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20 maio 2012

Gregory Peck: legenda do cinema


Os chamados ídolos da tela, título de um álbum de figurinhas que apareceu nos anos 50, gerando coqueluche, praticamente já desapareceram. Elizabeth Taylor, considerada a última grande estrela do cinema, já se foi há um ano. Ela, Marlon Brando, Gregory Peck, entre outros de sua geração, que desapareceram na década passada - não esquecer que a segunda década do século XXI começa em 2011 - pertencem a outra cultura onde ainda se pode verificar a presença de princípios éticos norteadores de comportamentos, quando o cinema ainda possui uma qualidade que se encontra completamente diluída, hoje, nos arruídos da mediocridade dos blockbusters, na metástase absoluta da tendência "videoclipadora".
É a personalidade de Gregory Peck que o faz singular, atraente, tornando-o uma figura emblemática do cinema americano. Até Rita Lee, numa música, não resiste a seus encantos. Mas a questão primordial é a que interroga se Peck teria a mesma aceitação no caldo cultural em frangalhos da contemporaneidade - o uso deste termo é a contragosto e com acentos pejorativos. Não, Gregory Peck - assim como Cary Grant, Clark Gable, Robert Mitchum, John Wayne, entre outros - não teria vez na algazarra debilóide de um cinema dos tempos que correm.
Padrão de refinamento, de um tempo no qual existe uma finesse nas relações humanas, quando o processo degenerativo da cultura ocidental ainda não se tem pontificado como norma de consumo e de conduta, quando o cinema é visto com poesia e encantamento, quando o cinéfilo ainda não é o consumidor indiferente e bagunceiro dos dias atuais, Peck representa o homem ético, a elegância, o charme, o aplomb, o cavalheirismo, a solidariedade e a generosidade do ser.
No Festival de Cannes de 2000, Gregory Peck tem a sua derradeira grande aparição pública, quando é homenageado pela direção do evento, após a exibição do documentário Conversation with Gregory Peck. Subindo ao palco, Gilles Jacob, o sisudo crítico e diretor do festival, apresentou-o como Monsieur Cinema, e o ator é aplaudido de pé por mais de 15 minutos numa demonstração inequívoca da admiração geral. Em seguida, a entrevista coletiva mostra um Peck bem-humorado e bem disposto e jornalistas que de provocativos com os outros passam à reverência diante do monstro sagrado. "Ele é o próprio cinema", escreve um deles para o Le Figaro.
Nasce este inexcedível Gregory Peck em La Jolia, Califórnia, em 1916, batizado com o nome de Gregory Eldred. Terminada a adolescência, estuda na Universidade da Califórnia, mas, formado, decide se aventurar pelos cursos de arte dramática com o objetivo de ser um ator. No proscênio, atua em várias peças e, numa delas, é descoberto por um "olheiro" da Fox, que o convida a trabalhar no cinema, em 1944. As chaves do reino (The keys of kingdom), seu segundo filme, dirigido por John M. Stahl, lhe dá, de saída, consagração popular.
Trabalha com Alfred Hitchcock em Quando fala o coração (Spellbound, 1945) - em 47, o mestre o chama para fazer Agonia de amor (The Paradine case), e alcança prestígio inigualável como o irmão rebelde de Duelo ao sol (Duel in the sun, 1947), de King Vidor, mas, na verdade, filme de David Selznick, o poderoso produtor de ...E o vento levou. Incompreendido na época, pelo excesso de sensualidade e violência (Jennifer Jones explode como fêmea fatal caçada como uma fera), Duel in the sun é um western atípico que se configura como uma superprodução, quando o gênero americano por excelência tem sempre assegurados mirrados recursos para a sua produção. Não se pode esquecer, também, do belíssimo Virtude selvagem (The yearling, 1946), de Clarence Brown.
Em 1947, Gregory Peck é incluído no grupo dos dez astros e estrelas mais queridos do cinema americano e, com Elia Kazan, trabalha em A luz é para todos (Gentleman's agreement), filme corajoso para a época onde o ator faz um jornalista que se faz passar por judeu para investigar o anti-semitismo no seio da sociedade americana. Ganha os Oscar de filme, direção e atriz coadjuvante (Celeste Holm). No ano seguinte, encontra seu amigo William Wellman, que o convida para participar de um western: Céu amarelo (Yellow sky), com Richard Widmark, Anne Baxter, obra na qual alguns críticos enxergam ser uma adaptação disfarçada de A Tempestade, de Shakespeare: seis homens em um deserto e uma mulher procuram desesperadamente por ouro roubado.
Em 1949, o ator decide estabilizar a carreira ao encarnar quase sempre tipos de heróis melancólicos e reflexivos, com seu olhar triste e desencantado, como o oficial de Almas em chamas, de Henry King, realizador com o qual tem profícua colaboração: O matador (The gunfighter, 1950), filme sobre um pistoleiro (Peck) que decide abandonar o ofício, mas, por circunstâncias alheias à sua vontade, vê-se obrigado a mostrar, mais uma vez, que é o gatilho mais rápido do oeste;David e Betsabá (David and Bethsheba, 1951), um épico à la DeMille, mas modelado com gosto e requinte por King e que tem, como a heroína, a bela e talentosa Susan Hayward.
As outras parcerias com King incluem As neves do Kilimanjaro (The snows of Kilimanjaro, 1952), com Tyrone Power, Susan Hayward, Ava Gardner, grande sucesso de bilheteria baseado em livro de Hemingway; e um western de primeira,Estigma da crueldade (The bravados, 1958), no qual há um itinerário a percorrer, uma viagem imperiosa para liquidar aos quatro malfeitores que matam a sangue frio a esposa de Peck. A vingança é feita um por um e o final é surpreendente como surpreendente é este western desprezado pela crítica na ocasião de seu lançamento, mas que, revisto, revela todo o potencial de King como articulador demise-en-scèneThe bravados, de certa forma, por causa de sua violência inusitada, prenuncia Sam Peckinpah e Meu ódio será a tua herança (The wild bunch, 1968), com dez anos de antecedência.
Com o grande Raoul Walsh trabalha em O falcão dos mares e O mundo em seus braços, mas é em 1953 que faz uma das melhores comédias românticas do cinema americano: A princesa e o plebeu (Roman Holiday), estréia de Audrey Hepburn no cinema, como a princesa que decide sair escondida do palácio, para fazer um tour anônimo pela Roma dos anos 50, quando encontra, por acaso, um jornalista americano (Peck, evidentemente). O encontro dos dois acende a chama da paixão, mas ela tem que voltar, ficando, apenas, o recuerdo. William Wyler, realizador notável, tem a necessária dose de equilíbrio para fazer de Roman Holiday um conto de fadas moderno. Obra de puro encantamento e impossível de ser feita atualmente, pois referência de um tempo, de uma época, de um estado de espírito que o vento impiedoso da contemporaneidade fajuta há muito levou.
Peck é o Capitão Ahab em Moby Dick (1956), de John Huston, baseado no antológico monumento literário de Herman Melville. Se para Huston viver é lutar, a transposição das páginas do livro é, também, um risco e uma luta. Consegue, porém, convencer - embora não se possa comparar a obra literária com a cinematográfica.
E, após enfrentar os mares bravios de Moby Dick, Peck transfere-se ao refinamento nova-iorquino com o esteta Vincente Minnelli em Teu nome é mulher (Designing woman, 1957) ao lado de Lauren Bacall. Minnelli é o máximo em sofisticação e suas comédias são pérolas de bom gosto. Aqui, Peck é um jornalista esportivo casado com uma desenhista de moda e os conflitos que advêm daí dão o timing da comédia - este colunista, abrindo um parêntesis, coloca, entre os dez melhores filmes que já viu, um Minnelli: Deus sabe quanto amei (Some came running, 1958), com Frank Sinatra, Dean Martin, Shirley MacLaine. Uma obra-prima!
Outro grande western estrelado por Gregory Peck é Da terra nascem os homens (The big country, 1958), fotografado em Cinemascope Deluxe, dirigido, novamente, por William Wyler. Exemplo de um cinema de gênero de um cineasta perfeccionista que não desvia a estrutura narrativa de sua fluência magnética, vê-se, aqui, Peck como um homem urbano que tem que enfrentar, em uma fazenda rural, rústicos criadores de gado. No elenco, Charlton Heston, Burl Ives - que ganhou o Oscar por este desempenho -, Jean Simmons, Carroll Baker. Segue, na trajetória do grande ator, A hora final (On the beach, 1959), de Stanley Kramer, e, Os canhões de Navarone (The guns of Navarone, 1961), de J. Lee Thompson, filme de guerra com elenco estelar.
O melhor filme de Gregory Peck, no entanto, e pelo qual ganha o Oscar de melhor ator, é O sol é para todos (To kill a mockingbird, 1962), de Robert Mulligan, cineasta sensível e delicado, dotado de uma mise-en-scène evocativa e poética - Peck viria a trabalhar novamente com ele no insólito A noite da emboscada (The stalking moon, 1969).
Em To kill a mockingbird, que, traduzido, significa Para matar um rouxinol, a história é contada sob o ponto de vista de uma criança que evoca sua infância numa cidadezinha preconceituosa do Alabama na década de 20, quando seu pai, um advogado, defende um negro injustamente acusado de violentar uma branca.

2 comentários:

Jonga Olivieri disse...

Gostei muito desta sua comparação entre o cinema (ou a cultura) de hoje comparada à de outros tempos em que existiam valores diferentes. Ou melhor, em que existiam valores, creio, seria mais apropriado...

Gilberto Carlos disse...

Um dos maiores atores que o cinema já teve.