Cineasta, pintor, e, principalmente, agente cultural, José Walter Pinto  Lima, mais conhecido como Waltinho, já está a fazer quase meio século de vida  cinematográfica na província da Bahia. Conheço-o desde meados dos anos 60,  quando participava ativamente de grupos ligados a cinema e era frequentador das  sessões do saudoso Clube de Cinema da Bahia. Para ser exato, vim a conhecê-lo  quando de um curso de cinema na Escola de Sociologia e Política (fechada logo  depois pela ditadura), em 1967, que ficava logo no princípio da Ladeira da  Barra. Um curso de um mês, mas que reuniu quase todas as pessoas interessadas  pela arte do filme. Yves de Oliveira, sociólogo, diretor da escola, aceitou a  sugestão de Carlos Alberto Vaz de Athayde e cedeu uma sala para a realização do  curso, que foi ministrado pelo próprio Athayde, Orlando Senna, e Carlos  Vasconcelos Domingues. Walter Lima, nesta época, estava envolvido com as  filmagens de O carroceiro, de seu amigo Ney Negrão, que se encontrava em  processo de pós-produção. 
Assistente de direção do consagrado Meteorango Kid, o herói intergalático,  de André Luiz Oliveira, no qual também aparece como ator, Walter Lima pautou sua  vida no desejo de fazer cinema. E o fez, apesar de todas as dificuldades da  expressão cinematográfica numa cidade como Salvador. Foi o primeiro a gravar em  VHS um documentário de collage chamado Brasilianas. Seu registro sobre o músico  Walter Smetak, O alquimista do som, é hoje um documento sobre o extraordinário  instrumentista. Outro filme de Walter, uma ficção meio godardiana, Nós, por  exemplo, tem Edgard Navarro como um dos intérpretes. E, recentemente,  reconstituiu um longa que estava inacabado há vinte anos: O império do Belo  Monte, com acréscimos atuais, mas conservando as tomadas do pretérito, que mudou  de nome e foi apresentado como Antonio Conselheiro, o taumaturgo do  sertão.
O cinema de José Walter Pinto Lima é um cinema com fortes acentos de  Glauber Rocha e Pier Paolo Pasolini, como pode ser observado em Antonio  Conselheiro, o taumaturgo do sertão, obra poemática, cujo ritmo se estabelece  mais pela retórica do que pela fabulação. Admirador de Jean-Luc Godard, a  influência deste não se faz notar na obra citada, porque uma temática mais  chegada aos arroubos glauberianos, que pedia um discurso cinematográfico mais  retumbante em sua sintaxe, que acumula materiais de procedências diversas:  animação, fotos, narração em off em alguns momentos, declamações poéticas  etc.
Mas o que gostaria de ressaltar em José Walter Pinto Lima é seu lado de  gestor cultural. Muita gente não sabe (ou finge não saber), mas Waltinho,  desaparecido o Clube de Cinema da Bahia sob a regência de Walter da Silveira  (que morreu em novembro de 1970), foi quem deu continuidade à sua proposta de  difusão do bom cinema através da exibição de filmes no Auditório da Biblioteca  Central, que depois, em 1986, viria a se chamar Sala Walter da Silveira.
Iniciadas as exibições no Auditório da Biblioteca Central em 1977, a  princípio feitas na bitola de 16mm e apenas uma vez por semana, os primeiros  anos foram tímidos em termos de programação, ainda que, no ano seguinte, já se  projetasse em 35mm e de quarta a domingo. Foi a partir do advento de Walter Lima  como Coordenador da Imagem e do Som (antigo nome para o diretor do atual DIMAS)  que houve um impulso considerável. Walter Lima conseguiu ampliar os dias de  exibição e trazer para a Bahia mostras de cineastas como Jean-Luc Godard, Luis  Buñuel, Robert Bresson, Sergei Eisenstein, entre tantos, e, principalmente, a  partir da denominação de Sala Walter da Silveira, esta virou um cinema lançador  de filmes raros e expressivos que não interessavam ao mercado exibidor. 
Naquela época, anos 80, não havia ainda o DVD nem mesmo o VHS, e a nova  geração não conhecia os filmes de um Godard, de um Buñuel, de um Bergman etc. O  cinéfilo ficava ao sabor das circunstâncias do mercado exibidor. Conhecia-se  mais cinema pela leitura de livros e revistas (falo do cinema mais autoral) do  que pela visão dos próprios filmes. Se hoje, por exemplo, é muito fácil se ver  qualquer filme (basta baixá-lo da internet em 5 minutos com computador de banda  larga com 2MB) ou ir à locadora mais próxima, há vinte anos, perdido o filme no  seu lançamento, dificilmente se teria a oportunidade de vê-lo novamente. Quando  Walter Lima exibiu, por exemplo, Deus e o diabo na terra do sol, de Glauber  Rocha, o público lotou completamente o auditório, com gente saindo pelo  ladrão.
José Walter Pinto Lima, promotor cultural, realizou um grande trabalho à  frente da Coordenação da Imagem e Som da Fundação Cultural do Estado da Bahia.  Ninguém mais, depois dele, ousou tanto e promoveu tantos eventos. Os concursos  de roteiros, outro exemplo, foram iniciados por ele, antes dos editais  governamentais do terceiro milênio. A origem do tão festejado Três histórias da  Bahia está num concurso de roteiros para a premiação de uma trinca de curtas que  depois foram reunidos no longa citado. 
E, para não esquecer, Walter Lima conseguiu solucionar um impasse quase  intransponível para que a Sala Walter da Silveira pudesse lançar filmes. A  burocracia estatal, como se sabe, trabalha na base de empenhos e demora para  pagar. E as distribuidoras não aceitavam lançar filmes na sala dos Barris.  Walter conseguiu uma reformulação para que fosse aberta uma exceção e da renda  da bilheteria pudesse ser retirada a parte que cabia a distribuidora sem a  necessidade do pachorrento empenho. A gestão seguinte, porém, desfez a exceção  tão necessária, ocasionando a decadência da Sala Walter da Silveira, que não  pode mais lançar filmes novos nem velhos de distribuidoras comerciais,  contentando-se com filmes de embaixadas e consulados, apesar dos esforços do  atual programador Adolfo Gomes, crítico e estudioso do cinema. Sobre a Sala  Walter da Silveira e essa questão do empenho, e a tentativa de  desburocratixzação de Walter Lima, escreverei um artigo à parte.
E o Seminário Internacional de Cinema e Audiovisual, que agora se chama  Cine Futuro? É simplesmente o maior festival de cinema da Bahia e um dos eventos  mais importantes do Brasil. Quem, senão Walter Lima, conseguiria trazer nomes tão  importantes como Costa-Gavras, Miguel Littin, o biógrafo de Truffaut, o  redator-chefe do Cahiers du Cinema, entre tantos outros. Na última noite do  seminário do ano passado, impressionado fiquei com o depoimento de Bertolucci,  que, convidado para o Cine Futuro, não pôde comparecer, mas mandou uma gravação  que foi exibida. Ele diz: "Fiquei triste em não poder aceitar o convite de meu  velho amigo Walter Lima!" 
Com esta, acho que disse tudo.
P.S: José Walter Pinto Lima foi um dos produtores de Dawson - Ilha 10 (Dawson - Isla 10), do chileno Miguel Littin, uma produção internacional.
P.S: José Walter Pinto Lima foi um dos produtores de Dawson - Ilha 10 (Dawson - Isla 10), do chileno Miguel Littin, uma produção internacional.

 
 
2 comentários:
Merece aplausos.
O Falcão Maltês
Olha André, o cara é bom mesmo! E dizer que de parte de sua trajetória eu participei, embora não me lembre dele... Refiro-me ao emblemático curso do Athayde (aquele ‘figuraça’) que fizemos juntos aí por terras de Bahia...
Pena que esses talentos baianos se percam nas brumas da história (e da província), a começar pelo próprio Walter da Silveira, que não é conhecido para além das divisas do estado, exceto em meios --mais cultos-- ligados à cinematografia.
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