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09 novembro 2008

Cinema Baiano (4): Álvaro Guimarães



O seriado Como nasce o cinema baiano continua, mas vai apenas mudar de título. Deste domingo em diante, o título é Cinema Baiano: o que vem a seguir é o assunto. Por exemplo, Cinema Baiano (8): O surto underground, Cinema Baiano (16): o superoitismo dos anos 70 e as jornadas, etc. Hoje, já no quarto capítulo, o post é dedicado a Álvaro Guimarães, que morreu no último dia 14 de outubro em Arraial D'Ajuda, lugarejo perto de Porto Seguro para onde se retirara nos últimos anos de sua vida. Homem de mil instrumentos, caracterizava-se pelo imenso conhecimento das artes em geral. Seus textos de estética teatral, publicados no Suplemento Dominical do Diário de Notícias (Salvador), são irrepreensíveis, que revelam o pleno domínio de Alvinho (como era carinhosamente chamado) da literatura dramática. No teatro soteropolitano, dirigiu montagens que ficaram célebres, a exemplo de Uma obra de governo, baseado em Dias Gomes, que depois teria o texto desmembrado na série O Bem Amado, da Globo, com Paulo Gracindo na pele do prefeito Odorico Paraguassú. Uma obra de governo, porém, era uma peça com uma mise-en-scène incendiária, um teatro quase de agressão e de propósitos desestruturais. No Rio de Janeiro, entre muitas outras, montou Os sete gatinhos, de Nelson Rodrigues. Segundo Caetano Veloso, em escrito quando da morte de Álvaro Guimarães, este foi o responsável por ele ter se iniciado na música. Álvaro o convidou para fazer a parte musical de algumas peças, assim como a Maria Bethânia. No cinema, apenas dois filmes: o underground Caveira, my friend (1969), e, antes, uma experiência curtametragista de certo encanto poético: Moleques de rua (1962). Mas já tinha se iniciado no set cinematográfico desde que Glauber Rocha dirigia, em 1959, Barravento, onde funcionou como seu aplicado assistente de direção (perdeu-se, com sua morte, um depoimento valioso sobre a verdade do golpe aplicado pelos produtores na derrubada de Luis Paulino dos Santos para a ascenção glauberiana), assim como assistente de direção e diretor de arte de Menino de engenho, de Walter Lima Junior, baseado no célebre romance de José Lins do Rêgo. Entre outros filmes. Caveira, my friend, exibido no Festival de Brasília em 1969, e porque proibido pela censura, teve sua cópía queimada na Praça dos Três Poderes como protesto. Vivia-se o clima asfixiante do Ato Institucional número 5. Mais ou menos da mesma época é Meteorango Kid, o herói intergalático, de André Luiz Oliveira, filme underground que apareceu nos rastros de O bandido da luz vermelha, de Rogério Sganzerla e logo foi alçado à condição de obra cult do underground brasileiro ou, como alguns gostam de chamar, do Cinema Marginal.

Pedi a José Umberto, cineasta e escritor (O anjo negro, Revoada...), cujo média-metragem Vôo interrompido, que precisa urgentemente de uma revisão, foi considerado por Álvaro Guimarães o primeiro filme verdadeiramente underground do cinema baiano, que escrevesse um texto sobre Alvinho. Zé não perdeu tempo: sacou logo suas armas afetivas para falar do colega que a Implacável já o levou. E abrindo as devidas e imprescindíveis aspas:

"Alvinho é um renascentista tupiniquim. Cultivou o teatro em vida; o cinema, foi a necessidade súbita de criar; sempre.
Sempre tive Álvaro Guimarães na conta e em alta, no meu coração. Logo, sou suspeito de falar dele. Mas insisto, por dever e por saudade.
O talento lhe foi inato com precocidade. Embora um intelectual de base sólida, com fúria poética na camada visceral de ser. Figura de fino trato: rapaz bonito, franzino e baiano de cepa.
Um rebelde romântico na linha de exílio perpétuo.
Alvinho estava sempre acima do cotidiano.
Não conheci o seu curta metragem Meninos de rua. Fez esse filme quando também escrevia sobre estética teatral no Suplemento Dominical do DN. Eu lia essas coisas ainda no Clube de Cinema de Feira de Santana, quando passou por lá a Caravana da cultura de Paschoal Carlos Magno. E o Péricles Cunha era o meu diretor no Centro Popular de Cultura do Auto de Zé da Silva.
Falo dessas coisas por que o Alvinho tava por dentro de tudo isso.
E quando ele entrava numa coisa - entrava de corpo-e-alma unificados. Assim era o rapaz, da Barra chique.
Quando ele criou o jornal udigrudi Flores do mal, logo me chamou pra escrever. Sonhos de ouro em vidas de chumbo grosso. Alvinho teve atitude heróica enfrentando a ditadura com as flores e a plástica do Lácio. Um liberador de energia: vanguarda por amor puro ao próximo - assim a praxis de Álvaro Guimarães.
E fora um doador de si: produziu Caveira, my friend (chamava-se originalmente Os Assaltantes) com a grana de uma herança familiar. E, depois, incinerou a fita na Praça dos 3 Poderes, em Brasília.
Não suportou a podridão; - Hamlet a transcendentou.
Mas a vida, para ele, é um dádiva. Senão, uma delícia de guerra.
Alvinho esteve à frente. Quem não percebeu... perdeu a garra de reconhecer coisa-rara-de-existir.
"Adeus, meu canto", escreveu o bardo romântico contestador Castro Alves, seu conterrâneo de alma e atavismo .
Zé Umberto


6 comentários:

Jonga Olivieri disse...

Não conhecia nada da obra de Álvaro Guimarães. Daí, foi muito interessante a leitura desta postagem, caro Professor Setaro.
Vivendo e aprendendo... sempre.

Anônimo disse...

Olá! André Setaro!
Gostei muito destetexto!
Estou procurando o curta "Moleques de Rua" do Guimarães. Você sabe onde posso encontrá-lo?
AH! eu Moro em São Paulo capital!
qualquer ajuda é bem-vinda! Obrigada
meu email: perestroikajulia@gmail.com

Unknown disse...

A Bahia e a cultural nacional, ficaram mais pobres !

Henrique Brito disse...

Não sei se estou postando muito tarde mas só agora lí este blog em que fala sobre um grande amigo, Álvaro Guimarães, a sua perda representa muito para a cultura da Bahia. Espero que algum dia alguém possa escreve sobre ele, sua importância, que não seja apenas uma citação num livre sobre o teatro baiano.

Júlio Lucas disse...

A importância de Álvaro foi para o teatro, cinema, jornalismo impresso e tv. Tive a oportunidade de trabalhar com ele no programa Muito Prazer, Álvaro Guimarães na CNT/Aratu. Um grande aprendizado técnico, artístico e humano.

O SORRISO DO ARLEQUIM disse...

Aproveito a oportunidade, Setaro, para postar em meu blog esta belíssima homenagem. Creio que o talento e a obra de Alvinho mereçam ser ecoados nesta terra de pouca memória.