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03 agosto 2008

O maior amor do mundo

Surpreendente o décimo sexto longa de Carlos Diegues, O maior amor do mundo, que, perdido no lançamento, somente agora, dois anos depois, tive a oportunidade de vê-lo no Canal Brasil (embora se encontre também em DVD), que abre a tela em fulgurante full screen deformador mesmo que o filme não seja em cinemascope - quando o é, como Casa de areia, de Andrucha Waddington, o esfacelamento é total.

Cineasta irregular, com pontos altos e baixos na sua carreira, o fato é que, no cômputo geral, Carlos Diegues é um realizador sensível na maneira pela qual desenvolve o que quer contar, havendo, nele, e em especial neste O maior amor do mundo (desde já um dos filmes brasileiros mais envolventes dos últimos tempos) um sentido de cinema que procura, e sem medo de ser feliz, o envolvimento do espectador naquilo que está sendo narrado. Se Ganga Zumba, primeiro longa, hoje parece velho e datado, o mesmo não acontece com o segundo, A grande cidade, um dos filmes mais saudáveis da fortuna crítica cinemanovista, que respira um frescor narrativo longe do massacre dos planos dissonantes e dos mergulhos abissais em elocubrações autorais dadas mais à aporrinhação dos sentidos do que à explicitação do que se está a querer dizer. Carlos Diegues não tem medo da emoção, esta, a verdade. E a prova disso, a revelar a maturidade plena de um cineasta, já com uma grande quilometragem rodada, é O maior amor do mundo, desconsiderado durante o seu lançamento e visto de esguelha por aqueles que somente vêem cinema quando a estrutura narrativa vira um quebra-cabeças ou possui um tema nobre para o enfoque.

A emoção parece que se encontra descartada da apreciação crítica, tornando-a um obstáculo para o reinado do filme entre os possíveis eleitos por ela. Mas Carlos Diegues é um realizador sem medo de torná-la explícita e contundente. E entre os pontos altos na sua filmografia, não se poderia deixar de citar Chuva de verão, Bye, bye Brasil, Um trem para as estrelas, entre outros razoáveis, a exemplo de Quando o carnaval chegar. Quando quis assumir um cinema mais tropicalista, ficar in com o espírito do tempo e as suas circunstâncias, e menos emocional, errou feio, como Os herdeiros é atestado e prova. Assim como na abrangência temática, e errática, de Deus é brasileiro, que, ao invés de se fechar tematicamente, tem o seu tem expandido, ao contrário de O maior amor do mundo, que se fecha num universo muito específico.

Talvez o seu pior filme seja realmente Quilombo, um autêntico e genuíno filme mala-sem-alça, mas, justiça se lhe faça, Tieta do agreste, desconfigurou o romance amadiano no qual foi baseado para o converter em passeio turístico pelo sex appeal de Sonia Braga e pelas praias da Bahia. Desculpa-se tais agressões filmográficas quando pode, de repente, realizar, com grande sentimento, um filme como Chuva de verão ou este excepcional O maior amor do mundo.

Além de cineasta, Carlos Diegues é um excelente articulista, sabe manejar o trato escrito e expor suas idéias com lucidez e coerência. Autor da expressão patrulha ideológica, há pouco, por exemplo, escreveu artigo sobre a cultura sob intervenção (já em 2003) no lulismo ululante. Declarou sobre o filme em questão: "O maior amor do mundo é um de meus raros filmes escritos apenas por mim mesmo. Entre a concepção de seu roteiro e o início das filmagens, não se passaram mais do que uns 18 meses. O que me permite dizer que este é um filme instantâneo - que aliás tem como um de seus fundamentos o tema do instante, da importância do instante por mais breve que ele seja."

E disse mais: "Em O maior amor do mundo um homem passa a vida a olhar apenas para o céu, dedica-se ao controle das leis que regem o universo e, para ser bem-sucedido em seu projeto, evita os sentimentos e suas imperfeições, ignora o que se passa a seu lado, sobre a terra onde ele pisa. E por ignorar o mundo, perde sua vida. De certo modo, esse filme se opõe ao fanatismo iluminista, a essa idéia de que a razão absoluta será um dia capaz de tudo pôr sob seu controle, como se fôssemos travestis de Deus. Ao contrário, desde Darwin sabemos que somos mesmo bichos como os outros e nunca deixaremos de sê-lo. Muitas vezes, alguns dos melhores momentos de nossas vidas, momentos de imensa e inesquecível felicidade, nós tiramos é dessa condição mesma de bichos, de nossos corpos e mentes de bichos."

Resta dizer, para fechar este post, motivado, como já disse, pela visão, ontem, no Canal Brasil, que O maior amor do mundo tem uma das mais comoventes interpretações do cinema brasileiro, que é a de José Wilker. Uma recomendação que faço aqui sem hesitação. Procurem O maior amor do mundo nas locadores. Ele está bem distribuído. E cliquem na imagem para vê-la ampliada.

Um comentário:

Jonga Olivieri disse...

Cronológicamente seu penúltimo filme --muito embora o último seja um documentário-- o que o leva a ser sua última obra ficcional. Também não o assisti. Fruto dos últimos anos, em que me distanciei dos "cinemas" shopinguianos e sua frieza característica e estandartizada.
Mas Cacá tem o seu nome inserido por filmes como "Bye bye Brasil", o retrato fiel de um país cru em seu terceiromundismo intrínseco. Creio que poucas realizações retrataram o Brasil com tamanha realidade, mesmo que envolto em uma fantasia "pirandélica" tão evidente.
Por acaso (ou não), o mesmo Wilker, o mesmo 'teatral' ator levado ao cinema. Paulo Autran (também excessivamente teatral) foi brilhantemente aproveitado por Gláuber em "Terra em Transe" ao representar a aristocracia decadente num mundo em transformação. Por vezes linguagens como esta exprimem toda uma situação de conflito social e pessoal.