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25 outubro 2007

Obra insólita e de inusitada importância



Filme impressionante, O pântano (La cienaga), de Lucrecia Martel, que vem da Argentina e que me surpreendeu – não tive oportunidade de vê-lo nos cinemas e somente agora, em DVD, pude confirmar os tantos elogios que estava a receber. Martel é uma realizadora insólita, que surpreende, perturbando-nos, a mostrar a vida nos seus gestos mais insignificantes. Não há propriamente uma história para ser contada, mas o que se dá é um registro da existência, de seus momentos melancólicos, contemplativos, perdidos. É como se fosse, o filme, uma espécie de radiografia de um ambiente no qual residem pessoas sem perspectivas, desesperadas, apáticas. O que interessa está nas expressões, nos gestos e na própria monotonia. Martel consegue pegar instantes de vida com sua câmera. Espectadores, contemplamos o vazio das várias criaturas, mas a capacidade da realizadora em auscultar a vacuidade é que faz valer O pântano como algo sem paralelo no cinema contemporâneo. O ranger das cadeiras de ferro, ao redor da piscina, logo no início, e também no fim, é sinalizador de um trabalho de som aplicado à significação. O som (o ranger, ruído que aborrece, que atormenta) é usado, portanto, com genial aplicabilidade dentro do discurso cinematográfico a que se propõe Lucrecia Martel, porque é como se o ranger das cadeiras falasse e, com isso, proporciona quase o que vem a seguir. Ranger de pessoas maltratadas pela vida. Ranger de objetos. Estes, por exemplo, desde uma simples cuba de gelo, deixam de ser os objetos em si para se dimensionar diferentes na estrutura significante dessa obra-prima. Vou pegar um outro filme de Martel, que localizei numa locadora, Menina Santa. Deve ser tão estranho e tão bom como La cienaga.
Lucrecia Martel é esta aí, que está ao lado do texto. Mulher inteligente e, coisa rara, com faro de cineasta.

Um comentário:

Jonga Olivieri disse...

Gosto do novo cinema argentino, principalmete após a revigorada que sofreu após o Festival de Cinema Independente de Buenos Aires, criado pelo crítico cinematográfico Eduardo Antín e que tem realizadores como Pablo Trapero, Martín Rejtman ou o uruguaio Adrián Caetano e Lucrecia Martel, talvez a sua mais expressiva representante.
Nunca vi nenhum filme dela, embora tenha lido algo a seu respeito. Sei que "O pântano" foi o seu primeiro de dois longas.
Parece que fez alguns curtas e trabalhou com produções para TV.
Preciso ver. Correr atrás. Mas, a verdade é que de uns tempos para cá tenho me acomodado um pouco. O DVD ajuda (ou prejudica) muito neste sentido.
Quando alego que prejudica, é porque é mais fácil. Todavia me entristece a atitude individualista. Ler um livro, tudo bem, é algo solitário, introspectivo... mas o cinema deveria ser arte de massas. E a cada dia está ficando menos assim.
Outrossim, os hábitos de pipoca com refrigerante e celular estão tornando as “salinhas” insuportáveis. Que fazer?