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14 março 2014

"Matar ou morrer": western emblemático

Muito mais que um western, Matar ou morrer, segundo Claude Beylie, ensaísta francês, pretende ser uma parábola sobre a coragem individual diante da covardia coletiva. Faroeste com rosto humano, pode ser considerado, também, uma paráfrase do horror macartista na sociedade americana da época, quando o senador Joseph McCarthy tenta caçar todos os " comunistas" de Hollywood. Fred Zinnemann, diretor austríaco instalado nos Estados Unidos, aproveitando um roteiro de Carl Foreman, faz do western um veículo para a sua visão da sociedade americana.

O xerife de uma localidade do oeste, Will Kane (Gary Cooper no auge de sua carreira), procura ajuda entre a população para combater uns marginais que se preparam para atacá-la. Todos, no entanto, lhe negam o apoio e ainda aconselham a se retirar da luta a fim de evitar um derramamento de sangue. Contra a opinião de sua esposa (Grace Kelly), Kane não desiste e, só contra todos, espera, angustiado, a chegada dos assassinos.

Zinnemann (A um Passo da Eternidade' Julia...) estrutura a sua narrativa com absoluto respeito à unidade de tempo - que serve para potencializar o suspense à medida que a hora fatal vai chegando. Matar ou Morrer é um western sólido, sóbrio e bem construído, que, contrariando os cânones tradicionais do gênero, não se apóia na ação física - uma constante do western tradicional. A dimensão psicológica dos personagens adquire, aqui, capital importância: a descrição minuciosa da conduta de cada um, a crescente angústia do xerife situado entre a obrigação moral e o instinto de conservação. Foreman e Zinnemann pretendem refletir uma época na qual muitos setores do país ficam paralisados pelo medo ao contrário de uns poucos que assumem sozinhos suas graves responsabilidades morais.

Desde No Tempo das Diligências (Stagecoach, 1939), de John Ford, western paradigma e emblemático, o gênero, sempre baseado mais na ação física, evolui para sobreviver aos tempos , rompendo, com a ajuda de cineastas como William A. Wellman, Samuel Fuller, Delmer Daves (Flechas de Fogo), Howard Hawks, John Sturges, Nicholas Ray, John Ford e Anthony Mann, os estereótipos de outrora. O western humaniza-se, torna-se poético, adulto, adquire status como veículo para a análise de comportamentos e da condição humana (Rastros de Ódio, de John Ford, Winchester 73, de Anthony Mann, Johnny Guitar, de Nicholas Ray, Conspiração do Silêncio, de John Sturges, Onde Começa o Inferno/Rio Bravo, de Howard Hawks...).

Matar ou Morrer representa um divisor de águas no western, gênero (entende-se por gênero um conjunto de filmes que possuem o mesmo conteúdo narrativo e seguem o mesmo esquema para explicitá-lo) que se intelectualiza a partir deste filme de Zinnemann. Há cada vez mais psicologia e drama de consciência nos personagens, como neste 'High Noon', e em 'Um Homem Solitário', de Ray Milland, 1954, não faltando mesmo a nota freudiana, como no insuperável 'Rastros de Ódio', de Ford, e 'Gatilho Relâmpago', de Robert Rouse, 1957. Mas a alegoria do bem e do mal ressurge com força de tragédia grega em duas obras-primas: 'Madrugada da Traição', de Edgar Ulmer, 1956, e ‘Crimes vingados’, de Charles Haas, 1957 E a legenda do herói romântico que chega ao povoado, distribui a justiça e vai-se embora como um desconhecido, é retomada em 'Os Brutos Também Amam' ('Shane', 1953), de Georges Stevens.

Em Matar ou Morrer, Zinnemann respeita a unidade de tempo, isto quer dizer: o tempo físico é igual ao tempo dramático. Com uma duração de 89 minutos, tempo tomado pela projeção do filme, High Noon tem sua ação dramática compreendida neste mesmo tempo, ou seja: a compreensão do tempo levado pelos acontecimentos narrados. Assim, Gary Cooper espera os malfeitores durante um tempo igual ao da projeção do filme. Para sinalizar o avanço temporal, é mostrado sempre um plano de detalhe de algum relógio onde se encontre o personagem. Procedimento igual, entre muitos outros, fazem Robert Wise em Punhos de Campeão (The Set Up) e Alfred Hitchcock em Festim Diabólico/Rope, 1948).


High Noon tem uma iluminação bastante funcional de Floyd Crosby, inserida nas solicitações dramáticas, assim como a partitura de Dimitri Tiomkin, cujo tema principal se torna um clássico da música para cinema.

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