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29 dezembro 2007

Feliz Ano Novo

2007, para mim, foi uma desgraça. Mas a vida continua. Claro que não vou relatar aqui meus problemas pessoais (domésticos, existenciais, e de saúde). Mas nem por isso, et pour cause, vou ficar a me lamentar, mas, au contraire, desejar a todos os que têm a coragem de ler estas mal traçadas um Ano Novo cheio de paz, tranquilidade, e, principalmente, bons e excelentes filmes. Talvez em 2008 venha a entrar para a famigerada Confraria dos Baixistas e, para isso, estou a equipar minha carroça, quero dizer, meu computador, que, a falar a verdade, não anda lá muito bem das pernas.
Salvador, onde me escondo da vida, não cresceu, mas ficou inchada. Não se pode mais transitar na urbis e tudo se concentra nos shoppings centers - e, nestes, tudo é igual em qualquer lugar do mundo. A Bahia, para mim, era o centro histórico, a Praça da Sé, a rua Chile, a rua Carlos Gomes, a Praça da Piedade, o Comércio, a Cidade Baixa. Morar no Jardim Apipema, onde moro, é morar em qualquer bairro de qualquer cidade brasileira. Assim como Itaigara e assemelhados. A chamada cultura baiana é uma cultura de aluguel, e se comparada a dos anos 50 e 60 patente está uma regressão cultural imensa. Um andar para trás. Não acredito, portanto, instalado o caos atual, que se possa, em 2008, andar para frente. Há, sim, neste Feliz Ano Novo do título do post um certo sabor amargo e irônico. Mas não se deve perder a esperança, não é mesmo?
O Carnaval, industrializado, excluiu o povo de sua folia. O espaço do asfalto, pelo menos, no point alto da folia momesca, se encontra reservado para a esbórnia dos camarotes de luxos e para os insuportáveis trios elétricos a conduzir uma fileira de blocos para os quais somente têm acesso quem compra um tal de abadá pelos olhos da cara. Conheço gente que compra seu abadá em prestações mensais, a pagar o ano todo, para poder sair nos famigerados blocos, e a venda começa, por incrível que pareça, logo na quarta de cinzas, quando os impertinentes ainda ficam a pular sem querer acreditar que o Carnaval acabou. Mas gostava do antigo Carnaval, quando se instalava no centro histórico, quando era mais harmonioso, mais romântico. Nostalgia? Talvez.
O pior é que, a morar perto do miolo da folia, estou condenado a presenciá-la. Sinto no ar a excitação das pessoas, animadas, barulhentes, deseducadas. E o Carnaval já se encontra às portas, pois no próximo ano vai começar no final de janeiro. Gostaria de estar em Marte.
A foto ao lado é do bloguista, antes de seu heart attack, quando reclamava de um bar a proibição de fumar.

A sensibilidade ganha a parada



Entre os filmes brasileiros, um dos que mais me sensibilizaram nos últimos tempos foi O ano em que meus pais saíram de férias, de Cao Hamburguer, mas, oh! dúvida cruel, penso que este filme foi lançado já no apagar das luzes de 2006. Em todo caso, elejo-o aqui como o maior de 2007, pois não o pude contemplar na época do lançamento e somente o vi pela primeira vez em DVD. Poderia, inclusive, colocar entre os melhores do ano, que, para mim, foram 4, e, com O ano em que meus pais saíram de férias seriam 5.
A revista eletrônica Contracampo oferece em janeiro uma relação bastante ampla dos filmes lançados para que se possa, a partir dela, escolher os dez melhores. Creio que a lista é sempre publicada em janeiro, mas de qualquer forma e de qualquer maneira, eis, aqui, o seu endereço eletrônico: http:www.contracampo.com.br
Em O ano em que maus pais saíram de férias, um garoto é, de repente, em 1970, com o auge da ditadura militar sob o chicote de Emílio Médici, anos de chumbo, e ano da grande Copa que deu ao Brasil o tricampeonato de futebol no México, levado para morar com seu avô (uma das últimas aparições de Paulo Autran) porque seus pais precisam sair de férias (na verdade foram presos pelos agentes da ditadura por causa de suas militâncias políticas). Filme de alta sensibilidade no colhimento da sensações desse garoto a enfrentar uma nova vida e uma nova situação.
Soledade, de João Moreira Salles, creio já ter falado aqui, é um ótimo documentário que, a pretexto de focalizar as idiossincrasias do antigo mordomo do pai do diretor, o banqueiro Walter Moreira Salles, realiza uma reflexão sobre o próprio ato de criar um documentário. E O baixio das bestas, vale pela visceralidade de Cláudio Assis e sua representação conceitual, a considerar que na sua descida ao inferno das criaturas desesperadas da Zona da Mata pernanbucana existe um rigoroso trabalho de câmera que se faz, por assim dizer, quase conceitual.
E Tropa de elite, de José Padilha, provocou um estardalhaço tão grande que veio a ofuscar os outros filmes brasileiros.

28 dezembro 2007

Dois mais dois é igual a cinco



Faltam poucos dias para 2007 ir embora. Tudo, no entanto, não passa de mera convenção. Geralmente, no fim de ano, as pessoas, como as empresas, se fecham para balanço. Os comentaristas cinematográficos publicam suas listas, revistam o ano que passou. Segundo observeu Romero Azevedo, em comentário neste blog, o critério, com o advento das novas tecnologias, deve ser mudado. Com a possibilidade de se baixar qualquer filme na internet, a haver, inclusive, para tal, uma famigerada Confraria dos baixistas, não existe mais o referencial antigo da escolha dos melhores que estava pautado na seleção dos filmes lançados nas capitais. A levar em conta ainda este sistema de referência é de ver que o universo fílmico fica muito limitado. Azevedo chega a propor que a referência seja a Mostra Internacional de São Paulo organizada há mais de trinta anos por Leon Cakoff. Nesta caso, os melhores estariam condenados a serem apreciados apenas por um elite. O fato é que o sistema de escolha dos melhores do ano deve ser pensado e encontrada uma solução que seja mais abrangente e menos elitista.
Enquanto isso fico por aqui, a contemplar este bonito quadro de Miró.

27 dezembro 2007

...E o vento levou em 2007

Roubei esta bela imagem em preto e branco de Ingmar Bergman, que a Implacável o levou em meados deste ano que ora se finda, do excelente blog Sela de Prata, de Marcos A. Felipe. Torço para que não seja processado.
Mas na internet o roubo de imagens é coisa institucionalizada, sem, entrar, com esta afirmação, em juízo de valor.
Outro grande que partiu foi Michelangelo Antonioni. Mas quem morre perto dos 90, assim creio, viveu bem e morreu bem. Feliz estarei se passar dos 70. Todo homem tem que morrer um dia. Paulo Autran, por exemplo, o nosso grande artista do proscênio, fumou tudo o que quis e, mesmo assim, terminou seus dias aos 85. Lembro-me que uma vez, no Roda Viva, convidado, aceitou com uma condição: fumar seu cigarinho durante a entrevista. Na semana anterior, tinha sido entrevistada Maria da Conceição Tavares, que ficou nervosa porque não podia fumar. E disse isso no ar. Mas Autran, e fez muito bem, impôs logo a sua condição de fumante. Não estou a fazer, aqui, apologia ao tabaco, mas detesto, abomino mesmo, a psicose antitabagista que se espalhou pelo mundo. Quem fuma deve ter a sua liberdade respeitada. E merda (no sentido chulo) para os politicamente corretos! E outra merde (mas esta no sentido francês de sucesso para os atores que entram no palco e, neste caso aqui, o palco de 2008).

Das agruras do cinema baiano




Digo já e logo que a foto ao lado é da Chapada Diamantina, em Lençóis, interior da Bahia, locação de Cascalho, de Tuna Espinheira, ao qual passo, aqui, a palavra, para falar das agruras pelas quais passa a fim de conseguir colocar o imprescinídvel Dolby Stereo para poder comercializar o seu filme. Bom de copo, desses que quando começam a beber uma cervejinha vão até o limite da irresponsabilidade, Espinheira é cineasta há mais de 30 anos e o conheço mais ou menos desta época. Autor de uma porção de curtas, muitos deles premiados, em Cascalho experimenta o longametragista a se apoiar no livro homônimo de Herberto Salles, que, antes de morrer, lhe deu, expressamente, via papel assinado, autorização para fazer a transfer dos signos verbais para os signos icônicos. No elenco, Othon Bastos, Wilson Mello, Gildásio Leite, Irving São Paulo, e o cenário, belíssimo, da Chapada Diamantina. O filme é de época e se desenrola na década de 30. Abrindo as necessárias aspas, passo a palavra ao velho Tuna:

"Durante todo o ano de 2007, desenvolvemos uma luta feroz, com lances de desabridos pedidos de SOS. Fizemos correr o chapéu. Tentamos, em vão, sensibilizar a representação regional da Petrobrás, editais municipais, outros descaminhos, etc. etc. À beira de recorrer às mensagens engarrafadas atiradas ao mar, eis que, conseguimos aprovação no Fundo de Cultura, FCBA, em licitação pública. O que veio a representar a indefectível taboa da salvação, mesmo tendo sido o orçamento guilhotinado em mais de um terço do seu valor original. Enxergaram gordura, onde havia apenas pele e osso. Era pegar ou largar, não polemizamos, não deixamos afetar o humor. Bola pra frente.


Estamos falando aqui da saga do filme, CASCALHO, no objetivo, indômito, voltado para conseguir a finalização sonora no sistema Dolby Digital – 5.1. Esta roupagem técnica é imprescindível para o acesso ao escurinho do cinema comercial. Mais de noventa por cento das salas exibidoras estão aparelhadas com o sistema citado, 5.1. Explica-se aí, a persistência, e a vergonha, deixada um pouco de lado, para não morrer na praia.


A arte cinematográfica jamais teve vocação para a clandestinidade, precisa do púbico, principalmente, quando possível, ter alguma empatia, com este precioso público, para o qual ele foi feito. Não podemos perder de vista a ajuda da imprensa local, nosso filme, em colunas diversas, foi lembrado e registrado, na sua condição vexatória, de impedido de participar do mercado nas salas de cinema. O, então colunista, do Jornal A Tarde, Vitor Hugo Soares, em pelo menos, quatro de suas crônicas, publicadas aos sábados, fez referencias contundentes à situação de vida e morte da fita que estamos falando.


Para um melhor esclarecimento do leitor, no sentido de dirimir a impressão de ser este texto uma arenga puramente particular, sem eira nem beira para o interesse do conhecimento público, temos a dizer que, o filme, CASCALHO, baseado no clássico da literatura brasileira, do mesmo nome, de Herberto Sales, ganhou, em licitação pública, o concurso de roteiros, denominado Fernando Coni Campos, instituído pelos Governo do Estado da Bahia, é, portanto, um filme genuinamente baiano, produzido com dinheiro do erário público, todo rodado nas Lavras Diamantinas, no município de Andaraí. Mais de oitenta por cento dos técnicos e atores representam a mais polida prata da casa.


Queremos também deixar claro que, sabíamos todo o tempo, da dureza de uma caminhada franciscana. Tratava-se de um filme de baixo orçamento. Cutucamos o impossível com vara curta. Estamos escrevendo para comunicar e comemorar: Habemos filme!!! Pronto para adentrar no escurinho do cinema. Pronto para caminhar com suas próprias pernas.
Resta agora, torcer para que, com a benção da Corte Celeste e o Axé dos Orixás, CASCALHO, possa vir conquistar, alguma que seja, a empatia com o espectadores. Como cada cabeça é um mundo. Esperar, daqueles que lhe torcerem o nariz, pelo menos, também desejarem que a terra lhe seja leve."
tunaespinheira@terra.com.br

26 dezembro 2007

O céu que nos protege



Sim, sei que o Bertolucci mais considerado é O conformista, e, para outros, Antes da revolução (Prima della rivoluzione). Sei também que O céu que nos protege (The sheltering sky, 1990) não é tão citado como deveria e muitos até o desconhecem. Mas para mim é o maior filme de Bernardo Bertolucci.
Aliás, quando da morte simultânea de Bergman e Antonioni, cheguei a dizer que o cinema tinha morrido, a me lembrar, com esforço, de algum realizador notável ainda a restar na face da Terra. Alain Resnais e Jean-Luc Godard foram os dois que a memória conseguiu lembrar, ainda que o segundo seja insuportável em seus últimos filmes. Mas coloco aqui o nome de Bernardo Bertolucci, realizador admirável, com profundo sentido de mise-en-scène.
Que se veja, por exemplo, a abertura com os créditos de The sheltering sky, montagem de arquivos de filmes que mostram a vida urbana dos anos 50 nos Estados Unidos com uma partitura que revela uma música a ser exercutada por um pianista. A união dessa partitura com a montagem das imagens de arquivo é extraordinária. Para iniciar um filme que se passa na África. É bem verdade que a ação transcorre em 1947.
A iluminação é de um artista: Vittorio Storaro. Uma lição de fotografia cinematográfia. A luz é determinante na composição da estrutura audiovisual de The sheltering sky. Como uma obra-prima como esta pôde ser ignorada pela crítica? Ou, se não ignorada, não mereceu, no entanto, os loiros devidos a um trabalho de mestre, a uma obra de mestre. Bertolucci é, realmente, um cineasta fora de série e acima da média. Estou a esperar para rever O pequeno Buda.
Mesmo em seus filmes menores, a exemplo de A tragédia de um homem ridículo (La tragedia de un uomo ridiculo), com Ugo Tognazzi, há sempre um touch especial, uma maneira particular de postar em cena. Aquele baile no final de O conformista é magnífico - creio que Bertô se inspirou na dança de Cinzas de diamantes, de Wajda. Mas isso não tem importância.
Mas no momento o que mais me fascina Bernardo Bertolucci é The sheltering sky.

Cristo nasceu em Éboli



Para se fazer uma lista dos melhores do ano, e assim foi durante mais de três décadas, havia de se escolher entre os filmes lançados na sua capital durante o ano. Possa ser que, agora, com a revolução tecnológica, com o advento da Confraria dos Baixistas, a disponibilidade de títulos raros em DVD, a coisa tenha mudado. Homero Azevedo, professor de cinema da Paraíba, acha, inclusive, que uma lista de melhores pode absorver, a considerar as mudanças dos últimos anos, até filmes do século passado. Ele, por exemplo, por ter visto apenas em 2007 A malvada (All about Eve, 1950), de Joseph L. Mankiewicz, considerou este um dos melhores e o incluiu em sua lista.

Ainda continuo no critério secular: a lista dos melhores do ano tem que obedecer a certos critérios, isto quer dizer: escolhe-se para ela apenas os filmes que foram lançados na capital de seu estado durante o ano em questão. Há casos, por exemplo, de um filme velho se inserir numa relação. Antes da revolução (Prima della rivoluzione, 1963) estava inédito no Brasil até 1998, por algumas dessas injunções incompreensíveis do atilado mercado exibidor. Filme do grande Bernardo Bertolucci (estou a rever o seu deslumbrante e hipnótico O céu que nos protege (The sheltering sky), Prima della rivoluzione foi considerado, em várias listas, um dos melhores do ano de 1998, embora obra produzida em 1963. Assim também aconteceu com O criado (The servant, 1963), de Joseph Losey, obra de mestre, que estava inédita no Brasil até que o Cinema 1 (exibidora e distribuidora), de Alberto Shatovsky, trouxe-a para o Brasil em 75 ou 76.

Uma lista que se quer pernóstica, postada nos comentários deste blog, apresenta uma relação na qual a maioria é inédita no Brasil, a ferir, com isso, os critérios mínimos para a feitura de uma lista para ser dada à imprensa. Claro, se for uma listinha de fanático, tudo bem. Que a faça como quiser. E eu mesmo, após o esclarecimento de Saymon Nascimento, vi que troquei alhos com bugalhos. Em busca da vida é chinês e não coreano como a minha ignorância dizera. Mas o fato é que a vida é assim mesmo: com altos e baixos.

Dos nacionais, acredito que o melhor filme do ano tenha sido Santiago, de João Moreira Salles. Documentário sobre o mordomo de seus pais, mas, também, uma reflexão sobre o próprio documentário cinematográfico e o ato de fazer cinema, Santiago é surpreendente pela maneira com que Moreira Salles estabelece o seu discurso cinematográfico. E Tropa de elite, concorde-se ou não com a sua postura, constituiu-se num fenômeno ainda a ser devidamente analisado. E, também um autor sem meio termo, que se gosta ou se detesta, porque muito visceral, Cláudio Assis com O baixio das bestas dá prosseguimento a uma estética do andar de baixo.

A imagem do post não é de filme nenhum. Mas, e apenas, ilustrativa.

25 dezembro 2007

Bloguista que é cinéfilo desatualizado

Comentarista de cinema desde 1974, com uma coluna diária em jornal soteropolitano, faço, há mais de 30 anos, todo fim de ano, a indefectível lista dos melhores. Neste período, via TODOS os filmes lançados em Salvador, mas, nos últimos anos, devo confessar, fiquei mais seletivo, mais preguiçoso, menos assíduo aos cinemas. Não sou mais um acompanhante de lançamentos, um cinéfilo constante e total. Talvez a desilusão com a mediocridade do cinema contemporâneo seja o motivo dessa minha opção pela seleção. Mas vejo, sim, os filmes marcantes, as obras que penso que possam merecer atenção. Assisto a muitos filmes em DVD, principalmente aqueles de minha predileção. Neste particular, podem me chamar de desatualizado, porque é verdade.
Como disse Sérgio Andrade, Medos privados em lugares públicos, de Alain Resnais, é uma reflexão amarga sobre a solidão e, creio, o filme mais importante do ano. Na foto, Sabine Azema e Pierre Arditi no grande filme do autor de Hiroshima, mon amour.

E leiam-me no Terra Magazine: http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI2174095-EI6791,00.html


23 dezembro 2007

Onde se encontram os melhores do ano?



Há uma decadência imensa na qualidade dos filmes que estão sendo lançados nos últimos anos. Nos anos 60, para se ficar apenas nesta década, a tarefa do crítico ou comentarista de selecionar os 10 melhores do ano era árdua, pois existiam 20, 30, e a triagem se fazia dolorosa. Atualmente a situação se inveteu: é muito difícil se achar uma dezena de filmes que possam ser considerados os melhores do ano. Por exemplo: A rainha, de Stephen Frears, com Helen Mirren, é um bom filme, mas não dá para contemplá-lo entre os eleitos de uma lista na qual somente deveria caber obras extraordinárias. É o que acontecia antigamente, quando os dez melhores eram dez obras-primas. A considerar o que se está aqui a dizer, não se acha o blogueiro em condições de, neste ano que ora se finda, fazer a relação.

A procurar agulha no palheiro, creio que apenas quatro filmes podem figurar numa lista dos melhores do ano. Vale notar que a distância entre o primeiro e os outros, por exemplo, é imensa. A ordem é de importância, sim!

1-) Medos privados em lugares públicos (Coeurs), de Alain Resnais. Disparado, o melhor filme do ano. O único, por assim dizer, grande filme do ano.

2-) As cartas de Iwo Jima (The letters from Iwo Jima), de Clint Eastwood.

3-) Possuídos (Bug), de William Friedkin.

4-) O império do sonho (Inland empire), de David Lynch

Resnais é, talvez, o último grande cineasta vivo. Eastwood herda a tradição do grande segredo do cinema americano dotado de uma narrativa quase muscular. Friedkin é surpreendente a cada tomada, a cada take, e Lynch faz descondicionar os termos da fabulação no cinema.

Clique na imagem para vê-la ampliada.

19 dezembro 2007

Beija-me, idiota!



Estou de mal com o Telecine Cult (sou assinante desde 2.000 da rede). A causa, já a disse aqui várias vezes. É que este canal híbrido atenta, criminosamente, contra a integridade da obra cinematográfica quando exibe - e exibe sempre - filmes originariamente realizados em lente anamórfica na abominável e deformante tela cheia (full screen). Nunca é demais repetir isso. Domingo passado, dia no qual vi no canal o belíssimo Tokyio-Ga, de tarde passou Beija-me idiota (Kiss me stupid, 1963), de Billy Wilder, mas, ao ligar o aparelho, vi, estupefato, que estava sendo apresentado completamente deformado, pois o filme, em cinemascope, mostrava-se na tela cheia. Tive que desligar incontinenti, pois, afinal de contas, gosto de cinema. Mas vi esta preciosa comédia há muitas décadas na tela grande dos cinemas e a revi, antes do surgimento do Cult, no Classic, com a preservação de seu enquadramento original. Gravei, na ocasião, em VHS, mas emprestei a cópia a um amigo e lá se foi ela. O filme, com a imagem deformada, vai ser exibido no mês de janeiro no Cult em duas ocasiões: no dia 25 de janeiro, às 14 horas e 5 minutos, e no dia 27, às 10 da manhã e 45 minutos. Sei que Marcelo Janot, o excelente comentarista do Cult, não pode dar jeito nisso, interferir na programação ou solicitar o respeito pela intergridade da obra cinematográfica. No comentário abaixo falo como se estivesse em 2.003 porque o texto foi escrito nesta época, quando revi o filme no Classic. Vou deixá-lo no seu tempo. Sem mexer. O que não aconteceu com a rede Telecine, que, agora, espichou o filme, deformando-o.
Comédia sobre a inversão de papéis na representação da hipocrisia social, e a dialética do ser e da aparência, com uma visão ácida do american way of life, Beija-me Idiota (Kiss Me, Stupid, 1963), de Billy Wilder, ainda que tenha na sua fonte primária uma peça de teatro, L’Ora della Fantasia, de Anna Bonacci, possui, no entanto, um ritmo frenético e envolvente por causa da ourivesaria do roteiro do parceiro de Wilder, I. A.L. Diamond, composto a quatro mãos com o realizador, embora este não coloque sua firma no screenplay. Se Wilder, antes, na sua filmografia, já tinha atacado o mal estar do capitalismo (Se Meu Apartamento Falasse/The Apartment, 1960, entre outros), é, porém, em Kiss Me, Stupid que sua crítica se faz mais visceral. O filme, quando lançado na primeira metade dos anos 60, foi atacado pelos moralistas e proibido em alguns estados da América do Norte. E, apesar de distribuído pela United Artists no mundo inteiro, não contou com verba publicitária, a passar despercebido em muitos lugares. A virulência do olhar wilderiano sobre certas idiossincrasias da sociedade americana chocou os mais conservadores e arautos do establishment. A observar, entretanto, que se, na época de sua estréia, foi motivo de restrições absolutas pelas ligas de decências, atualmente é servido pelo Telecine Classic em plena noite de Natal como presente de fim de ano. É bom de ver que, neste ocaso de 2003, o filme completa exatas quatro décadas. E o mundo, indiscutivelmente, mudou. Mas a permanência das observações contidas em Kiss Me, Stupid continuam atuais, considerando-se que a mentalidade dos retratos é a mesma seja em 1963, seja em 2004. O que mudou foi a instauração da apatia na recepção num mundo em desagregação que já não se importa mais pela preservação nem mesmo de sua antiga hipocrisia.

Wilder dá início a esta comédia-demolição com uma panorâmica na qual mostra um plano geral de um teatro que anuncia o cantor Dino (Dean Martin) enquanto os letreiros vão sendo retirados a denotar, com isso, a despedida do artista. E no plano a seguir, com a música envolvente de Gershwin, Dino está no palco, meio bêbado, intercalando a canção com suas piadas características. Os créditos se anunciam neste frenesi e continuam na viagem que o cantor, saindo furtivamente para fugir das mulheres, inicia em direção a Hollywood onde, diz, vai fazer um filme com Frank Sinatra e sua turma. Mas um incidente, no meio do caminho, determina-lhe um outro itinerário para chegar a seu destino, obrigando-lhe a passar por várias cidades interioranas. Numa destas, Clímax, de poucos habitantes e cheia de preconceitos – tão diferente da visão edulcorada de uma cidadezinha americana apresenta em Cine Majestic, de Frank Darabont, Dino pára num posto de gasolina para abastecer seu carro, onde é atendido pela frentista Barry (Cliff Osmond – que sempre trabalha com Wilder e em Irma, la douce faz o guarda que recebe o dinheiro ao colocar o chapéu, logo no princípio, no bar de Moustache). Em Climax, mora um compositor e professor de piano, Orville Jeremiah Spooner (Ray Walston), parceiro de Barney em muitas músicas, casado com Zelda (Felicia Farr, esposa, na época de Jack Lemmon), apaixonada, desde criança, por Dino, e que tem todos os seus discos em casa. Mas Orville e Barney sonham que um dia suas músicas sejam reconhecidas e consigam sair do anonimato. Assim, a presença de Dino no posto de gasolina acende a chama da ambição de Barney, que danifica o motor do carro de Dino a fim de que ele fique retido em Clímax e vir a conhecer as músicas da dupla.

A solução encontrada pela mente fervilhante do gordo Barney é fazer com que Dino passe a noite na casa de Orville, mas este, que morre de ciúmes infundados da mulher, precisa arranjar um jeito de pô-la para fora por uma noite. Dino, insaciável quando se trata do sexo feminino, diz que não pode deixar de ter uma companhia, e, para satisfazê-lo, o plano de Barney inclui a vinda de uma prostituta, Polly, the pistol (Kim Novak, magnífica), que trabalha num bar/prostíbulo O Umbigo, cujo cartaz anuncia desde logo: “Entre e se perca”. Orville consegue brigar com a mulher e ela vai para a casa da mãe. Barney traz Polly, que representa, para Dino, ser a esposa de Orville. A troca de identidade, porém, não funciona, pois Polly, apesar de prostituta, uma profissional paga para um trabalho específico, qual seja o de dormir com Dino como se fosse a mulher de Orville, se enternece por este e não mostra o menor interesse pelo cantor. As coisas se complicam. Polly mostra que seria uma excelente dona de casa. E Zelda, saindo da casa dos pais, acaba indo tomar um porre no Umbigo.

O que interessa na verdade é que Wilder demonstra pela comédia que uma dona de casa típica americana pode ter uma mente prostituída – como, geralmente, muitas das donas de casa do mundo inteiro cujas fantasias são incontáveis, enquanto uma prostituta pode ser uma mulher pura e mais adequada ao lar. A comédia se desenvolve na base de uma ironia constante cujos atributos não se devem apenas a Wilder, mas, também, ao roteiro imaginoso de Diamond, que consegue driblar o peso teatral do argumento em função de uma transmissão deste através dos procedimentos cinematográficos. É neste particular que a direção de Wilder entra em campo ao conferir aos seus enquadramentos um sentido de equilíbrio e ritmo extraordinários. Este realizador sabe construir seu filme de tal maneira que o corte se anuncia como um atendimento à expectativa do espectador.

O imaginário de certas pessoas interioranas dos Estados Unidos, como Zelma, a mulher de Orville, que é a presidente do fã-clube de Dino, é uma representação das idiossincrasias de uma sociedade na qual o que importa mesmo é o sucesso a qualquer custo. Daí certo cinismo no final, a recusa de um happy-end, e a manutenção do status quo anterior, ainda que se possa pensar no desenlace diferente.

Entram na composição da excelência do espetáculo, além da direção de Wilder e do roteiro de Diamond, a funcional iluminação em preto e branco de Joseph La Shelle – fotógrafo preferido, em cinemascope, capaz de dar a Clímax um tom cinzento e a tela larga é sabiamente utilizada no deslocamento dos atores no espaço, facilitando o trabalho da câmera, a partitura musical de André Previn que utiliza clássicos da música como alguns dos compositores George e Ira Gershwin. E o elenco afinado, bem wilderiano, como o citado Cliff Osmand, que faz Barney, Ray Walston, Dean Martin e Felicia Farr. E inexcedível está Kim Novak num papel diferente, perfeitamente à vontade, blasé, principalmente para quem a imagina como a Madeleine de Scott na obra-prima Um Corpo Que Cai (Vertigo), de Alfred Hitchcock.

17 dezembro 2007

Ozu é o sublime, o absoluto e o humano



A imagem de um momento sublime (todos os momentos dos filmes de Ozu são sublimes) de Era uma vez em Tóquio (Tokyo Monogatari, 1953), que ficou conhecido, no Brasil, também pelo título de Histórias de Tóquio. Há, na cidade de Salvador, talvez o maior acontecimento do ano em termos cinematográficos: a retrospectiva, desde ontem na Sala Walter da Silveira, abençoada pelo Consulado do Japão, de Yasujiro Ozu. A programação completa, dou-a em post abaixo. É, ainda que expressão maltratada e lugar comum, mas que, aqui, se aplica à perfeição: imperdível.
Penso que um filme como Tokyo monogatari é para se assistir de joelhos apoiados em milhos como ato de adoração de um monumento do gênero humano. Creio, também, que um filme como Era uma vez em Tóquio deveria estar sempre em cartaz ou, melhor, programado ad infinitum num determinado cinema de cada cidade, de cada vila, de cada povoado - se, por acaso, existam, nestes, salas exibidoras.
Penso que Yasujiro Ozu é, mais do que um grande cineasta, um grande humanista, um grande pensador. Que acontecimento maior do que uma retrospectiva de alguns de seus filmes fundamentais poderia haver nesta velha soterópolis? A miséria cultural baiana de há muito foi lançada. Ozu é um momento de salvação, de olhar para outro mundo como se numa espécie ato de contrição.
Clique na foto que ela se amplia e possibilita uma melhor visão desse enquadramento de um mestre do cinema.

16 dezembro 2007


O mistério de Yasujiro Ozu




Nunca tinha visto Tokyo ga, de Wim Wenders, mesmo porque inédito nos cinemas brasileiros e, pelo que saiba, não tem cópia em DVD nem em VHS. O Telecine Cult, hoje, domingo, deu-me um grande presente com a sua exibição. Assinante desde o ano 2.000, andava aborrecido com os atentatos promovidos pelo Cult, que substituiu o Classic, há exatos dois anos, porque está a passar, em tela cheia (full screen), os filmes originariamente realizados em lente anamórfica (cinemascope) - hoje mesmo Beija-me idiota (Kiss me stupid), que na era do Classic passou na sua integridade anamórfica, foi exibido totalmente espichado e desfigurado a ponto de não poder tê-lo revisto.
Mas se o filme não é originariamente em cinemascope, verdade seja dita, o Cult está com uma programação excelente - mas, repita-se, somente se aplica aos filmes não anamórficos. As retrospectivas de Kieslowski, há algum tempo, a de Chaplin, entre outras preciosidades, com obras inexistentes em DVD, como a da mostra dedicada a Wim Wenders, são exemplos da excelente grade programativa do Cult. E a maioria dos filmes importantes apresentados tem comentários pertinentes e esclarecedores de Marcelo Janot, crítico cujo poder de síntese é brilhante.
Mas ia a falar de Tokyo Ga. Em primeiro lugar, tenho especial fascínio pelo Japão e, particularmente, pelo cinema nipônico, que vejo desde adolescente, a admirar não somente Akira Kurosawa, mas, também, Yasujiro Ozu, Masaki Kobayashi, Kaneto Shindo, Kenzi Mizoguchi, Shohei Imamura, entre tantos. Tokyo Ga é um documentário que faz uma homenagem a Ozu. Wenders, a narrar em primeira pessoa, diz que existe um tesouro muito precioso na história do cinema que se encontra nos filmes de Ozu, porque, antes de tudo, um cineasta capaz de apreender a vida em seus momentos cotidianos com uma habilidade e um humanismo impressionantes.
É bem verdade que Histórias de Tóquio é um dos maiores filmes que já vi na minha trajetória existencial. Wenders vai ao Japão em 1983, vinte anos depois da morte de Ozu, que faleceu em 1963, para ver se encontra algum vestígio na grande cidade da humanidade registrada nos filmes do realizador japonês. Segundo Wenders, é o que de mais precioso viu no cinema. Em Tóquio, no alto de um edifício, Wenders documenta um gigantesco campo de golfe no qual as bolas não são destinadas a nenhum buraco. O que importa é o ato de jogar. Também registra em imagens a confecção de pratos com comida de cêra para a vitrine de um restaurante. E assim por diante. Encontra com seu colega Werner Herzog no alto de um prédio. Herzog diz que é difícil se captar, hoje, no mundo, qualquer imagem humana e que é preciso se sair da Terra para encontrá-la. Mas o ponto alto de Tokyo Ga é o encontro de Wenders com o ator principal de Ozu, e, principalmente, com o operador de câmera do grande realizador, um homem que passou a vida inteira dedicada a registrar as imagens em movimento para o seu mestre Yasujiro Ozu. A câmera de Ozu ficava sempre quase ao chão, montada em tripé diminuto, a fim de enquadrar os personagens conforme a visão de uma pessoa sentada no chão, como é hábito e costume das casas nipônicas tradicionais, da cultura japonêsa antes de se transfigurar e se descaracterizar com a ocidentalização de Tóquio - neste particular há um momento em que Wenders visita a Dysnelândia do Japão com os jovens a macaquear o ritmo americano de vestir e de dançar.
Yuuharu Atsuta é o diretor de fotografia que dá um depoimento comovente sobre Ozu. Trabalhou com o mestre japonês primeiro como assistente de câmera e depois veio a ser o principal operador, o diretor de fotografia do realizador de Histórias de Tóquio, o seu principal iluminador. Uma vez, conta, ao filmar em ambiente hospitalar um personagem doente que morre, Atsuta, sem consultar Ozu, encheu o enquadramento da cama do enfermo de luz, como se o sol estivesse dentro do hospital a iluminar o homem terminal. Ozu ouviu de Atsuta a idéia e não disse nada. Deixou-o filmar assim mesmo. Segundo Atsuta, melhor homenagem a ele não poderia haver. O ator e o operador de câmera, entrevistados por Wim Wenders, mostram uma veneração, uma idolatria, por Yasujiro Ozu, como se fosse um rei (Atsuta), um Deus. Há uma nítida mistificação do diretor em relação a seus colaboradores.
Por falar em Ozu, um presente está reservado aos amantes do bom cinema na Sala Walter da Silveira com a mostra desse realizador nipônico que começou ontem. Transcrevo aqui as notas que me foram enviadas:
"Ciclo reúne obras-primas de Yasujiro Ozu
Com o apoio do Consulado Geral do Japão (Recife), mostra exibe os principais filmes do grande cineasta japonês, de 16 a 20 de dezembro, na Sala Walter da Silveira.

O cinema do japonês Yasujiro Ozu é o presente de fim de ano da Sala Walter da Silveira para os cinéfilos baianos. Com o apoio do Consulado Geral do Japão- Recife e da representação consular honorária em Salvador, o ciclo O Encanto de Ozu reúne na Sala Walter da Silveira, de 16 a 20 de dezembro, as principais obras do cineasta nipônico, sempre com entrada franca. O evento se antecipa às comemorações pelos 100 anos da imigração japonesa no Brasil, a ser festejado em 2008, com várias mostras de filmes e homenagens a realizadores como Akira Kurosawa e Eizo Sugawa.
Sobre o cineasta - Yasujiro Ozu, nasceu em Tóquio, no dia 12 de Dezembro de 1903. Filho de um comerciante de adubo, foi educado num colégio interno em Matsusaka, não tendo sido um aluno particularmente bem sucedido. Desde cedo se interessou pelo cinema, aproveitando o tempo para ver o máximo de filmes que podia. Trabalhou por um breve período como professor, antes de voltar para Tóquio em 1923, onde se juntou à Companhia cinematográfica Shochiku. Trabalhou, inicialmente, como assistente de fotografia e de realização. Três anos depois, dirigiu o seu primeiro filme, Zange no yaiba (A espada da penitência), um filme histórico, em 1927. Os cinéfilos em geral indicam como primeiro filme importante Rakudai wa shita keredo (Reprovei, mas... - tradução do título em inglês), de 1930. Realizou mais 53 filmes - 26 dos quais nos seus primeiros cinco anos como realizador e todos, menos 3, para os estúdios Shochiku.Em Julho de 1937, numa altura em que os estúdios demonstravam algum descontentamento com o insucesso comercial dos filmes de Ozu, apesar dos louvores e prêmios com que a crítica o celebrava, é recrutado como cabo de infantaria, aos 34 anos, para o exército japonês, na China, durante dois anos. A sua experiência militar leva-o a escrever um extenso diário onde se inspirará mais tarde para escrever roteiros cinematográficos. O primeiro filme realizado por Ozu ao regressar, Toda-ke no Kyodai (Os irmãos da família Toda, 1941), foi um sucesso de bilheteira e de crítica. Em 1943 foi, de novo, alistado no exército para realizar um filme de propaganda em Burma. Em vez disso, porém, foi enviado para Singapura onde passou grande parte do seu tempo a ver filmes norte-americanos confiscados pelo exército.Ozu começou por realizar comédias, originais no seu estilo, antes de se dedicar a obras com maiores preocupações sociais na década de 1930, principalmente ao focar dramas familiares (gênero próprio do cinema japonês, chamado "Gendai-Geki"). Outros temas caros ao mestre japonês são a velhice, o conflito entre gerações, a nostalgia, a solidão e inevitabilidade da decadência, como se verifica, de imediato, nos títulos dos seus filmes que evocam o passar do tempo: é comum que os seus filmes terminem num local ou numa situação diretamente ligada com o início, acentuando o carácter temporal "circular" (como as estações do ano ou a alternância das marés) destas obras.Trabalhou freqüentemente com o roteirista Kogo Noda; entre outros colaboradores regulares contam-se o director de fotografia Yuharu Atsuta e os atores Chishu Ryu e Setsuko Hara. Os seus filmes começaram a ter uma recepção mais favorável a partir do final da década de 1940, com filmes como Banshun (Pai e filha, 1949), Tokyo monogatari (Era uma vez em Tóquio, 1953), considerado a sua obra prima, e Ukigusa (Ervas flutuantes, 1959) e Akibiyori (Dia de Outono, 1960). O seu último filme foi Sanma no aji (A rotina tem seu encanto, 1962). Ouz morreu de câncer no seu 60º aniversário e foi sepultado no templo de Engaku-ji em Kamakura.
A entrada é franca pessoal!
Programação
Dia 16/12Às 15h e 17h30
Filho único (Hitori Musuko, Japão, 1936, P&B, 87min) – Legendas em português
Direção: Yasujiro Ozu
Elenco: Chishu Ryu, Kazuo Kojima, Tomoko Naniwa, Masao HayamaSinopse - Primeiro filme falado de Ozu. Mãe solteira, operária de uma fábrica, sofre para conseguir criar o filho. Anos depois, ele muda para Tóquio para cursar medicina. Após se formar, sua mãe resolve visitá-lo e espera testemunhar seu sucesso.
Às 20h
Coral de Tóquio (Tokyo Chorus, Japão, 1931, P&B, 90 min) Legendas em espanhol
Direção:
Yasujiro Ozu
Elenco: Tokihiko Okada, Emiko Yagumo, Hideo Sugawara, Hideko TakamineSinopse - Comédia sobre o desemprego que mostra o cotidiano de um casal e seus filhos. Okajima desafia o patrão, um homem autoritário e impulsivo, por discordar da demissão de um colega. Ele é despedido sumariamente e engrossa o enorme contingente de desempregados da época. Para comprar comida, vende os quimonos da mulher. Depois de vários percalços, tem uma nova oportunidade com um antigo professor, agora proprietário de um restaurante, que lhe oferece um emprego temporário para carregar placas de anúncios pela rua. Oakajima doma seu orgulho, aceita a proposta e a vida da família se normaliza.
Dia 17/12Às 15h
As Irmãs Munekata (Munakata Shimai , Japão, 1950, P&B, 112 minutos) Legendas em espanhol.Direção: Yasujiro Ozu.
Elenco: Chishu Ryu, Tatsuo Saito, Hideko Takamine.Legendas em espanhol.
Sinopse – Setsuko é casada com Mimura, um homem doente e que sofre de alcoolismo. Ganha vida, com muita dificuldade, gerindo um bar. Hiroshi, um antiquário, há muito enamorado de Setsuko, propõe-se a ajudá-la. O que Hiroshi não sabe é que Mariko, irmã de Setsuko, também é apaixonada por ele. E este não será o único obstáculo ao amor dos dois...
Às 17h30 e 20h
Pai e filha (Banshun, Japão, 1949, cor, 108 min) - Legendas em português
Direção: Yasujiro Ozu
Elenco: Chishu Ryu, Setsuko Hara, Yumeji Tsukioka, Haruko SugimuraSinopse - Jovem vive com seu pai e a família se preocupa com a possibilidade de que ela perca a chance de se casar por causa dele. Preocupado com isso, o viúvo Somiya finge estar se casando novamente para evitar que a filha fique solteira.
Dia 18/12
Às 15h e 20h
Ervas Flutuantes (Ukigusa , Japão ,1959, cor, 119 min) -Legendas em espanhol
Direção: Yasujiro Ozu.
Elenco: Ganjiro Nakamura, Machiko Kyô, Ayako Wakao.
Sinopse – Um trupe de atores ambulantes chega a uma pequena cidade do litoral. O intuito secreto do líder da companhia é encontrar-se com seu filho, nascido de uma relação que tivera no passado com a dona de um restaurante local.
Às 17h30
Fim de verão (Kohayagawa-ke no Aki, Japão, 1961, cor e P&B, 103min) - Legendas em português
Direção: Yasujiro Ozu
Elenco: Ganjiro Nakamura, Michiyo Aratama, Reiko Dan, Setsuko HaraPenúltimo filme de Ozu, escrito em parceria com Kogo Noda. Retrato da família Kohayagawa, proprietária de uma pequena fábrica de saquê no Japão do pós-guerra. Boa parte das antigas empresas familiares foram absorvidas por grandes firmas. Ao mesmo tempo em que descreve um fenômeno moderno e urbano, o filme remete a uma estrutura social do passado.
Dia 19/12Às 15h
Fim de verão (Kohayagawa-ke no Aki, Japão, 1961, cor e P&B, 103min) - Legendas em português
Direção: Yasujiro Ozu
Elenco: Ganjiro Nakamura, Michiyo Aratama, Reiko Dan, Setsuko HaraPenúltimo filme de Ozu, escrito em parceria com Kogo Noda. Retrato da família Kohayagawa, proprietária de uma pequena fábrica de saquê no Japão do pós-guerra. Boa parte das antigas empresas familiares foram absorvidas por grandes firmas. Ao mesmo tempo em que descreve um fenômeno moderno e urbano, o filme remete a uma estrutura social do passado.
17h30
Era uma vez em Tóquio (Tokyo Monogatari, Japão, 1953, P&B, 136min) - Legendas em português
Direção: Yasujiro Ozu
Elenco: Chishu Ryu, Setsuko Hara, Chieko Higashiyama, Kyôko KagawaSinopse - Um velho casal vai a Tóquio para visitar seus filhos, mas somente a nora viúva se mostra disposta a acolhê-los.
Dia 20/12Às 15h e 17h30
A rotina tem seu encanto (Sanma no aji, Japão, 1962, cor, 112min) – Legendas em português
Direção: Yasujiro Ozu
Elenco: Chishu Ryu, Kyôko Kishida, Kuniko Miyake, Shinichirô MikamiSinopse - Um viúvo leva uma vida tranqüila com seus filhos. Ao deparar-se com o fato de que a filha não se casou para cuidar dele e dos negócios, resolve apoiar o casamento dela resignando-se a conviver com a sua falta.
Às 20h
Coral de Tóquio (Tokyo Chorus, Japão, 1931, P&B, 90 min) Legendas em espanhol
Direção:
Yasujiro Ozu
Elenco: Tokihiko Okada, Emiko Yagumo, Hideo Sugawara, Hideko TakamineSinopse - Comédia sobre o desemprego que mostra o cotidiano de um casal e seus filhos. Okajima desafia o patrão, um homem autoritário e impulsivo, por discordar da demissão de um colega. Ele é despedido sumariamente e engrossa o enorme contingente de desempregados da época. Para comprar comida, vende os quimonos da mulher. Depois de vários percalços, tem uma nova oportunidade com um antigo professor, agora proprietário de um restaurante, que lhe oferece um emprego temporário para carregar placas de anúncios pela rua. Oakajima doma seu orgulho, aceita a proposta e a vida da família se normaliza.

Nicholson: revolta, carisma e personalidade




Antes de partir (The bucket list, 2007), de Rob Reiner, é o último filme de Jack Nicholson, um dos mais aclamados atores do cinema contemporâneo. A rigor, Nicholson é um sucessor dos grandes astros à maneira de um Marlon Brando ou de um Paul Newman. Acaba de completar 70 anos, mas se encontra em forma, ainda que fumante inveterado, que acende um cigarro no outro - a contrariar esta mania do politicamente correto e a esta maldita psicose antitabagista que assola o planeta. Paulo Autran, apesar da cirurgia de revascularização do miocárdio feita nos anos 80, nunca deixou o seu cigarro, e veio a morrer mais de vinte anos depois. Não se está aqui a fazer a defesa do cigarro, que faz, realmente, mal a saúde, mas a defesa da liberdade de se fumar e até mesmo de se matar. Cada um faz o que quer ou, a lembrar um filme do começo da década de 70 interpretado por Nicholson, Cada um vive como quer, de Bob Rafelson.
Mas se se for pensar bem, a figura de Nicholson é familiar já há quase quarenta anos. Ficou conhecido em 1969, na pele do advogado muito louco de Sem destino (Easy rider), de Dennis Hooper e Peter Fonda, como carona da dupla on the road, de capacete vermelho e a falar pelos cotovelos num personagem marcante. O sucesso de um ator está muito na sua personalidade, que é mais importante do que a sua beleza. É o caso de Nicholson. Quando aparece em cena derruba seus colegas.
Antes de partir é um filme sobre dois homens em estado agônico e terminal (por câncer): Jack Nicholson e Morgan Freeman. O título original, the bucket list, refere-se à lista que os dois personagens fazem sobre coisas que devem fazer antes de morrer, ou, como quer o título em português, antes de partir. As duas fotos que ilustram a postagem dominical mostram Nicholson. A primeira é imagem recente, mas a outra, a branco e preta, é de anos passados, exatamente janeiro de 1974, quando Nicholson e Roman Polanski estiveram aqui em Salvador logo depois do carnaval carioca. Modéstia à parte, estive com eles no Hotel da Bahia. Na foto, a imagem registra a chegada das duas personalidades ao aeroporto 2 de Julho (recuso-me a chamá-lo Aeroporto Internacional Luis Eduardo Magalhães) e quem está ao lado é o famoso comentarista cinematográfico (hoje atuante mas meio aposentado) José Augusto Berbert de Castro. Polanski e Nicholson estavam se preparando para filmar, assim que voltassem para os Estados Unidos, Chinatown, um dos grandes filmes dos anos 70 que reviveu, com singular eficiência e estilo, o noir.

15 dezembro 2007

"Cascalho" em Dolby



Finalmente hoje, na Fundação Casa de Rui Barbosa, Rio de Janeiro, sessão única às 15 horas, será exibido Cascalho, longa metragem baiano de Tuna Espinheira, com o som Dolby. Há anos que o velho Tuna está a lutar para conseguir colocar o Dolby, uma espécie assim de conditio sine qua non para que os filmes possam ser exibidos nas salas comerciais. No último mês, o realizador baiano de Samba não se aprende na escola esteve no Rio em vários laboratórios para colocar o tão imprescindível Dolby.
Trata-se de uma adaptação do livro homônino de Herberto Sales. No elenco, entre outros notáveis da terra, Wilson Mello, Gildásio Leite, Irving São Paulo (de saudosa memória, filho de Olney São Paulo, cineasta baiano de Feira de Santana, autor, entre outros de O grito da terra e Manhã cinzenta), Othon Bastos, etc. O filme abre com o pintor Ângelo Roberto na pele de um convincente cascalheiro à beira de um riacho.
Para ver melhor o cartaz, clique na foto que ela se abre ampliada.

14 dezembro 2007

Loucura ou imaginação?



A comilança (La grande bouffe, 1973), extraordinário filme de Marco Ferreri, que levou muitos anos proibido pela ditadura brasileira, a ser visto apenas em 1979, fechou, com chave de ouro, a mostra organizada pelas professoras Ligia Amparo e Micheli Soares O cinema, a comida e o comer, uma promoção da Escola de Nutrição da Universidade Federal da Bahia. Vi La grande bouffe, e a primeira visão causou imensa impressão, no Iguatemi 2, mais ou menos em 79. Depois o revi, creio que em 2001, na Sala Walter da Silveira. Mas ainda não o tinha apreciado em DVD. Nesta semana, terça, foi exibido na Sala de Arte da UFBa em DVD. Tomei um susto. Lembrava-me que, no final, restava Philippe (Philippe Noiret, o excelente ator francês que ficou famoso ao interpretar o operador em Cinema Paradiso, de Giuseppe Tornatore) como único sobrevivente do quarteto suicida integrado por Marcello Mastroianni, Ugo Tognazzi, Michel Piccoli (que aparece na foto a carregar a cabeça de um leitão). As últimas imagens do filme mostram-no sentado no jardim ao lado de Andrea Ferreolli, que lhe serve, de colherzinha, um açucarado pudim de morango. Diabético, e depois de tanta fartura, é sinal de que não iria resistir por mais tempo, mas o filme se fecha com Philippe a comer o pudim de morango. Qual não foi a minha surprêsa, quando, nesta visão agora em DVD, Phillipe Noiret, acompanhado no mesmo banco do jardim pela professora Andrea, vem a morrer. Um carregamento de carnes diversas chega e elas são jogadas no jardim. Morto Noiret, Ferreol se dirige ao interior da mansão e o filme acaba assim.

Teria imaginado a versão anterior? Georges Sadoul conta que a memória cinematográfica prega peças no sujeito. Conta, em seu Dicionário de filmes, que levou décadas falando de uma determinada sequência que não pertencia ao filme citado. Gostaria que alguém me esclarecesse a questão. Será que existiam duas versões de La grande bouffe? Ou será que estou realmente a ficar louco?

12 dezembro 2007

De Domingos de Oliveira



Noutro dia estava o bloguista a falar de Todas as mulhers do mundo, que considera ele, o autor do blog, uma das melhores comédias do cinema nacional (colocaria a de Domingos e a de Anselmo Duarte, Absolutamente certo, sem esquecer, claro, de O homem do sputnick e De vento em popa, ambas de Carlos Manga). Mas se se falou do filme, que se fale, hoje, do artista, que se encontra presente toda quarta no Canal Brasil, firme e forte, ao lado de sua companheira Priscilla Rozenbaum no programa Todos os homens do mundo, que sucedeu ao muito bem sucedido Todas as mulheres do mundo.

A ponte que se poderia fazer em relação a Domingos de Oliveira é com o cineasta francês François Truffaut, porque ambos têm como obsessão temática o amor como mola propulsora da vida, como uma condição sem a qual o homem não conseguiria se situar no mundo. É o amor que determina as situações de seus filmes, como elemento deflagrador do desenvolvimento temático. Preterido das discussões do cinema brasileiro, visto com reservas por alguns mais enragées, Domingos é, necessário dizer, um dos mais envolventes diretores da cinematografia nacional. Dramaturgo de mão cheia, homem de mil instrumentos, inovou tanto no cinema quanto no teatro e na televisão. Vários programas da Rede Globo, quando ainda existia o padrão de qualidade, têm a sua assinatura: Aplauso, transposição para o veículo televisivo de textos clássicos, Ciranda, Cirandinha, que marcou época pela agilidade na qual se expressou na linguagem televisiva e no achado temático, entre muitos casos especiais que ficaram na história da tv. Talvez por ser um cineasta bissexto, que reserva seu tempo muito mais para o teatro, não é tão citado nem considerado. Boa parte da crítica, porém, aquela que se esconde no silêncio da emoção, tem-no como um grande, um mestre, um realizador original.
Amores, de Domingos, feito em 1998, pode ser considerado como um dos melhores filmes dos anos 90 do cinema brasileiro, da chamada retomada. Realizado com poucos recursos, filmado quase todo em interiores – boa parte no apartamento do diretor, Amores possui uma dramaturgia que tem pleno poder de convencimento. Os personagens de Domingos de Oliveira transmitem aquele poder de verdade que somente raros cineastas sabem impor nas suas obras. Poucos, como ele, têm a poética instauradora do amor como necessidade da vida, como urgência do existir. Neste ponto, é válida a comparação com François Truffaut, um apaixonado pelas mulheres e que gostava de dizer que fazia cinema por causa de seu amor por elas – e que prova mais cabal do que O homem que amava as mulheres? Amores é uma obra que reflete as relações afetivas no conturbado mundo atual cheio de encontros e desencontros - antípoda de fitinhas como Amores Possíveis ou Pequeno dicionário amoroso, ambas de Sandra Werneck, por exemplo, que, se comparadas à fita de Domingos, têm uma dramaturgia anêmica, um modo de olhar a possibilidade do amor restrito às circunstâncias do modismo ululante.
Domingos coloca muito de sua vida no filme, a romancear aqui e ali. Ele é um escritor, que vive sozinho e tem uma filha - que é a sua própria na vida real, Maria Mariana, que saiu de casa para ter vida independente. Tem uma amiga casada com um procurador com a qual troca confidências. De repente, Mariana vai entrevistar o procurador e se apaixona perdidamente por ele. Fica grávida. A confidente de Domingos se separa. Ela tem uma irmã - a excelente Clarisse Niskier - atriz de shows musicais, que vive se queixando de solidão e que, por acaso, encontra, pensa ela, o homem de sua vida. Que descobre ser bissexual e estar com AIDS. Amores se estrutura, assim, com as surpresas ocasionadas pela vida a provocar o desenvolvimento da trama. Há, ainda, algumas reviravoltas até o término. É nesta capacidade de surpreender a vida como ela é que o cineasta mostra o seu talento, a sua imensa capacidade de dramaturgo. Obra aparentemente simples, revela, no entanto, um enfoque de inusitada importância sobre as afinidades eletivas na sociedade contemporânea. Para este cineasta, quando se ama, os códigos éticos e sociais ficam arquivados, desviando-se de qualquer vinculação simplista no enfoque a estabelecer, isto sim, uma espécie de arte poética do amar. Mas depois de Amores ainda vieram Separações, Feminices, Carreiras, e o que mais?
Domingos José Soares de Oliveira é carioca, tem 71 anos -embora não aparente a idade que tem. Iniciou-se no cinema em 1967 com uma comédia deliciosa chamada Todas as Mulheres do Mundo (que há dois dias atrás foi objeto de comentário neste blog), consagrando Leila Diniz como símbolo da nova mulher brasileira - também ajudou a célebre entrevista que Leila concedeu a "O Pasquim", com palavrões trocados por asteriscos. É muito difícil se achar, na extensa filmografia do cinema nacional, uma comédia com a graça, o charme e o fascínio de Todas as Mulheres do Mundo. Feita com poucos recursos, reflete o humor carioca e o estado de espírito da juventude nos anos 60, que funciona como um retrato de um Rio que não mais existe, onde o que ditava o comportamento dos cariocas era uma procura intensa pela alegria de viver.
Dois amigos (Paulo José e Flávio Migliaccio) se encontram. Um é celibatário e não acredita no amor. Então, o outro (P.J.) conta a história de como conheceu uma mulher (Leila Diniz) pela qual se apaixonou. Vista e querida numa festa, começam um relacionamento cheio de peripécias com idas e vindas, mas, sempre, com a possibilidade da reconciliação. Para ela, ele desistiu, para amá-la, de todas as mulheres do mundo. Domingos viveu com Leila e, quando se separou, foi ao fundo do poço sem fundo e fez o filme como uma espécie de sublimação. O ritmo é frenético, o humor se instala e a beleza de se estar apaixonado recrudesce a cada cena. Domingos, em pleno Cinema Novo, que se pautava em filmes para decifrar a problemática social, seguiu outro rumo: o da análise dos sentimentos. E fez um filme admirável.
Edu, Coração de Ouro, do ano seguinte, 1967, também com Paulo José e Leila Diniz - mais Norma Bengell, Joanna Fomm, segue o mesmo estilo do anterior. Um filme sobre um homem que se recusa a aderir ao sistema, que insiste em se manter distante do establishment, um outsider, portanto, um hippie avant la lettre, pois a explosão Woodstock aconteceria somente depois (1968) e, nesse sentido, Domingos fez uma fita premonitória
Se Todas as Mulheres do Mundo rendeu 11 vezes o que custou - um fenômeno para quem entende de mercadologia cinematográfica, Edu, Coração de Ouro apenas se pagou. Assim, para realizar As Duas Faces da Moeda, com Fregolente, Oduvaldo Vianna Filho e Adriana Prieto, reflexão sobre o amor e a morte, espraiadas com rara sensibilidade, já não contou com muitos recursos e a bilheteria foi um fracasso. Na entrada dos 70, É Simonal, tentativa de dissecar o fenômeno, que, naquela época, era um estrondoso sucesso popular, incursiona pelo documentário com swing. Este filme tem influências de Richard Lester (Os reis do yê, yê, yê, Help, A bossa da conquista...) na busca de um estabelecimento do timing de acordo com a bossa do cantor, advindo, disso, uma narrativa rápida, plena de observações irônicas no estilo que consagrou Lester.
Procurou se renovar em A Culpa, 1971, fazendo um filme difícil, com tomadas demoradas, planos-seqüências, recusando o seu estilo, a sua maneira de fazer cinema, na tentativa de querer mostrar saber ser, também, um cineasta profundo, a confundir profundidade com tomadas longas, descaracterizando-se ritmicamente. E naufragou. Paulo José, Dina Sfat e Nelson Xavier são personagens que se perdem num emaranhado de circunvoluções. Há, porém, a brilhante fotografia de Rogério Noel, considerado o mais artístico iluminador do cinema brasileiro que, muito precocemente, viera a falecer aos 22 anos.Atraído pelo teatro e pela televisão, permaneceu, neles, full time, mas ainda filmou Deliciosas Traições do Amor, em três episódios, em 1973 e, quatro anos depois, a convite de Roberto Farias, então presidente da Embrafilme, Teu, Tua, outro filme em episódios baseado em contos de grandes escritores como Dostoievsky.
A partir deste, levou duas décadas sem filmar, mas trabalhando e criando intensamente no proscênio, considerado que é, pelos atores e diretores do Rio, um dos mais consistentes dramaturgos da atualidade. Daí, talvez, o desconhecimento de Domingos de Oliveira, sua não inclusão nos debates sobre o cinema brasileiro. Amores e Separações surgem para reabilitá-lo e consagrá-lo perante um público - e uma crítica - que o subestima. Domingos é possuidor de um universo ficcional próprio e um estilo particular de fazer cinema, de manipular os elementos de sua linguagem. Domingos, sob este prisma, é um autor, um artista, que se utiliza da expressão cinematográfica para pensar acercas das mazelas do maladie d’amour – dos males do amor, além de, com isso, expandir a sua reflexão num painel que retrata o drama do homem contemporâneo frente às vicissitudes do ato de amar. Acompanhando, no entanto, sua filmografia, desde a explosão inicial de Todas as mulheres do mundo, obra renovadora em espírito e linguagem, verifica-se um cineasta que retratou a sua época e as angústias de sua geração com um senso de humor poucas vezes observado no cinema brasileiro.

10 dezembro 2007

A fundo colorido



Saber usar a cor no cinema, com valor poético e funcionalidade dramática, é difícil. Usa-se o colorido a torto e a direito à maneira de um cartão postal. O espectador, condicionado ao filme colorido, por ignorância estatal, abomina o branco e preto, mas, infelizmente, não sabe contemplar a cor, ver, nesta, um componente de estesia. A imagem que ilustra este post não é a de um filme, mas tem uma composição cromática que me pareceu atrativa nesta conjugação de copos com líquidos de cores diversas.

Michelangelo Antonioni fez seu primeiro filme a cores na primeira metade dos anos 60, quando já cineasta consagrado. Assim como outros diretores importantes, Bergman inclusive, pensou muito antes de realizar uma obra colorida. E o fez com grande timidez em O deserto vermelho. Mas seu primeiro filme realmente colorido foi Blow up, filmado in loco na Londres dos efervescentes anos 60. Antonioni pediu autorização a prefeitura da capital da Inglaterra para poder pintar alguns quarteirões e toda a grama do parque onde se suspeita ter acontecido um assassinato. Na primeira solicitação, houve recusa, mas o realizador de L'avventura, somente por ser o cineasta da famosa trilogia composta por este, La notte, e L'eclisse, afinal conseguiu o desejado. O perfeccionismo de Antonioni em função da cor, da linguagem da cor, poder-se-ia dizer melhor, em Blow up, fê-lo impaciente e exigente, temperamental e neurótico, pois tinha medo de não se expressar adequadamente em filme colorido. E o fez, como o resultado está a mostrar, admiravelmente.

Hitchcock usa a cor com funcionalidade em Marnie aut(e em tantos outros filmes de sua autoria), quando o vermelho surge a dominar a tela quando das crises da personagem. E, a considerar que o branco também é uma cor (ou seria a anulação da cor?), o copo de leite, com a lâmpada acessa dentro dele, a acentuar a sua brancura luminosa, tem-se um admirável uso do cromático em Suspeita, do mestre, quando Cary Grant sobe uma escada em espiral para levar um copinho de leite para a sua esposa Joan Fontaine. O espectador fica em delirante suspense, a pensar que, naquele copo, há veneno.

Bernardo Bertoucci (por sinal, quando da morte de Bergman e Antonioni, que foram quase de mãos dadas para o túmulo, anunciou-se que o cinema morreu, etc e tal, a recorrer-se a alguns nomes restantes, a exemplo de Resnais, Von Triers, mas Bertololucci foi esquecido, que embora não seja nenhum Bergman ou Antonioni, é cineasta de grande expressividade) é um realizador atento à suan mise-en-sène, e procura, sempre, configurar o colorido de maneira eficiente e adequada. Dispõe de um artista da luz para ajudá-lo nesta tarefa, que é Vittorio Sttoraro. Em O último imperador, por exemplo, toda a parte em que o monarca fica no palácio, a luz é difusa, há pouca claridade, mas quando este resolve sair da prisão, e abraçar o mundo, a luz reina e as cores se avivam.

O Technicolor, por exemplo, era um processo rudimentar de apenas três cores, que apareceu pela primeira vez em 1932. Este processo de coloração fazia com que as imagens ficassem hiperrealistas, isto é, coloridas demais, as pessoas e as coisas eram, em technicolor, excessivamente luminosas e em cores. Faz pensar nas propagandas enganosas exibidas atualmente quando um sanduíche do Mac Donald's, por exemplo, na sua imagem publicitária, dá uma impressão de saber e gigantismo que não corresponde à realidade. Talvez o primeiro filme colorido com boa utilização da cor (leia-se a cor usada em função expressiva) tenha sido em O mágico de Oz, de Victor Fleming, em 1939, com a inesquecível Judy Garland (uma atriz e cantora que se pensa aqui insubstituível e única). Como citou Mariana Paiva, a cor é pensada em sua funcionalidade no desconcertante (e por vezes irritante) O cozinheiro, o ladrão, sua mulher e o amante.

09 dezembro 2007

A função da cor no cinema



Qual a função da cor nos filmes? Atualmente, quando todos os filmes lançados no circuito são coloridos, o preto e branco virou uma exceção utilizada apenas por questões estilísticas. E a maioria das pessoas, desconhecendo as possibilidades do claro/escuro, não mais aceita o filme sem cor. Se o filme é em branco e preto geralmente é recusado pelos exibidores, havendo, somente, casos raros de aceitação, como o referente a A lista de Schindler, porque distribuído por major poderosa.


Assim, se é verdade aquilo que afirmou Roland Barthes, que colorir o mundo significa em última análise negá-lo, como deve comportar-se a cor se não quiser esmagar a realidade, mas, pelo contrário, interpretá-la poeticamente? E, sobretudo, que atitude deve assumir relativamente às imagens e aos sons? A resposta é fácil de prever: a cor no filme deve cumprir uma missão essencialmente psicológica. Deve ser, não bela, mas significativa. Somente deste modo tem a sua presença uma justificação expressiva e pode servir para dizer coisas que não poderiam ser ditas sem a sua intervenção. Se tal não acontece, a cor não apenas resulta nociva para o filme como corre o risco de empobrecê-lo a ponto de fazê-lo regredir para um nível inferior ao alcançado no velho preto e branco.
Não é, portanto, o cinema colorido que interessa ao nosso artigo, mas, sim, o cinema de cor. Desde que, naturalmente, não reproduza a realidade de maneira cada vez mais perfeita e cada vez mais banal. Neste particular, os videomakers contemporâneos são pródigos na ânsia de reprodução do real de maneira naturalista e, em conseqüência, vulgar, pelo fato de não ter consciência da função da cor no tecido dramatúrgico da expressão videográfica. Quantos aos belos planos, não sendo o cinema uma pinacoteca – mas, pelo contrário, a vida transformada em discurso no próprio momento em que se desenrola – eles condenam o filme – ou o vídeo – à asfixia e impedem a sua respiração vital.
De citações pictóricas ilustres está a história do cinema cheia, assim como o inferno está cheio de boas intenções. Gian Piero Brunetta, ensaísta italiano, enumera alguns filmes que não aplicam bem o cinema de cor, por mais encantador e sugestivo que possa ser o resultado. A opinião é bastante discutível – este comentarista, por exemplo, não concorda, porém se trata de um estudioso do assunto. Vão desde o impressionismo francês que inspira a fotografia de Elvira Madigan (1967), de Bo Wilderberg, à pintura inglesa do século XVIII evocada em Barry Lyndon (1975), de Stanley Kubrick, do modelo dos macchiairoli italianos dos finais do século XIX seguido por Sedução da carne (Senso, 1954), de Luchino Visconti às homenagens à pintura surrealista presentes em La montagne sacré (1973), de Alexandre Jorodowsky (que esteve recentemente no Rio e SP, sendo que, nesta cidade, participou de intenso debate que varou a noite, a entrar pela madrugada, conduzido, entre outros, por Carlos Reichenbach). Para não falar, ainda segundo Brunetta, já de citações relativas a pinturas singulares, como Rossi reproduzido em Dois destinos (Cronaca familiare, 1962), de Valério Zurlini, ou Degas em que se inspira Laura (1980), de David Hamilton, ou, ainda, Remington, recriado na tela pelo mestre John Ford em Legião invencível (She wore a yellow ribbon, 1949). Os filmes citados aqui, vale repetir, segundo Brunetta, são exemplos da má utilização do cinema de cor. E o que diria ele de Caravaggio e do recente A moça do brinco de pérolas?
Porque Brunetta acha que nos exemplos citados a expressão propriamente fílmica não atinge qualquer autonomia, marcada como está pela autoridade de tantos mestres da cor, antigos e modernos. Diante dos mestres pictóricos nos quais se inspiram para compor seus filmes, os realizadores se abstêm de tomar iniciativas pessoais que possam ofender a ilustre posição de que gozam os modelos invocados.
Quando, pelo contrário, ao invés da abstenção, os realizadores decidem tomar a iniciativa, a linguagem cinematográfica pode finalmente exibir a sua autonomia, embora tenha de defrontar-se com alguns obstáculos e alguns perigos durante a empreitada. Estes são os casos em que a cor se preocupa em ser funcional e não apenas bela. São os casos em que a cor aparece na tela para complicar as coisas que nela se sucedem e não para as secundar redundantemente. Trata-se, nestes casos, de intervenções sem as quais o filme seria diferente do que é, ou, pior ainda, não estaria completo. Em suma, somente quando a cor consegue ser irredutível a qualquer outro código presente é que se pode falar de função qualificante da cor e de emprego antinaturalista, mas também antiacadêmico, dos recursos cromáticos.
Entre as funções aptas a produzir sentido, a psicológica e a crítica são as mais eficazes, para além daquelas a que mais se recorre no âmbito do cinema que odeia a cópia rasteira da realidade quotidiana. E como o cinema brasileiro gosta de ser uma cópia servil na representação do real nas telas!
De emprego da cor em sentido psicológico, tem-se como exemplo O deserto vermelho (Deserto rosso), de Michelangelo Antonioni. As cores, aqui, são apagadas, envoltas por uma dominante cinzenta que unifica as várias tonalidades, privando-as das gradações mais vivas. Isto se justifica porque, no filme, o mundo é visto pelos olhos de uma mulher que sofre de nevrose e se sente separada da realidade. Neste caso, portanto, cabe à cor a tarefa de dar a idéia de como a protagonista vê as coisas, o que acontece sem necessidade de recorrer com insistência a indicações inerentes ao diálogo e à encenação no seu conjunto. Do mesmo modo, em Satyricon, de Federico Fellini, as tintas carregadas e desprovidas de bom gosto denotam a vulgaridade do mundo representado e sublinham a sua essência lúgubre, próxima da desagregação material e espiritual. Em Nosferatu, de Werner Herzog, cabe à dominante azul, que impregna todas as cores, a função de conferir à narrativa aquele tom de lucidez que a acompanha do princípio ao fim, sugerindo a presença do Mal onde e como quer que seja, através de uma espécie de expressionismo cromático inserido na construção figurativa geral. Em O açougueiro (1970), de Claude Chabrol, a cor evolui conjuntamente com a própria fábula e, mudando de quando em vez de tonalidade, segue o seu itinerário narrativo desde a atmosfera idílica inicial até à descida aos infernos dos protagonistas com a respectiva ressurreição final, (dramática e cromática). Em Os guarda-chuvas do amor (Les parapluies de Cherbourg, 1964) e Duas garotas românticas (Les demoiselles de Rochefort, 1966), ambos do poeta Jacques Demy – um dos cineastas mais admiráveis de toda a história do cinema, as cores exercem um importante papel constitutivo do tecido dramático, situando-se como elementos determinantes da mise-en-scène – nos dois casos, também, a partitura musical de Michel Legrand pode ser considerada tão importante que o músico faz configurar, ao lado da mise-en-scène, uma mise-en-musique.
Mas é a cor que aqui interessa. Em outro exemplo, Tragam-me a cabeça de Alfredo Garcia (Bring me the head of Alfredo Garcia, 1974), de Sam Peckinpah, a dominante vermelha presente a nível figurativo exprime o clima de torpor e de violência próxima da explosão que caracteriza o local onde se desenrola a ação narrada. Há, finalmente, casos em que o efeito psicológico é confiado à presença de um único valor cromático que emerge do restante preto e branco. É o que acontece em Reflexões nos olhos dourados (Reflections in a golden eye, 1967), de John Huston, com Marlon Brando e Elizabeth Taylor, onde o monocromatismo da fotografia é quebrado pela presença exclusiva do tom vermelho, a significar a loucura latente do protagonista que sofre de um trauma mental que remonta à infância. As cópias distribuídas no Brasil, no entanto, foram banhadas de um technicolor que destruiu por completo a intenção inicial do autor.
Fala-se em intervenção crítica da cor, pelo contrário, quando a cor desempenha uma função dissonante no interior do filme. Neste caso, a escolha cromática deixa de corresponder ao ponto de vista psicológico de um dos protagonistas ou à exigência de definição ambiental para passar a refletir o ponto de vista do próprio autor assim como a análise que faz da realidade representada. Em Dillinger está morto (Dillinger è morto), de Marco Ferrari, as cores, cruas e brilhantes, de aspecto metálico, denunciam a invasão multicolor dos objetos a que o homem é sujeito na civilização tecnológica e a conseqüência reificante que tal invasão comporta relativamente aos sentimentos humanos. Do mesmo modo, as cores fantasiosas do sketch La terra vista dalla luna (A Terra vista da Lua, um episódio de As bruxas) conotam a ação num sentido marcadamente irrealista e conferem-lhe um tom de alegoria moral suspensa entre o divertimento e a meditação filosófica.
Pode por vezes dar-se o caso de ser a própria ausência da cor a adquirir valor expressivo. Em Manhattan (1978), de Woody Allen, a escolha do preto e branco corresponde a uma atitude nostálgica assumida pelo protagonista relativamente a um mundo que é por ele reinvocado em puro estilo dos anos quarenta, como é, de resto, confirmado pela banda sonora. Também em O jovem Frankenstein (The Young Frankenstein, 1974), de Mel Brooks, a ausência de cor representa uma homenagem ao cinema de terror dos anos trinta, relido com uma veia que se situa entre o irônico e o nostálgico. Tem-se, entre outros, evidentemente, o caso de Truffaut, que, pouco antes de morrer, dirigiu um filme no qual faz homenagem ao noir francês: De repente num domingo (Vivement dimanche, 1984), filmado em preto e branco e, recentemente, para realizar uma releitura do filme noir, os irmãos Coen apresentaram O homem que não estava lá, filme totalmente destituído de qualquer coloração e carregado no contraste do claro e do escuro.
A cor no cinema deve ser usada em função de seu tecido dramatúrgico e é preciso que se acabe, uma vez por todas, com a confusão sempre presente entre o uso da cor em função da beleza e o uso da cor em função da própria estrutura fílmica. Quem não gosta de filme em preto e branco, por outro lado, e, desde já, com as desculpas nas mãos, é um tremendo ignorante. O assunto cinema de cor rende muito mais, porém o espaço já se alonga e o comentarista deve estar de olho no velocímetro cromático de seu próprio olhar escritural..