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03 fevereiro 2008

O desespero de Veronika Voss



Nos anos 70, principalmente, e 80, viu-se, no Instituto Goethe, quase todos os filmes do chamado Cinema Novo Alemão, oportunidade em que se pode conhecer as filmografias completas de Werner Herzog, Alexander Kluge, Rainer Werner Fassbinder, Win Wenders, Johannes Schaaf, entre muitos outros. A cinematografia germânica ressuriu na década de 60, a acompanhar os surtos inovadores de outros países, a exemplo de Free Cinema inglês, da Nouvelle Vague francesa, do Cinema Novo brasileiro, entre outros. Após o apogeu do expressionismo alemão, com o advento nazista, o cinema alemão, salvo pouquíssimos exemplares, desapareceu do cenário internacional, a permanecer com filmes, finda a Segunda Guerra Mundial, ingênuos, sentimentos, cujo maior exemplo é a trologia de Sissi, com Romy Schneider, e obras do gênero de A família Trapp. O desespero de Veronika Voss, de Fassbinder, é um exemplo da força expressiva de um cinema novo e ousado.
Urso de Ouro de melhor filme no Festival de Berlim, obra crepuscular de Rainer Werner Fassbinder (1945-1982), O Desespero de Veronika Voss é o seu penúltimo filme (o derradeiro: Querelle, baseado em texto de Jean Genet) antes de morrer aos 36 anos vitimado por uma overdose de álcool e cocaína. O DVD, distribuído pela Versátil, conserva o formato original da tela de cinema (1.66:1) e apresenta uma cópia luminosa, perfeita, capaz de dar ao filme toda a sua expressividade, principalmente porque a sua plástica da imagem é fundamental, pois se insere no próprio tecido dramático. O que assombra em O desespero de Veronika Voss é a iluminação expressionista de Xaver Schwarzenberger, que trabalha o preto e branco com extrema funcionalidade, a permitir que a produção de sentidos do filme se faça muito pela sua plástica ao invés de se restringir (como a maioria das obras cinematográficas) ao conteúdo da fábula. Neste particular, a luz (muitas vezes estourada) é o elemento que sufoca o espectador, inserindo-o num mundo desordenado e caótico. O branco assume uma dimensão asfixiante, como nas seqüências no interior da clínica. Não se pode ter uma compreensão de O desespero de Veronika Voss sem a percepção da expressão fotográfica.
Estilizadíssimo, com uma evocativa reconstituição da década de 50 na Alemanha, o filme, como em quase todos os de Fassbinder, é influenciado pelo melodrama de Douglas Sirk. Com o cineasta de Veronika Voss, o gênero assume uma potencialização e, pelo excesso de sua construção tonal, beira ao paradoxo. Esta obra-prima faz parte dos filmes que o autor rodou sobre o seu país do pós-guerra.
Narra o drama existencial de uma atriz decadente (vivida por Rosel Zech, que tem, aqui, um desempenho antológico, e, no DVD, quase uma hora de extra com seu depoimento tomado exclusivamente para o lançamento neste formato), que, antiga estrela da UFA (Universum Films AG) durante o nazismo, vicia-se em morfina. Vem a conhecer um jornalista esportivo que, fascinado por ela, tenta ajudá-la. A visão de Fassbbinder do mundo e das pessoas é cruel: não existe lugar para o afeto, pois todos querem exercer o domínio pelo outro, e as instituições da sociedade são podres e contaminadas por natureza. O filme parece ser a premonição do desespero do realizador, que viria a morrer também de angústia existencial pela tragicidade da vida. O Desespero de Veronika Voss também poderia ter um sub-título: O Desespero de Rainer Werner Fassinder.

Há uma seqüência que define bem a estética fassbinderiana: aquela num bar quando Veronika convida Robert para um encontro e, na mesa, plenamente iluminada como numa luz pentecostal, ela fala do cinema diante dele. O cinema é luz, e Fassbinder, neste filme, esculpe as cenas com a luz. Há, em O Desespero de Veronika Voss, a influência não somente de Sirk (Palavras ao Vento; Tudo que o Céu Permite; Imitação da vida) como a de Max Ophuls e, principalmente, a de Josef Von Stenberg, para quem o cinema era essencialmente composição plástica. Realizador consagrado (O Anjo Azul, O Expresso de Shangai), Sternberg foi o responsável pelo lançamento de Marlene Dietrich, que, dele, disse um dia: “Sternberg fazia brotar a beleza de um jogo de luzes e sombras”.
Filme sobre uma atriz em decadência, mas, também, sobre a Alemanha dos anos 50, e, principalmente, uma obra que reflete a luz criadora que potencializa a estesia da arte do filme, O Desespero de Veronika Voss faz lembrar, também, Crepúsculo dos Deuses (o célebre Sunset Boulevard, 1950), de Billy Wilder, com William Holden e uma interpretação inexcedível de Gloria Swanson. Rosel Zech, a Veronika de Fassbinder, não lhe fica atrás.

Um comentário:

Jonga Olivieri disse...

Tendo iniciado sua carreira de realizador em 1966, Fassbinder marcou pelos filmes “As Lágrimas Amargas de Petra von Kant”, “O Casamento de Maria Braun”, “Berlin Alexanderplatz” "Lili Marlene" e este inigualável “O desespero de Verônika Voss”, uma obra expressiva de sua vasta filmografia de mais de 40 filmes. Pena que morreu tão jovem, pois, sem dúvida teria nos deixado muito mais...