Rodado em exteriores na Colômbia (Palenque e Cartagena) – onde também foi recrutado o não-profissional Evaristo Marques – e ainda no porto francês de Saint Maio, no Marrocos, Queimada (Queimada, 1968), de Gillo Pontecorvo, é uma das obras cinematográficas que conjugam, com rara eficiência, o cunho politico ao didatismo, sem, com isso, deixar de ter um valor cinematográfico ou, mesmo, se tornar um espetáculo envolvente. Marlon Brando, que já nos deixou há três anos, o temperamental intérprete, único em toda a história do cinema, durante as filmagens de Queimada, brigou feio com Pontecorvo e, por causa disso, a produção se atrasou consideravelmente. Diz a lenda que Brando ameaçou matar Pontecorvo se um dia o reencontrasse, promessa felizmente nunca cumprida Pontecorvo é um cineasta político que tenta ser didático e o filme em questão, lançado no Brasil em 1971, durante a ‘era’ Médici, período de chumbo, foi logo retirado do cartaz. Vale registrar que Pontecorvo, o realizador de A batalha de Argel, morreu ano passado.
Pontecorvo mostra como Londres envia à ilha negra das Pequenas Antilhas, Queimada, dominada pelos portugueses a ferro (das baionetas) e fogo, cobiçada pelos ingleses com indisfarçado descaramento, um de seus mais hábeis fomentadores de rebelião, Sir William Walker (Brando), com o propósito de expulsar os portugueses e conquista-la, mas por meio não violentos. Walker incentiva a capacidade de liderança do negro José Dolores e fomenta uma revolta vitoriosa: é declarada a independência da ilha, que passa a ser manobrada por uma empresa britânica compradora de cana. Passam-se dez anos. E Walker é, novamente, enviado à ilha porque, desta vez, Dolores lidera nova revolução contra o domínio econômico dos ingleses.
Pontecorvo fez em Queimada um inventário alegórico do jogo colonialista através da História, sem incursionar no panfleto e dotado de clareza ideológica e sentido de espetáculo épico e comunicativo. Sobre ser um filme envolvente, o tempo, entretanto, tirou-lhe o impacto de quando foi feito, momento histórico no qual se respirava ideologia por todos os poros. Há, também, um certo simplismo, por assim dizer, na sua estrutura narrativa – o conflito entre o colonizador e o colonizado se processa como uma luta do Bem contra o Mal. Queimada, no entanto, é um filme que marcou uma época e que a apatia da contemporaneidade talvez não o receba com tanto entusiasmo. Atributos à parte, há, em especial, a oportunidade de ver um monstro sagrado em ação: Marlon Brando, ator magnífico, dotado de uma capacidade interpretativa incomum. Além de Brando e de Evaristo Marques, há um ator italiano bastante conhecido, mas que, estranhamente, não se encontra bem pintado de negro. Trata-se de Renato Salvatori, que, entre muitos outros filmes, interpretou, o boxeador Simone em Rocco e seus irmãos, obra-prima definitiva do século passado, tragédia monumental tendo, como centro, uma família de imigrantes, um filme de Luchino Visconti, cujo O leopardo, outro magnífico exemplo que testemunha, na sua criação, a verve singular de um artista que utiliza o veículo cinematográfico como instrumento de reflexão e produção de sentidos.
Pontecorvo mostra como Londres envia à ilha negra das Pequenas Antilhas, Queimada, dominada pelos portugueses a ferro (das baionetas) e fogo, cobiçada pelos ingleses com indisfarçado descaramento, um de seus mais hábeis fomentadores de rebelião, Sir William Walker (Brando), com o propósito de expulsar os portugueses e conquista-la, mas por meio não violentos. Walker incentiva a capacidade de liderança do negro José Dolores e fomenta uma revolta vitoriosa: é declarada a independência da ilha, que passa a ser manobrada por uma empresa britânica compradora de cana. Passam-se dez anos. E Walker é, novamente, enviado à ilha porque, desta vez, Dolores lidera nova revolução contra o domínio econômico dos ingleses.
Pontecorvo fez em Queimada um inventário alegórico do jogo colonialista através da História, sem incursionar no panfleto e dotado de clareza ideológica e sentido de espetáculo épico e comunicativo. Sobre ser um filme envolvente, o tempo, entretanto, tirou-lhe o impacto de quando foi feito, momento histórico no qual se respirava ideologia por todos os poros. Há, também, um certo simplismo, por assim dizer, na sua estrutura narrativa – o conflito entre o colonizador e o colonizado se processa como uma luta do Bem contra o Mal. Queimada, no entanto, é um filme que marcou uma época e que a apatia da contemporaneidade talvez não o receba com tanto entusiasmo. Atributos à parte, há, em especial, a oportunidade de ver um monstro sagrado em ação: Marlon Brando, ator magnífico, dotado de uma capacidade interpretativa incomum. Além de Brando e de Evaristo Marques, há um ator italiano bastante conhecido, mas que, estranhamente, não se encontra bem pintado de negro. Trata-se de Renato Salvatori, que, entre muitos outros filmes, interpretou, o boxeador Simone em Rocco e seus irmãos, obra-prima definitiva do século passado, tragédia monumental tendo, como centro, uma família de imigrantes, um filme de Luchino Visconti, cujo O leopardo, outro magnífico exemplo que testemunha, na sua criação, a verve singular de um artista que utiliza o veículo cinematográfico como instrumento de reflexão e produção de sentidos.
A ser sincero, não sei que se Queimada pode ser encontrado em DVD. Há, sei, uma boa cópia restaurada em 35mm que está a circular pelo Brasil. A Sala Walter da Silveira a exibiu há três anos, quando da morte de Marlon Brando.
13 comentários:
Pontecorvo, que filmara três anos antes "A batalha da Argélia", e, como você bem referiu um cineata político, realizou este "Queimada", um filme que à época marcou muito (até por estarmos em plena ditadura militar) e virou ponto de discussões em bares e outros "points" da noite da esquerda carioca.
O episódio "Brando vs. Pontecorvo", também objeto de discussões no tempo em que surgiu deu o que falar.
Vi esse filme na época do lançamento no Cine Rian em Copacabana. Lembro de um artigo de Paulo Francis no Pasquim, publicado antes do filme entrar em cartaz no Brasil, em que ele ironizava o possível título em português, segundo Francis seria "Queima meu bem, queima". A história do cinema registra que em 40% das cenas o personagem de Brando, com seu indefectível paletó branco, aparece de costas pois o ator abandonou as filmagens depois da briga com Pontecovo e tiveram que usar um dublê. Esse episódio prova que Klaus Kinsk não era o único fujão dos sets.
Ha, ha, ha, ha! Brando brigou feio com Pontecorvo. Mas, engraçado, soube se dar bem com Bertolucci em 'O último tango em Paris'. É que, parece, Pontecorvo tentava exercer poder sobre a interpretação do ator inesquecível de 'Sindicato de ladrões'. Brando não se deixava submeter. Bertolucci soube como devia trata´-lo e o processo de filmagem se deu sem grandes complicações. No caso de Pontecorvo, com a saída de Brando, este ficou com metade do material filmado, o filme incompleto e a única alternativa foi colocar um 'dublê'.
O cinema latino-americano, ainda pouco assistido e debatido entre nós da América de cá, merece um curso específico, para permitir trazê-lo sempre a memória e provocar o debate. Assisti Queimadas em meados dos anos 70 e novamente na Sala Walter da Silveira. Mas quem poderia trazer para nossas telas, Flores del valle ( Máximo Calvo, 1941), Horizontes de Glória, Miguel Joseph y Mayol, 1944), Senderos de Luz ( Emilio Alvarez Correa,1945), Esta fue mi vereda ( Gonzalo Canal Ramírez, 1959) entre outros tantos filmes colombianos voltados para a construção da história da formação latino-americana? Setaro, vc.me parece o mais indicado para esta missão, tenho acompanhado suas postagens, além de bem informado crítico, descobre as cópias restauradas por este Brasil a fora.
Missão quase impossível, mas que pode ser tentada, principalmente em se tratando de cópias de filmes antigos. O que deveria ser feito, segundo penso, é, por exemplo, o departamento de audiovisual (DIMAS), da Fundação Cultural do Estado, entrar em contato com as cinematecas latino americanas em função de uma mostra dessa cinematografia.
Setaro,
Você tem razão, o tempo não fez muito bem a Queimada. Vi na Walter, e achei aborrecido, tosco, até, e sem um pingo de "sentido de espetáculo épico e comunicativo". Se tinha, ficou nos anos 70. Péssimo também ver Salvatori se submeter a essa vergonha, e mesmo Brando está em seus dias mais fracos, apesar de sua memorável cena de morte.
A Batalha de Argel, ao contrário, parece que acabou de ser feito, de tão atual e instigante. Também, foi feito na guerrilha, sem precisar reconstituir uma época passada. Ali, Pontecorvo pode-se dedicar ao que lhe interessa. Como realizador de épicos, no caso de Queimada, é medíocre. Em A Batalha de Argel, fazendo seu simples filme político, é brilhante. Não conheço mais de sua carreira, mas ouvi um boato de que Kapó seria lançado em DVD.
Caro André Setaro
Sempre leio o que escreve. Parabéns pela contrubição ao mundo do cinema.
Este é um dos poucos filmes estrelado por Brando que ainda não vi. O eterno "Chefão" disse que foi uma de suas melhores atuações. Como admirador do icomparável Marlon Brando acho seu melhor desempenho no western "A Face Oculta" - que ele dirigiu. O cinema o deve muito, muito mesmo. Escrevo semanalmente um artigo sobre "filmes impérdiveis" para o jornal "O Estado" aqui no Ceará. Estou iniciando um Blog (www.waltercine.blogspot.com) em breve colocarei os demais que já forma publicados. Seu blog é uma fonte de maravilhosa. Abraço. Continue....
Walter Filho
Caro André
A imagem acima do meu blog www.waltercine.blospot.com é de um filme que atuei e fui assitente de direção - "o Sertão das Memórias" do José Araújo. Abraço
"Correção"
Caro André Setaro
Sempre leio o que escreve no seu Blog. Parabéns pela contribuição ao mundo do cinema.
Este é um dos poucos filmes estrelado por Brando que ainda não vi. O eterno "chefão" disse que foi uma de suas melhores atuações. Como admirador do incomparável Marlon Brando acho seu melhor desempenho no western "A Face Oculta" - que ele dirigiu. O cinema o deve muito, muito mesmo. Escrevo semanalmente um artigo sobre "filmes imperdíveis" para o jornal "O Estado" aqui no Ceará. Estou iniciando um Blog (www.waltercine.blogspot.com) em breve colocarei os demais que já foram publicados. Seu blog é uma fonte maravilhosa de pesquisa e estudo. Abraço. Continue.
Vi o filme ontem em DVD (em italiano, numa edição de autor-Cinema d´essai, distribuido com uma edição da revista Panorama). Surprenderam-me alguns pormenores que mostravam mais a presenças espanhola que a portuguesa naquela ilha; a indumentária das senhoras da sociedade, dos soldados, a arquitectura das casa. Também na cena em que aparece a bandeira portuguesa deitada ao chão, depois da revolta, vê-se bem que "foi pintada" (desculpe não sei o termo correcto) por cima do filme original. Após um pesquisa, descobri que "originalmente, o filme iria se chamar "Quemada", e o colonizador seria espanhol, em uma ilha imaginária das Antilhas. Optaram pelo português porque causava menos polémica e porque os espanhóis ameaçaram proibir todos os filmes do produtor Alberto Grimaldi. Isso foi mudado durante a dobragem, em que se falou um português abrasileirado. Mas trouxe dois erros históricos: Portugal não colonizou nada nas Antilhas e, num diálogo, Brando explicou erroneamente: "Você sabe que Portugal e Inglaterra são inimigos tradicionais" (isso acontecia com a Espanha, Portugal sempre foi aliado da Inglaterra)."
ana m.
Alô André!
"Massa" esse artigo sobre Queimada.
Vi esse filme no final dos ano 70. No Cine Nordeste, aqui em Natal. Confesso que só me lembro da cena no porto, onde Brando aparece de roupas de linho branco, todo amassado. Rsss...
Um abraço!
César
André Setaro
Nas cartas de Carlos Lamarca para Iara Iavelbergue ele aborda o filme "Queimada". Ele não assistiu pelo fato de estar sendo caçadso pelos repressão militar, durante a ditadura. Detalha em uma das cartas que escreveu para iara que "KID" havia efetuado comentário sobre "Queimada". "KID" era o militante do MR-8 que foi buscar Lamara e Iara no Rio de Janeiro. "KID" era o codinome do hoje professor de História da Universidade Federal da Bahia, José Carlos de Souza. Ele também usava o codinome "Rocha". FOi José carlos de Souza quem transportou Lamarca, em uma Kombi, para Brotas de Macaúbas em junho de 1971. Lamaqrca, Zequinha barreto, seu irmão Otoniel o estudante Luiz antônio Santa Bártbara foram executados pelos agentes de repressão durante a "Operação Pajussara", sob o comando do major do Exército Nilton Cerqueira. Foram empregados na caçada aos militantes do MR-8 um efetivo de 215 homens do Exército, Aeronaútica, Marinha, Fuzileiros Navais, Polícia Federal, Polícia Militar da Bahia, agentes dos DOPS (São Paulo.
Wilson Mário Silva
Jornalista e pesquisador
André Setaro
Nas cartas de Carlos Lamarca para Iara Iavelbergue ele aborda o filme "Queimada". Ele não assistiu pelo fato de estar sendo caçado pela repressão militar, durante a ditadura. Detalha em uma das cartas que escreveu para Iara que "KID" havia efetuado comentários sobre "Queimada". "KID" era o militante do MR-8 que foi buscar Lamarca e Iara no Rio de Janeiro. "KID" era o codinome do hoje professor de História da Universidade Federal da Bahia, José Carlos de Souza. Ele também usava o codinome "Rocha". Foi José Carlos de Souza quem transportou Lamarca, em uma Kombi, para Brotas de Macaúbas em junho de 1971. Lamarca, Zequinha Barreto, seu irmão Otoniel e o estudante Luiz Antônio Santa Bárbara foram executados pelos agentes de repressão durante a "Operação Pajussara", sob o comando do major do Exército Nilton Cerqueira. Foram empregados na caçada aos militantes do MR-8 um efetivo de 215 homens do Exército, Aeronaútica, Marinha, Fuzileiros Navais, Polícia Federal, Polícia Militar da Bahia e agentes dos DOPS (São Paulo).
Nas cartas de Lamarca o registro do filme "Queimada" e alguns comentários do capitão de guerrilha.
Wilson Mário Silva
Jornalista e pesquisador
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