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06 novembro 2007

O sacrifício da sensibilidade

Transcrevo, aqui, um artigo que escrevi para o Jornal da Facom (JF), da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia, editado por Malú Fontes. Como se trata de um assunto que muito me azucrina, achei de bom alvitre tê-lo aqui. Ir ao cinema hoje, já o disse e repito, é um sacrifício, a considerar os débeis mentais que não sabem se comportar quando dentro de uma sala de exibição.

Para que o processo de comunicação seja perfeito, segundo dizem os comunicólogos, entre a emissão e a recepção não deve haver ruídos. Estes, no entanto, estão presentes quando se vai atualmente às salas exibidoras de filmes, não importa sejam elas situadas em complexos, sejam elas consideradas alternativas, porque a falta de polidez e educação está generalizada. Entre os ruídos mais notórios que atrapalham sobremaneira a contemplação da obra cinematográfica, e os mais incomodativos, pelo menos na minha visão idiossincrática, estão aqui quatro exemplos:

1) Conversa ao celular. O telefone portátil deve ser desligado por todo o cinéfilo que se preza. Atendê-lo, durante a projeção de um filme, se constitui numa agressão ao próximo, num desrespeito a seu semelhante. A começar do toque da chamada, que se diversifica e tem seu volume cada vez mais alto. E as conversas, as abobrinhas descarregadas, que azucrinam aquele que, querendo apenas contemplar o filme, fica obrigado a escutá-las.
2) A comilança. Se antes tínhamos o barulho do amassar dos sacos de pipocas, e das mandíbulas ansiosas a mastigá-las, atualmente a sala exibidora se tornou um fast food, onde se come de tudo. O espectador, logo quando entra, chega a carregar uma bandeja plena de comida e guloseimas diversas.
3) Conversinhas descabidas. Os espectadores conversam durante o filme, o que incomoda muito. Vale observar que as conversas, geralmente papos demenciais, referem-se aos fatos de suas vidas cotidianas. O filme, impávido, rola na tela, indiferente às combinações urdidas no escurinho da sala.
4) Risadinhas fora de hora. Decididamente, a maioria dos espectadores que vai ao cinema, hoje, não está muito interessada no que se passa na tela, não. O ir ao cinema se constitui, apenas, numa das fases do shoppear. Mas, então, o comportamento das pessoas é completamente dissonante, principalmente quando riem de situações que nada têm de engraçadas. Há, na verdade, um fosso cultural, entre a cultura da platéia e a cultura dos personagens na tela, quando o filme não faz parte do lixo cultural.

Há muitos outros ruídos entre a emissão e a recepção de um filme. Mas vamos ficar, por ora, nestes quatro, os mais abusados e irritantes. O fato é que o comportamento da platéia atualmente vem em decorrência de seu comportamento diante da televisão, principalmente nas novelas. A teledramaturgia televisiva, porque um discurso aberto, condicionou de tal maneira o consumidor, que, quando este vai ao cinema, se comporta da mesma maneira que se comporta ao ver televisão, não considerando que o filme, ao contrário da novela, é um discurso fechadíssimo, limitado em seu tempo, em sua duração.

Quem gosta de ver um filme com atenção, em silêncio, sofre muito hoje em dias nas salas dos chamados complexos. Mas o interessante é que esse comportamento vândalo não se limita aos Multiplexes, mas está a ser notado, também, nas chamadas salas alternativas, redutos de pseudo-intelectuais e pseudo-cinéfilos.
Sacrifica-se, hoje, indo-se ao cinema, a sensibilidade.
Veja-se, na imagem, a contradição: uma propaganda do governo sobre educação pelo vídeo que tem a pipoca como atrativo. O que vejo nisso é a ignorância, a deseducação e o caos.

9 comentários:

Anônimo disse...

Li recentemene uma matéria que dizia que os produtores do cinema de massa(ou seria pipoca ?)americanos já estudam formas de diminuir a duração dos filmes para, no máximo, 30 minutos de projeção. Segundo pesquisas feitas pelo setor,esse é o tempo limite de concentração de um espectador nos dias de hoje, depois disso vem ansiedade, coca-cola, celular,pipoca,conversa e vontade de sair correndo de dentro da sala. Seria uma nova síndrome ? A do "pânico cinematográfico" ? Quando li a noticia dei 3 hurras aos inventores do DVD e da TV LCD.
P.S. Sugiro aos shopping ampliarem o cardápio com a venda de pizza e churrasquinho

Jonga Olivieri disse...

Você ilustrou esta matéria muito bem com o símbolo deste tema: a pipoca. Ora, pipocas!, como se dizia em outros tempos.
Outro dia mesmo estavamos falando de comunicção de massa e cinema. Mas, esquecemos de nos referir a que massa.
Hoje, o ruído na comunicação não se refere mais e apenas à representação simbólica de uma obra mal realizada, mas a ruídos mesmo. Na acepção da palavre.
Enumerou muito bem quais sejam.
É uma pena que o cinema virou uma extensão do shopping, um mero local para encontros furtivos.
E foste muito feliz na comparação com a novela...
Fora o ruído na comunicação propriamente dito que está aí em filmes e mais filmes cuja finalide é mesmo fazer ruídos. Gratuitamente.

Stela Borges de Almeida disse...

Concordo com suas observações sobre a "cultura do fast-food". Relendo Susan Sontag, autora que aprecio, ao comentar sobre um século de cinema ela chama atenção que nenhum lamento fará ressuscitar os extintos rituais da sala escura. E, lamentável e verdadeiro, a cinefilia não tem nenhum papel na era dos filmes hiperindustriais. Mas, acredita e eu concordo, pode nascer um novo tipo de amor ao cinema.

André Setaro disse...

Há uma componência de 'dementia precox' nas atitudes da platéia que vai, hoje, ao cinema. As pessoas estão brutalizadas por este capitalismo selvagem, bárbaro, com bem gosta de definir Jonga. A nova geração e constituída de 'iletrados', com as exceções de praxe.
Devo registrar que achava Romero Azevedo, quando aqui estive com ele nos idos dos 70, um cinéfilo especial, conhecedor, como poucos, das artimanhas da arte do filme. Com o tempo, acredito, tornou-se um especialista de mão cheia.

Alessandra disse...

Assino embaixo o que Setaro escreveu. Mulher neurótica, eu, apesar de balzaquiana, 31 primaveras, já não aguento certos barulhos, e as conversas alheias cansam minha beleza. Vivo a minha reclusão no meu claustro existencial.

André Setaro disse...

Mas Borgia não se desespere. Não lhe conheço, mas entendo seu fastio da vida. Precisa se afastar das salas do Multiplex aos sábados e quartas, a dar preferência às últimas sessões. Quando estas acabam tarde, não tenho receio de dizer de meu medo de ser assaltado ou roubado já que os shoppings já fecharam suas portas, deixando somente aquelas para o escoamento dos cinemas. Atualmente a palavra balzaquiana está em desuso, pois a mulher aos 30 anos ainda é jovem, bela, na flor da idade. E o que dizer da tolinha da Hebe Camargo com seus oitentanos a querer, ainda, mostrar as pernas quando está sentada no divã mais famoso do Brasil?
Em relação ao comentário de Luana sobre Neville, deixando link do Imdb, apenas posso dizer o seguinte: quantidade de filmes não é sinônimo de qualidade. Neville já fez muitos filmes, é verdade, mas quase todos muito ruins.

Anônimo disse...

Mestre, concluí meu comentário sobre "Procura Insaciável" hoje lá no Cult Blog falando algo parecido com o que você diz sobre as platéias atuais.
abraço

Julio disse...

Salve, Setaro! Agora pense no inferno que é presenciar esse conjunto comensal-comportamental que vc descreve tão bem acompanhando um bom filme projetado numa janela errada, com as cabeças dos atores cortadas. É o que vem acontecendo há duas semanas nas sessões Cine Cult do Cinemark, na mostra supotsamente destinada a exibir o gênio Cassavetes para o público baiano. Digo supostamente porque nessas condições, honestamente, não há boa vontade que aguente. O Cineinsite fez uma matéria a respeito no último dia 7 (http://www.cineinsite.com.br/materia/materia.php?id_materia=6901 )mas, até ontem, apesar do filme ser diferente, o problema continuava sem solução. Mais uma vez em cena vemos o consumidor de bens culturais ser brutalmente destratado por aqui.

André Setaro disse...

Os filmes de Cassavetes, mostrados assim 'sem as cabeças', são exemplos de uma ausência absoluta de critérios. Mesmo numa promoção como esta, que se pode dizer o máximo, os responsáveis acabam sendo irresponsáveis. Questão cultural. O caldo cultural, principalmente o caldo cultural baiano, está precisando de uma vigilância sanitária.