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01 abril 2009

A máscara da morte branca



Que obra-prima é Os olhos sem rosto (Les yeux sans visage, 1959), de Georges Franju, um dos maiores cineastas da França, apesar de relegado, hoje, ao esquecimento. A magia desta obra insólita tem na fotografia de Eugen Schufftan um de seus pontos altos, com um sentido de composição da luz que impressiona. Não poderia, Les yeux sans visage, ser um filme a cores, pois o preto e branco aqui são de fundamental importância para a criação atmosférica, ambiental. A luz é produtora de sentidos e o branco assume um significado coreográfico como parte integrante da mise-en-scène (e cinema é mise-en-scène, apesar das exceções de praxe): a roupa dos médicos, a aura (branca) do rosto de Edith Scop (a atriz que faz a filha do médico), as cortinas, enfim, há uma acentuada tendência, na plástica das imagens, de acentuar o branco como móvel da narrativa. A impressão de estranhamento que causa o filme é que dá o tom do insólito e do bizarro.

O professor Génessier (interpretado com a gravidade exigida por Pierre Brasseur), cirurgião célebre, sumidade entre os médicos, admirado por seus trabalhos em heteroplastia, tem uma filha que foi, por acidente automobilístico, horrivelmente desfigurada. Apenas os olhos lhe restam intactos. Para tentar restituir-lhe a beleza anterior, seu pai, com a cumplicidade de um enfermeira que lhe é devotada (ele conseguiu, através de cirurgia, restituir-lhe um rosto, e este rosto é o de Alida Valli), pega, nas ruas e estradas francesas, mulheres bonitas para fazer ensaios de enxertos de peles para colocá-las na filha querida. Mas as experiências, se a princípio parecem exitosas, com o passar do tempo, revelam-se degenerativas. A filha ignora a monstruosidade dessas experiências em seu favor, mas quando vem a saber toma uma atitude.

Claude Beylie, ensaísta francês, considera Les yeux sans visage uma das obras-primas definitivas da história do cinema. Em seu livro sobre os filmes fundamentais (As obras-primas do cinema, Martins Fontes), ele escreveu: "Esta obra de um dos grandes poetas do cinema situa-se a meio caminho entre o grand guignol e o documento clínico." E mais: "Embora exista no cinema francês uma tradição bem arraigada do maravilhoso, de Méliès a Cocteau, não podemos citar grandes autores do cinema fantástico - fora Georges Franju. Ele é o único diretor insólito deste tempo, dele dizia Henri Langlois (ao lado de quem Franju se encontrou para fundar a Cinemateca francesa). O insólito, o estranho, o angustiante não faltam nos filmes de Georges Franju (1912/1987)." E continua Beylie: "Mas seus trabalhos também se destacam por um rigor de escrita, uma fluidez narrativa, um apego ao cenário e aos objetos que encontraram inicialmente seu campo de expressão no documentário (e o DVD, na parte dos extras, mostra um deles, Sangue das bestas/Le sang des bêtes, 1949, sobre a morte de bois, cavalos e ovelhas em matadouros franceses, que tem uma crueldade exemplar no desvendamento da barbárie da condição humana). Ao passar para o longa metragem em 1958, Franju não perde nada dessa acuidade de visão, ligada a um forte temperamento de visionário.

3 comentários:

Mayrant Gallo disse...

Uma bela apresentação para um filme igualmente belo, certamente! Os cinéfilos agradecem a indicação.

Jonga Olivieri disse...

Lembrei de ter visto este filme ao ver a imagem postada por você, mas não me lembro do filme em detalhes.
Antes de mais nada uma obra angustiante a deste dietor que se dedicou mais ao documentário, tendo seu trabalho meio que esquecido mesmo.

André Setaro disse...

Vim a conhecer esta obra-prima recentemente por meio do DVD distribuído pelo selo Magnus Opus. É difícil achar nas locadores comuns, mas merece ser buscado.