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27 março 2008

A imagem passada a limpo



A imagem ao lado, esmaecida pelo tempo, dá uma boa idéia das fotografias que ficavam nas salas exibidoras. Além das fotos em preto e branco, as coloridas pareciam que eram colorizadas. A imagem que ilustra o post é de Em busca de um homem (Will success spoil Rock Hunter?), extraordinária comédia de Frank Tashlin, que, sobre ser deliciosa, é, também, desmistificadora do espetáculo cinematográfico (como já disse neste mesmo blog há um mês). Tony Randall é um excelente comediante e, aqui, no filme citado, trabalha ao lado de Jayne Mansfield, que se notabilizava pelo busto imenso como os americanos gostam. Mas Tashlin consegue fazê-la engraçada e, de certa forma, mexe com o mito Mansfield. Outro filme dela com ele é Sabes o que quero (The girl can't to help it), com Tom Ewell, que na época era um ator sempre presente nas comédias estadunidenstes, a partir mesmo de sua presença em O pecado mora ao lado, de Billy Wilder, onde contracena com a exuberante Marilyn Monroe.

A sophisticaded comedy, que propiciou aos cinéfilos comédias saborosas, não existe mais. Basta ver a finesse, a inteligência dos diálogos, a mise-en-scène de Adorável pecadora (Let's make love, 1960), de George Cukor, com Yves Montand, Marilyn Monroe, Tony Randall. Havia uma elegância que se perdeu, havia um tom de comportamento dos personagens que também se esvaiu. Havia uma outra cultura, por assim dizer, uma outra gestualística que a bestial contemporaneidade (detesto este termo) pôs a rés-do-chão. Você vê, por exemplo, Confidências à meia-noite (Pillow talk, 1959), de Michael Gordon, e nota, logo, um nível de roteirização e de profissionalismo no estabelecimento do espetáculo, da graça, do encanto.

O fato é que o cinema americano - e o cinema comercial - dos anos 40, 50, principalmente, e 60, tinha um nível muitíssimo superior ao cinemão atual oriundo da indústria cultural hollywoodiana. Hollywood, como a que se conhecia, morreu, desapareceu, a dar lugar aos executivos da Mitsubichi, da Coca-Cola, entre outros, que controlam os estúdios e, como em linha de montagem, estabelecem as prioridades. Não existem mais aqueles produtores (Louis B. Mayer, Darryl Zannuck, David Selznick, Hal B. Wallis, Walter Wanger...) que entendiam muito de cinema, ainda que o interesse no mercado, a viabilidade comercial sempre presente. É indispensável a leitura, para se compreender o cinema hollywoodiano e o cinema de um modo mais geral, de O gênio do sistema, de Thomas Schatz (editado, acho, pela Companhia das Letras). Este livro de Schatz é um mergulho bem pesquisado e bem escrito no mundo do sistema hollywoodiano, que se baseiava no studio-system, no star-system e na divisão do cinema em gêneros.

Quando da morte de Ernest Lubitsch, William Wyler, no enterro, exclamou: "Nunca mais teremos Lubitsch", e Billy Wilder, ao seu lado, retrucou: "Nunca mais teremos os filmes de Lubitsch". Diria a mesma coisa em relação ao diretor de Se meu apartamento falasse (The apartment, 1960), que o coloco entre os 20 mais de toda a história do cinema. Não existe mais, no cinema contemporâneo, um realizador com a verve, a competência, a ironia, o engenho e arte de Billy Wilder ou de um Frank Tashlin

Há ainda sensibilidade e certa ingenuidade para se fazer, hoje, uma Gigi como Vincente Minnelli a fez em 1958?

Cartas para a redação.

2 comentários:

Anônimo disse...

Concordo com você quando diz que "não existe mais, no cinema contemporâneo, um realizador com a verve, a competência, a ironia, o engenho e arte de Billy Wilder ou de um Frank Tashlin".
"Se meu apartamento falasse" é uma obra-prima do cinema, e apesar dos seus mais de 40 anos assistimos até hoje sem sentir envelhecimento (fora claro, as roupas e detalhes de época).

Anônimo disse...

Setaro,ésse é um tema delicado pois aparenta ser conflito de geração quando no fundo não é. É dificil para um jovem cinéfilo( existem ?) aceitar essa dura realidade. Estamos vivendo o tempo em que um débil mental entra num cinema em S. Paulo e metralha os espectadores( houve uma época, 1973, que isso era apenas enredo de Super-8, o brilhante "Rua da Paz", exibido na Jornada de Guido Araújo).
Essa queda de qualidade é geral, não é só no cinema. A Música popular, por exemplo, mostra bem essa decadência em letra e música.
Evidentemente existem as tais exceções mas são tão poucas que o lixo soterra facilmente.
O panorama urbano nas grandes cidades do mundo também é um retrato vivo da involução humana nesse século XXI. É aquela coisa, tem o avanço tecnológico do celular mas o camarada utiliza para chantagear pessoas diretamente dos presidios. Tem a TV de alta definição mas exibindo o Big Brother.Tem o desenvolvimento da química desviado para a fabricação de drogas sintéticas. A indústria de armamamentos fomenta "revoluções" por todos os lados. A arte é usada para lavagem de dinheiro, golpes e outras mumunhas que infestam as leis de incentivo.
Tem uma música, acho que de Lenine, que diz mais ou menos assim " a loura esfaqueada na sarjeta/o sangue escorrendo na calçada/ mas é um filme de amor". Nada mais contemporâneo.