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20 abril 2008

Introdução ao cinema (2)



Domingo passado, passei a republicar esta introdução ao cinema, que, disse, sairia aos domingos. Cumpro a promessa. Como se pode ver, trata-se de uma iniciação de caráter didático. O autor se sentiria recompensado se, ao fim da leitura de todos os capítulos, viesse o leitor a se conscientizar que o cinema, muito mais que mera fábula, mero enredo, mera história, mera trama, é também, e principalmente, uma linguagem e uma estética. Para efeito de lazer dominical, recomendo, e sem hesitação, uma visita a meu novo blog: http://setaroandreolivieri.blogspot.com/
Conhecem o moço aí do lado?
Assim, existem, na linguagem cinematográfica, os elementos determinantes - planos, movimentos de câmera, montagem - e os elementos componentes - fotografia, cenografia, som, música...
Vamos dar continuidade ao que foi apresentado na semana anterior, começando por um dos elementos que determina a linguagem cinematográfica: O PLANO.

Cada plano representa uma posição particular da câmera em relação aos objetos e pessoas que estão sendo filmados. E, como de um plano a outro a câmera tem que mudar de posição, o plano é considerado a unidade fundamental do filme. Importa ressaltar, porém, que, num sentido mais visual do que técnico, usa-se a palavra enquadramento como sinônima de plano. Mas o enquadramento possui um significado estático,enquanto unidade figurativa do filme, constituída pelo conjunto dos elementos humanos, cenográficos e plásticos, que figuram no quadro fílmico. Já plano tem um significado dinâmico enquanto unidade narrativa.

O tamanho do plano -e, conseqüentemente, seu nome e seu lugar na nomenclatura técnica - é determinado pela distância entre a câmera e o objeto filmado e pela duração focal da cena utilizada. Os planos constituem, no dizer de Henri Agel, uma verdadeira orquestração da realidade. Numerosos e, de resto, raramente unívocos, vale lembrar que todos os tipos de planos foram utilizados desde antes do cinema pelas artes plásticas, decorativas e de ourivesaria (paisagens, retratos de corpo inteiro ou de busto, medalhões, camafeus, etc). O PLANO GERAL de uma paisagem pode perfeitamente enquadrar um personagem entrando em PRIMEIRO PLANO e é mesmo possível dispor atores em diversas distâncias.

Vejamos aqui a nomenclatura dos planos:
PG - PLANO GERAL (Long-Shot): vê o ator de longe de corpo inteiro no conjunto do cenário, que pode ser observado nitidamente e que predomina na imagem. O PLANO GERAL pode exprimir a solidão (Robinson Crusoé gritando seu desespero face ao oceano no filme homônimo de Luis Buñuel), a impotência às voltas com a fatalidade (a miserável silhueta do personagem de Ouro e Maldição/Greed, de Erich von Stroheim, acorrentado a um cadáver no meio do vale da morte), a ociosidade (Os Boas-Vidas/I Vitelloni, de Federico Fellini, matando o temo na praia),a nobreza da vida livre e orgulhosa nos grandes espaços (nos westerns), a vista da parte baixa da Cidade do Salvador com sua feira e seu porto (A Grande Feira, de Roberto Pires...)

PM - PLANO MÉDIO (Medium-Shot): Se o plano anterior, o geral, tem função atmosférica, localizando a ação e preparando o espectador para recebe-la, o PLANO MÉDIO tem função descritiva, pois introduz as reações de um ator em correspondência com o ambiente e os atores que o cercam. Nele, nota-se um ou vários protagonistas de pé e, ainda, alguns pormenores do cenário podem ser vistos, mas estão esses pormenores, subordinados aos intérpretes. Mesmo quando aparece sentado, o ator preenche a tela de alto a baixo com o seu corpo.

PA - PLANO AMERICANO (Two-shot): Permite que se veja o ator dos joelhos para cima contra um cenário não obstrutivo, ficando, claramente delineados os gestos e o movimento do personagem. Tem este nome porque era muito usado por David Wark Griffith, americano considerado pai da linguagem cinematográfica, que realizou duas pelo menos duas obras fundamentais: O Nascimento de uma Nação (The Birth of a Nation, 1914) e Intolerância (Intolerance, 1916).

PP - PRIMEIRO PLANO (Close-up): Destina-se a mostrar o rosto de um só ator ocupando a tela inteira. Constitui uma das contribuições mais prestigiosas do cinema no campo de sua especificidade. É no close-up que se manifesta melhor o poder de significação psicológico e dramático do filme. E, pode-se dizer, é esse tipo de plano que constitui a primeira e, no fundo, a mais válida tentativa de cinema interior. Sobre o close up disse André Malraux: "Penso no primeiro plano de uma maca em Terra/Semlia, de Dovchenko (cineasta russo da época de Eisenstein), podendo-se afirmar sem paradoxo que alguém que não tenha visto esse plano jamais viu uma maca". O PRIMEIRO PLANO, além de ser o fator que diferencia o cinema do teatro, cria um microcosmo desligado do espaço e da materialidade. O mundo da fisionomia (rosto ampliado e isolado pelo close como num microscópio) confunde-se com o mundo da alma, segundo o teórico húngaro Bela Balazs. O primeiro plano é a dimensão humana de um rosto isolado sobre a tela e toda referência ao espaço e ao tempo desaparece em vista de sua existência autônoma. A expressão da fisionomia, para este teórico, é completa e compreensível em si mesma e, por conseqüência, não temos de concebê-la como existente no espaço ou no tempo. Nossa consciência do espaço é abolida e nos encontramos em outra dimensão: a dimensão da fisionomia. O ponto de referência de Balazs é o filme A Paixão de Joana D "Arc (La Passion de Jeanne D' Arc, 1928), de Carl Theodor Dreyer, cineasta dinamarquês que realizou este filme na Franca.

Se a montagem fraciona a totalidade do tempo, o PRIMEIRO PLANO fraciona a totalidade do espaço. O Primeiro Plano corresponde, excetuando-se os casos em que tem um valor simplesmente descritivo, a uma invasão do campo da consciência, a uma tensão mental considerável, a um modo de pensamento obsessivo. O Primeiro Plano sugere, assim, uma forte tensão mental do personagem. Exemplos: os planos faciais de Laura toda vez que ela mergulha no passado (Desencanto/Brief Encounter, de David Lean) ou os de Joana D"Arc submetida à tortura moral por seus juízos no filme de Dreyer. Ou os planos de Liv Ullmann e Bibi Andersson em Quando Duas Mulheres Pecam (Persona), de Ingmar Bergman.

PD - PLANO DE DETALHE (Big Close-up): aparece somente a boca, os olhos, ou a parte de um objeto muito aumentado. A intenção, aqui, é frisar, mais do que no Primeiro Plano, um traço peculiar do personagem ou um pormenor isolado, como um disco caindo no prato do aparelho de som, o olhar da jovem que abraça o oficial ferido em Adeus às Armas (A Farewell to Arms), de Frank Borzage, o olhar do bêbado em Farrapo Humano (The Lost Week-End), de Billy Wilder, arrancado de seu sono alcoólico pelo toque do telefone.

Considerando que um plano é determinado pela distância entre a câmera e o objeto filmado, a escolha de cada plano é condicionada pela clareza necessária à narrativa - o plano, a rigor, é tanto maior ou próximo quando menos coisas há para ver e, também, o tamanho do plano aumenta conforme sua importância dramática ou sua significação ideológica. Até domingo que vem!

2 comentários:

Jonga Olivieri disse...

Como é importante dominar a existência dos PLANOS para se ter um conhecimento da gramática cinematográfica. Exemplo: o Plano de Detalhe (que também é conhecido como PPP - Primeiríssimo Primeiro Plano), tão usado e bem explorado em cenas inesquecíveis do cinema.
Lembro-me tanto de nós (do GIC - Grupo de Iniciação Cinematográfica) a elaborar o roteiro de "Perâmbulo" e a decupar os seus planos e tomadas. Um roteiro especificado (não chegando a ser de ferro), mas bastante pensado.
Hoje, vejo filmes por aí que tentam abordar o cinema de forma anárquica como a querer subverter elementos básicos de sua linguagem.
Será que não estou a acompanhar as mudanças dos tempos? Ou será que a falta de uma formação acadêmica faz de alguns "novos realizadores" os "Primitivistas" da sétima arte?
Picasso distorcia suas imagens e foi um gênio. Mas, Picasso teve uma formação acadêmica. É só rever sua trajetória na pintura, suas fases mais "comportadas" (A Primeira Comunhão de 1896) para ver o seu embasamento. Sua chegada ao Surrealismo com passagens pelo Cubismo, passou por fases acadêmicas como a “Azul” e a “Rosa”, por exemplo.
Não sou contra mudanças. Muito pelo contrário, as acho o sinal da evolução humana. Todavia (e entretanto) toda mudança tem que ser feita a partir do domínio do que existia anteriormente. Com conhecimento de causa. Daí o exemplo de Picasso e sua formação clássica, que lhe possibilitou modificar sabendo o que estava a mudar. E porquê!
Esta sua explicação sobre Planos é deveras importante para se conheceram as suas razões de ser. A partir dela, pode-se mudar, subverter e experimentar. Sabendo-se o que se está a fazer.
Tomara que Realizadores novos e ávidos de fazer filmes propondo novos caminhos a leiam, e, retirando elementos importantes da aula, possam propor propostas inovadoras. Mas, como Picasso, sabendo o que estão a fazer. Senão, teremos por aí um bando de “Heitores dos Prazeres” realizando obras Primitivistas, sem pé nem cabeça. E o mais grave, principalmente “sem cabeça”!

Anônimo disse...

"não viso explicar
ou elucidar
as coisas que comento, mas
tão-somente mostrar-me como sou"

Montaigne (1533/92)