
Nos anos de 1970, Eastwood fazia vingadores se levantarem contra a ordem social, comandada por poderosos sempre corrompidos até o cerne. O vingador vingava, não para restabelecer uma ordem justa, mas para destruí-la naquilo que estava ao seu alcance. Encontrava refúgio em comunidades de "outsiders", em meio à gente desprezada, mas leal, sincera, verdadeira: basta ver "O Estranho Sem Nome" ou "Josey Wales - O Fora da Lei".
"A Troca" expõe, ela também, a luta individual capaz de enfrentar o complô dos interesses sujos e das mentiras infames. O sonho da comunidade permanece, embora mais tênue e transformado, não mais na antiga utopia comunitária, mas em certas afinidades, algumas éticas, outras mais difíceis de explicar.
A palavra afinidade é uma chave no cinema de Clint Eastwood: significa laços invisíveis, muito poderosos, e para além das convenções. Quem viu não se esquece da cena unindo dois mortos que se amaram e se odiaram, em "Meia-noite no Jardim do Bem e do Mal". Há esse estranho filme, "Dívida de Sangue", em que dois personagens se ligam por razões nada racionais. O assassino abjeto de "A Troca" descobre uma surpreendente sintonia com a heroína, Angelina Jolie.
Os desmandos policiais expostos em "A Troca" são terríveis. O momento no qual, verdadeiro filme dentro do filme, surgem expostas as cumplicidades entre polícia e psiquiatria para abaterem-se com crueldade abjeta sobre as mulheres, é digno do mais alto Foucault. Dirty Harry, personagem do tira durão, machista, matador, que Eastwood interpretou em vários filmes, o primeiro deles dirigido por Don Siegel, ficou bem longe.
"A Troca" mostra suspeitos sendo baleados como num fuzilamento por razões torvas. A cena, que lembra os abates nos campos de concentração nazistas, remete para realidades como os esquadrões da morte, o Bope, e discursos delirantes do atual governador de Mato Grosso do Sul, que manda a polícia esquecer os direitos humanos.
Em "A Troca", Eastwood acusa, mas avança, e ultrapassa a denúncia militante graças ao personagem do serial killer. Ele encarnaria o mal absoluto, se o diretor não lhe tivesse concedido dimensão humana.Uma cena de execução judicial por enforcamento, descritiva, detalhada, expõe a barbárie da pena de morte como mais um crime cruel e perverso. O prisioneiro, cantando "Noite Feliz", mostra-se, ele próprio, habitado por uma inconsciência infantil. É um formidável momento de cinema. "A Troca" faz pensar no Kieslowski de "Não Matarás", no Chabrol de "O Açougueiro" e, sobretudo, em "M, o Vampiro de Düsseldorf", de Fritz Lang.Como neste último, a justiça é incapaz de compreender e, sobretudo, de resolver a questão do mal. Luz "Sobre Meninos e Lobos", o filme mais pessimista de Eastwood, centra-se, como "A Troca", na violência sobre crianças. Agora, porém, a última palavra é esperança." (Jorge Coli)

4 comentários:

Saymon Nascimento disse...

Não sou um detrator de Eastwood, muito pelo contrário, mas esse me parece o pior filme dele. Para efeito de comparação com um filme bem parecido (da presença da maldade à máquina da justiça e do terror da violência), esse A Troca não resiste a cinco segundos de A Sangue FRio, de Richard Brooks. Há idéias, mas A Troca me parece encenado por telefone, com uma montagem frouxa e terrível direção de atores.

André Setaro disse...

Montagem frouxa? O que é isso? A direção de atores é maravilhosa, a dimensão humana dada ao assassino de crianças, coisa de gênio. Discordo em gênero, número, e grau de você, caro Saymon. Mas assim é que é bom.

Anônimo disse...

Setaro, sabia que ia gostar do filme, quando te enviei uma mensagem atentando para ele um dia depois de vê-lo na estréia. E aguarde para breve artigo meu a respeito dele no Filmes Polvo. Abraços e fico feliz de compartilharmos a paixão por este cineasta tão especial como Clint.

Anônimo disse...

Adoro ver Clint nadando nessa variação de gêneros, dentro de uma mesma obra. Se Clint escorregou feio nessa paulada sublime que se chama "A Troca" - comos muitos apregoaram- que exala cinema, imagino quando ele fizer algo bom.Clint é cineasta, e dos bons.