Seguidores

09 novembro 2007

Gosto de sangue e de cinema puro



O cinema dos Irmãos Coen é um cinema no qual a mise-en-scène tem predominância sobre a fábula, isto quer dizer: a narrativa se sobrepõe à história, sendo esta uma decorrência daquela ou, mesmo, em seus filmes, poder-se-ia dizer, como nos de Hitchcock, que o conteúdo é a forma. Incursionando por vários gêneros, os Coen – quem assina a direção é Joel, mas, na verdade, a criação é a quatro mãos com Ethan como parceiro indissociável – tendem a realizar uma releitura do chamado cinema de gênero em oposição ao cinema de autor. Embora seus últimos filmes (Matadores de velhinhas, E aí meu irmão, cadê você, O amor custa caro, entre outros) não possuam o vigor criativo daqueles realizados nos anos 80 e na primeira metade dos 90, Joel e Ethan Coen se situam ainda como um dos melhores cineastas do anêmico cinema contemporâneo, no qual é raro se achar um criador mais expressivo (sim, há um ou outro asiático, Almodovar, Lars von Trier, o maravilhoso Resnais de Medos privados em lugares públicos). As exceções confirmam a regra como o inabalável Clint Eastwood sempre com uma obra depurada e, às vezes, prima, a exemplo de Million Baby Dólar.

Thriller rigoroso, Blood simple focaliza um dono de bar do insípido Texas que desconfia que sua mulher (Frances MacDorman) o está traindo com um de seus empregados. Decide, então, para solucionar a dúvida atroz, contratar um detetive particular – interpretado pelo inexcedível M. Emmet Walsh – para seguir os seus passos. O truculento private eye confirma, com provas, as suspeitas do marido, que decide elaborar um novo plano para pegar os dois na ratoeira. O final é insólito. Quem está presente no elenco é Holly Hunter, que se destacaria, alguns anos depois, em O piano. MacDorman, atriz iniciante, teve rápida ascensão e chegou, inclusive, a ganhar um Oscar de melhor atriz por Fargo, outro grande filme da marca Coen.

As obras constituintes da expressão coeniana estão em Na roda da fortuna (um revival que remete a Frank Capra, principalmente, com pitadas de Billy Wilder), Barton Fink – Delírios de Hollywood, uma lúgubre descida aos infernos da parafernália da indústria do cinema, e Fargo, pelo rigor na descrição de uma cidadezinha interiorana dos EUA com influência sueca e o intenso nível de ironia empregado na narrativa. O que não quer dizer, com esta seleção do supra-sumo dos Coen, que os outros filmes não reservem toda uma atração e toda uma envolvência, ainda que, em grau menor, fiquem os derradeiros pequenos ante os primeiros.

Poucos os cineastas que não aderiram à estética MTV, à estética do vídeo clip, pois os filmes dessa maldita contemporaneidade são todos tesourados, picados, pela pressa de ver, pelo cansaço de se contemplar, pela agitação inócua tão característica da sociedade consumista contemporânea.

Gosto de sangue, que é de 1984, é o cinema que dá as cartas, ainda que com toda a sua carga virulenta. Mas um caráter insólito que é bom para o espectador e para a inteligência.

3 comentários:

Jonga Olivieri disse...

De toda a obra dos irmãos Coen, gosto demais de “Fargo”. Acho o melhor filme deles em todos os sentidos. Talvez porque, naturais de Minnesota, estivessem no cenário certo para a sua realização. Mas não se pode desprezar o citado “Gosto de sangue”, aliás o primeiro filme.
Já em “Ladykillers”, a comparação com o original inglês é inevitável, e, apesar de todos os esforços, o filme não chega aos pés do original de Alexander Mackendrick. Talvez falte o senso de humor britânico. Sem dúvida.
Aliás, como já me referi anteriormente neste blog, acho “remakes” muito difíceis de se igualarem aos seus originais, a não ser quando filmados pelo próprio diretor.
Quando você se refere a filmes “tesourados, picados, pela pressa de ver, pelo cansaço de se contemplar, pela agitação inócua tão característica da sociedade consumista contemporânea.”, concordo plenamente com a sua posição, pois o cinema (principalmente o estadunidense) está atravessando uma crise dramática que se resume a esta “tesourada” e ao uso excessivo e/ou abusivo da computação e dos efeitos de som. É um deslumbramento que chega a cansar. Ufa!

André Setaro disse...

Realmente não se pode comparar a versão dos Coen em relação a 'O quinteto da morte', de Mackendrick, obra-prima, emblemática mesmo, do humor britânico, com interpretação inexcedível de Alec Guinnes, Peter Sellers (no princípio de carreira), entre outros notáveis. Humor negro a toda prova, comédia que marcou época e que os Coen não souberam apreender o 'espírito', pois são americanos e estão fora da 'cultura inglêsa', que é toda especial. Já em 'Fargo', como bem disse Jonga, eles estão no seu 'habitat', bem à vontade para exercitar o seu tipo de humor, e o filme, realmente, é brilhante. Gosto mais, no entanto, de 'Na roda da fortuna'.

Saymon Nascimento disse...

Gosto muito também de Na Roda da Fortuna, que vi não tem muito tempo. Agora, só discordo de uma coisa. Não vi Matadores de Velhinha, mas não vejo esse desnível todo entre os filmes mais antigos deles e os recentes.

Esse O Amor Custa Caro, por exemplo, é uma pequena jóia de humor e homenagem às comédias ligeiras de Howard Hawks, um delírio nonsense afinadíssimo, com astros (Clooney e Zeta-Jones) que não estariam deslocados em 1942. Há diálogos soberbos no filme, de ritmo e métrica impecável.

O Homem Que Não Estava Lá, também, é um filme belíssimo, mais noir que o próprio noir, com roteiro perfeito, direção impressionante. Na minha opinião, é uns dos 3 melhores Coen.

Os outros dois seriam Barton Fink e Fargo, ou talvez Na Roda da Fortuna. DE qualquer jeito, a coerência em torno desse olhar dedicado ao passado do cinema é constante, sempre muito boa.