Um dos grandes momentos do cinema em todos os tempos podem ser vistos em algumas cenas de Os melhores anos de nossas vidas (The best year of our lives, 1946), de William Wyler: aquele quando Friedrich March chega à sua casa e reencontra a esposa (Myrna Loy), e aquele outro, quando o rapaz, que ficou sem braços, vai ao encontro de sua namorada, que não sabe ser ele um aleijado, e a abraça, mas este abraço é um abraço sem braços. Sidney Lumet, cineasta pelo qual tenho o maior respeito, já disse várias vezes que o maior filme que viu em cinema foi Os melhores anos de nossas vidas. O que dizer deste filme? Simplesmente que é uma beleza e tem uma direção magnífica de Wyler, o "estilista sem estilo" como costumavam, pejorativamente, chamá-lo os críticos turcos da revista francesa Cahiers du Cinema. O fato é que, indiscutivelmente, Wyler foi um dos grandes narradores do cinema mundial (não ficaria somente no americano). Sabia fazer uma transição de seqüência, um movimento que desse, logo, uma significação especial, sua mise-en-scène, embora acadêmica (e daí, algum problema?) era toda especial. Ainda fico hoje estupefato quando revejo (tenho uma cópia que não empresto a ninguém) de The best years of our lifes.
Rodado em 1946, logo após o trauma da Segunda Guerra Mundial, Os melhores anos de nossas vidas é sobre homens que voltam da guerra e têm que se adaptar à vida civil. Elenco soberbo: Friedrich March, Myrna Loy, Teresa Wright, Cathy O'Donnell, Dana Andrews, entre outros.
7 comentários:
William Wyler, que começou em 1925 a sua trajetória pelo cinema, que terminou em 1970, apesar de só ter morrido em 1981, realizou filmes muito importantes como “Ben-Hur”, “Funny Girl” ou “The big country” mostrando uma versatilidade em gêneros como o drama, o musical e o western, passando pelas superproduções históricas. “Ben-Hur” é simplesmente magistral. A cena da corrida de bigas, eu a revejo sempre que posso em DVD, porque é impecável, irretocável. Até porque, realizada em 1959, muito antes de computadores (ainda bem) consegue ser perfeita em trucagens que até hoje me deixam estupefato.
Mas concordo com você que “Best years of our lives” talvez tenha sido sua obra máxima. Um filme inesquecível, em que o drama é tratado com seriedade e sem o lado “piegas”, tão característico da cultura estadunidense.
Cineasta versátil, sim, com incursões em diversos gêneros, inclusive dois bons westerns, 'Da terra nascem os homens' ('The big country'), e 'O galante aventureiro' ('The westerner', 1940), este último com Gary Cooper e Walter Breenan. Realizou a melhor versão de 'Wuthering heights' em 1939, com Laurence Olivier e Merle Oberon, que aqui se chamou 'O morro dos ventos uivantes'. A ficha filmográfica de Wyler é imensa. Mas creio que em 'Funny girl', apesar do desempenho magistral de Barbra Streisand, Wyler já se mostrava cansado e o filme é muito acadêmico, muito sem graça como densidade dramática, à exceção, claro, das sequências musicais, que, se não me engano, não foram dirigidas por Wyler. Mas já no fim, dirigiu um excelente filme, 'O colecionador' ('The collector'), que projetou Terence Stamp que viria a ser o 'anjo' pasoliniano em 'Teorema'. É um imenso cineasta, este William Wyler. Por outro lado, detestava a 'nouvelle vague' e quando ia a Cannes colocava na lapela um broche no qual estava inscrito 'ancien vague'.
Al�m de O Colecionador que me impressionou muito nos idos de 1965, h� a refinada com�dia Como roubar um milh�o de d�lares( um show � parte de Peter O Toole e Audrey Hepburn), o romantismo que n�o existe mais de A Princesa e o plebeu e o libelo pacifista de Sublime Tenta�o(1956) onde uma familia de religiosos Quakers, liderada por Gary Cooper, sofre o diabo mas n�o pega em armas durante a Guerra Civil americana.
O Galante Aventureiro est� na minha lista de filmes que evejo sempre.
William Wyler, que n�o dispensava um cigarrinho no set, � como o filme Ben Hur, grande e eterno.
Comentar a filmografia de Wyler, por imensa, aqui neste 'comentários', é tarefa hérculea e quase impossível. Mas não posso deixar de registrar a lembrança de Jonga e Romero de 'Ben Hur', obra grandiosa, que vi em tenra idade e que me impactou. Mas a bem da verdade a sequência da corrida das bigas não foi dirigida pelo mestre, mas pelo diretor de segunda unidade, que, se não engana a memória traída, foi Mario Soldati. 'Como roubar um milhão de dólares' é uma 'sophisticated comedy' como não se faz mais atualmente, com Peter O'Toole, recém-saído de 'Lawrence da Arábia', e Audrey Hepburn. Mas não se pode esquecer, já que o assunto é William Wyler, 'o estilista sem estilo', de 'Jezebel' (1938), com Bette Davis, Fogo de outuno (Dodsworth, 1936), sensível filme sobre o amor na velhice, Chaga de fogo (Detective story, 1953), com Kirk Douglas, todo filmado numa delegacia de polícia de Nova York, Horas de desespero (Desperate hours), com Humphrey Bogart, um dos últimos filmes desse ator, Pérfida (The little foxes), com Bette Davis, que tem uma tomada surpreendente quando ela, indiferente, sentada num sofá, não olha, apesar de pressentir, o marido que, ao fundo, sobe, arquejante, e já quase morto, a escada. Wyler foi um dos precursores da profundidade de campo e em 'Os melhores anos de nossas vidas' usa a profundidade com grande funcionalidade, utilizando outros padrões para o cinema a partir de então, apesar de Welles já a ter usado com grande eficiência em 'Kane'.
~Lembrando apenas que o parceiro de luz e sombras de Wyler em Os Melhores anos... foi Gregg Toland, parceiro tamb�m de Welles no Cidad�o Kane.
A profundidade de campo, possibilidade advinda com a invenção da lente pancromática, foi usada por outros diretores, a exemplo de Jean Renoir em 'A regra do jogo', mas foi o gênio iluminador de Toland (obrigado Romero pela lembrança) que possibilitou a Orson Welles as maravilhas de sombra e luz observadas em 'Citizen Kane'. Assim, quando Toland trabalhou com Wyler neste extraordinário 'Os melhores anos de nossas vidas', deu-lhe o conselho de dar à sua estrutura narrativa um tratamento em campo profundo. O filme, ainda que não pioneiro nesse particular, é um dos primeiros a usar a profundidade de campo com maestria, abrindo caminho para a tomada mais demorada e a preservação do espaço e tempo contínuos. Não seria abusado dizer que Hitchcock deve ter se inspirado em 'The best years of our lifes' e, gênio também que era, radicalizou o processo, com as poucas tomadas de 'Festim diabólico' ('Rope'), que fez em 1948, dois anos depois.
Assim, o filme de Wyler, sobre ser uma obra de singular poeticidade, tem também o mérito de abertura de caminhos na evolução da linguagem cinematográfica.
O pobre do Wyler, tão consciencioso em seus trabalhos, foi esculhambado pelo pessoal do 'Cahiers du Cinema', que o considerou acadêmico, antiquado e velho. Mas Wyler se vingou nos efervescentes anos 60, quando recebeu, por 'The collector', a Palma de Ouro em Cannes, deixando os 'nouvellevaguistas' a chupar seus dedos. À parte o comentário, devo ressaltar que gosto muito da 'nouvelle vague' e de seus diretores, mas eles erraram muito com o exagero da 'Politique des Auteurs' e com o escanteio de realizadores magistrais como Wyler. Truffaut, para ficar em um só exemplo, não gostava de John Huston. A crítica sempre é impertinente.
Mas seria injusto se não registrasse, aqui, que, estando Wyler acamado, com gripe americana, quem recebeu a Palma em seu lugar foi Romero Azevedo.
Devo dizer que nesse instante, em que recebia a Palma por Wyler "o gripado", Godard e outros membros da vanguarda revolucionária Kino-Pravda atearam fogo nas cortinas do cinema e os bombeiros tiveram que apelar para as águas azuis da Riviera Francesa. Enquanto isso, na praia, mais uma anônima starlet exibia os seios para meia dúzia de fotógrafos que haviam sido barrados na solenidade du Palais de Cine. Ainda lembro de uma pichação na lateral do Hotel- Cassino onde Hitchcock filmou Ladrão de Casaca: "é proibido proibir".
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