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23 dezembro 2009

O blog entra em merecidas férias

Viajo hoje, quarta, dia 23, ao Rio de Janeiro, onde devo permanecer até o sábado, dia 2, quando volto, não ao batente, pois estou de férias, mas à rotina soteropolitana, que é infernal, principalmente por causa da temporada de verão e do clima carnavalesco que se instala na cidade. O blog fica em recesso. Parado. Vou procurar, também, ficar longe do computador.

20 dezembro 2009

A Tortura do Medo




A tortura do medo (Peeping tom, 1960), de Michael Powell, quando lançado na Inglaterra, apesar de assinado por um cineasta famoso, recebeu as mais severas críticas e o público, incomodado, se retirou das salas, a ponto de comprometer a carreira de seu diretor, que ficaria anos sem poder exercer a sua profissão pela recusa sistemática dos produtores. Na verdade, esta obra-prima, que trata do voyeurismo, incomodou os britânicos pela sua franqueza de exposição e pela habilidade de colocar o espectador na mesma posição de voyeur de seu personagem principal, um assassino que se compraz em matar mulheres para ver, nelas, o medo estampado no rosto enquanto estão a morrer e sendo filmadas pela sua câmara portátil. O espectador gosta de ser cúmplice de determinadas situações, quando, por exemplo, o personagem não tem ciência do perigo que corre, mas já sabido pelo público que é, pelo cineasta, "avisado" com antecedência. Em Um corpo que cai (Vertigo), obra-prima do cinema e de Hitchcock, a platéia já sabe que Judy é Madeleine, mas o apaixonado James Stewart continua ignaro da situação. Em Peeping Tom, Powell, num ato de audácia, faz com que o espectador seja confundido com um assassino e tenha, também, o prazer de um voyeur.

Desprezado pela crítica e pelo público, Peeping Tom precisou esperar mais de uma década até que foi redivivo nos anos 70 e considerado, por realizadores e críticos como Martin Scorsese, Francis Ford Coppola, Peter Bogdanovich, Claude Beylie, entre tantos, uma obra-prima. Scorsese, inclusive, chegou a comprar o negativo em 35mm para restaurar o filme em suas cores magníficas. Com o advento do DVD, a Criterion (distribuidora que somente lança obras luminosas e bem definidas) distribuiu Peeping Tom no mercado americano. A Silver Screen, embora não mantendo a qualidade das cópias da Criterion, lançou, há dois anos, o filme no Brasil. É um acontecimento importante para o cinema e para quem gosta de cinema já que o circuito comercial, honradas as exceções de sempre, impõe ao mercado o lixo cultural oriundo da indústria americana.


Mark Lewis (interpretado por Karl-Heinz Boehm, conhecido como o imperador, marido de Romy Schneider, na série Sissi) é um jovem cameraman que vive, para cima e para baixo, com sua câmera portátil 16mm debaixo do braço. Tem prazer em filmar, com ela, as prostitutas que o abordam na rua e matá-las com um estilete dissimulado no pé da máquina. Para aumentar seu prazer, ele mostra a suas vítimas, no momento crucial, um espelho parabólico que reflete a imagem de seu pavor na hora exata de morrer. Ele faz confidências à vizinha (interpretada por Anna Massey, que, mais de dez anos depois, em 1972, Hitchcock, quando filmou em Londres seu extraordinário Frenesi/Frenzy, a convidou para o papel da namorada de Jon Finch, vítima de estrangulamento pelo serial Barry Foster – e não a dúvida que o mestre se influenciou muito no filme de Powell em Frenzy) e exibe, no seu quarto, através de um projetor 16mm, para ela, os filmes amadores feitos pelo seu pai, um psiquiatra que utilizava o filho como cobaia para estudar a reação das pessoas diante do medo. Interessante observar que o pai (visto nos filmes projetados em preto e branco) é interpretado pelo próprio Michael Powell. Renomado psiquiatra tem como objetivo a investigação do pavor no ser humano. O filho passa a infância sendo filmado a toda hora e a qualquer momento. O que lhe provoca nada menos que um imenso trauma. Seu gosto perverso pelo voyeurismo vem daí.


Filmes sobre o voyeurismo são presenças marcantes no cinema (Janela indiscreta do mestre, Dublê de corpo, de Brian De Palma, entre tantos), mas nunca o voyeurismo atingiu a dimensão e a sutileza verificadas em Peeping Tom.


A polícia, no entanto, consegue pistas de sua localização. Acossado, Mark decide se suicidar e filma a si próprio com sua câmera portátil, a registrar a própria morte em película e, no derradeiro momento da agonia, vê o rosto no espelho. Há, entre outros, dois momentos antológicos: aquele no qual a atriz Moira Shearer (Viv) dança para Mark antes de ser morta e a última sequência no quarto deste, quando decide filmar a própria morte. Michael Powell usa as cores com bastante funcionalidade graças ao talento de seu diretor de fotografia Otto Heller.

Powell, cineasta essencialmente inglês, foi produtor dos primeiros filmes de Hitchcock e, antes de Peeping Tom, era muito considerado por causa de filmes como Neste mundo e no outro(A Matter of Life and Death, 1946), Coronel Blimp (The Life and Death of Colonel Blimp” 1943), com Deborah Keer, Narciso negro (Black Narcissus, 1947), também com Deborah Keer e Jean Simmons, e, principalmente pelo fascinante Sapatinhos vermelhos (The Red Shoes, 1948), que tem no seu elenco a mesma Moira Shearer de Peeping Tom. Fala-se que este filme revolucionou o balé. Todos os citados, menos Peeping Tom, foram dirigidos em parceria com Emeric Pressburger.


Filme fantástico do segundo ou mesmo do terceiro grau, sentenciou o crítico francês Claude Beylie a respeito de Peeping Tom, esta obra surpreendente apresenta o caso de um Jack, o Estripador, moderno, que teria visto muito Um cão andaluz, de Buñuel, e Janela indiscreta.

Beylie, aliás, se impressionou tanto com A tortura do medo que o colocou entre os melhores filmes de todos os tempos em seu imprescindível livro As obras-primas do cinema (editado aqui no Brasil pela Martins Fontes, mas esgotadíssimo). Segundo o ensaísta, "Este filme que seríamos tentados a atribuir a algum epígono de Buñuel ou Hitchcock, é obra de um respeitável cidadão britânico, Michael Powell (nascido em 1905), que, até então, dedicara-se a trabalhos prestigiosos (mas já marcados por um sólido humor) como Coronel Blimp ou ‘Neste mundo e no outro’. Retrospectivas recentes permitiram aquilatar a dimensão de um talento que não é indigno dos mestres americanos do cinema de aventuras ou do musical”.


Ainda Beylie: “A escolha de uma história – bastante sórdida – que evoca os romances de crime de Edgar Wallace, e apimentada com private jokes, pode surpreender. De fato, não só tudo neste filme gira em torno da escoptofilia, concebida como uma variante inquietante da cinefilia, mas o diretor multiplica-as ‘as piscadas de olhos’: ele próprio faz o papel de um pai indignado que filma os medos de um garoto (seu próprio filho), enquanto o deux ex machina cabe a uma senhora alcoólatra e cega! Para coroar tudo, Powell afirma tranqüilamente que não há nada de malsão nisso, que se trata, ao contrário, de um filme ‘terníssimo, delicadíssimo, quase romântico’. Em todo caso, a obra impressionou várias gerações de espectadores – e de cineastas como Martin Scorsese e Brian De Palma”.



16 dezembro 2009

"O Superoutro", em festa, completa 20 anos

Parece que foi ontem que vi O Superoutro numa sessão no extinto Teatro Maria Bethânia no bairro soteropolitano do Rio Vermelho. Mas o fato é que este filme magnífico de Edgard Navarro já cumpre 20 anos, duas décadas. Hoje o cinema baiano está em festa e fica difícil a opção: ir ver a cópia restaurada de Tocaia no asfalto, de Roberto Pires, na Sala Walter da Silveira, ou ir à festa comemorativa dos 20 anos de O Superoutro, quase no mesmo horário, no Espaço Unibanco Glauber Rocha. A sessão é para convidados. Mas o filme entra em cartaz sexta que vem no mesmo espaço. Considerado uma obra-prima do cinema baiano, O Superoutro é uma obra que já se tornou cult. Ontem, em A Tarde, em texto assinado pelo ítalo-baiano Raul Moreira, saiu extensa reportagem sobre o reencontro de Navarro com Bertrand Duarte, o grande ator que faz o papel-título e, recentemente, esteve, divino, em Pau Brasil, de Fernando Bélens. Já em fase de pós-produção o último longa de Navarro: O homem que não dormia, que tem, entre outros, a presença no elenco do lendário Luis Paulino dos Santos.

15 dezembro 2009

"Tocaia no asfalto" é restaurado

Escrevi hoje, na minha coluna semanal da revista eletrônica Terra Magazine, um comentário crítico ao filme baiano Tocaia no asfalto (1962), de Roberto Pires, que pode ser lido no seguinte endereço: http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI4157487-EI11347,00-Tocaia+no+asfalto.html

Com seu negativo em processo de deterioração, Tocaia no asfalto foi inteiramente restaurado e vai ser exibido, nesta cópia luminosa e novíssima, quarta, 16 de dezembro, na Sala Walter da Silveira, que fica à rua General Labatut, nos Barris, às 19 horas. Quem mora em Salvador, uma oportunidade e tanto para ver ou rever este filme, que considero o melhor já feito dentro do itinerário de longas do cinema baiano.O talento de Roberto Pires é inegável e pode ser considerado um dos melhores artesãos do cinema brasileiro. Pires foi o responsável pelo primeiro longa metragem feito na Bahia: Redenção, em 1959, que se encontra sendo devidamente restaurado. Pires também realizou, no apogeu do Ciclo Baiano de Cinema, A grande feira (1961). Depois, retirou-se para o Rio de Janeiro para continuar a sua carreira (Máscara da traição, Crime no Sacopã etc).

Clique na imagem para vê-la maior.

13 dezembro 2009

Saudade do velho Cine-Theatro Guarany

Inaugurado em 1917, na Praça Castro Alves, a praça do Poeta, é um cinema acanhado, embora confortável e frequentado pela elite baiana. Nos anos 50, sofre reforma infraestrutural para se adaptar ao novo formato que então surge, o CinemaScope, implantando também o som estereofônico. A Fox, a temer a concorrência televisiva, decide colocar no mercado o CinemaScope, e o filme de estréia, neste processo anamórfico – tela retangular e muita larga – é O manto sagrado (The robe, 1953), de Henry Koster. Os baianos podem vê-lo, em meados do decurso dos 50, no Guarany, em noite de gala, e ficam surpresos quando Richard Burton, um de seus atores principais, ao andar do lado esquerdo para o lado direito do enquadramento, tem sua voz também a acompanhá-lo. É a novidade do stéreo que espanta àqueles acostumados à uniformidade do mono. Há um livro sobre a reforma do cinema Guarany, editado pela Construtora Norberto Odebrecht, que, esgotado, desaparece, nunca conseguindo sequer vê-lo de longe. É no Guarany também que se dá a estréia de Redenção, em 1959, de Roberto Pires, o primeiro longa metragem do cinema baiano, cuja lente, anamórfica, inventada pelo próprio diretor.
Ao contrário das salas atuais, todas iguais, os cinemas do pretérito possuem estilo, cada um com um toque diferente, uma decoração especial, e o Guarany, neste particular, é, para mim, o mais atmosférico. Antigamente, o espaço, frente a esta sala exibidora, chamava-se Largo do Teatro, porque o Guarany também tem um proscênio no qual se encenavam peças aclamadas muitas vezes oriundas do eixo Rio-São Paulo. Assim, a atmosfera do cinema começa na sua entrada, com o cheiro de seu ar condicionado. A sala de espera, um recanto para se ficar vendo os cartazes e as fotos dos filmes que vão a seguir e que em breve estão em cartaz. Além de sua sofisticada bombonière – é desse modo que todos se referiam àquele pequeno espaço onde se vendem dropes, chicletes, chocolates, com todos arrumados em filas indianas ou, mesmo, militarmente ordenados.
A sala de projeção se divide entre a platéia – lugar mais privilegiado – e um balcão, cujo acesso se faz por duas escadas laterais. Na primeira, antes do palco, um espaço para orquestra. E, de hábito naqueles bons tempos, que não voltam mais, quando o filme começa, antes que as cortinas fossem abertas, luzes coloridas se revezam enquanto se ouve um trecho de O Guarany, de Carlos Gomes. É o sinal de que a função iria se iniciar. Antes, no entanto, enquanto se espera a sessão, o gongo anunciador, a partitura musical do filme a ser apresentado é dada aos ouvidos dos presentes para uma melhor familiarização, um esquentamento, por assim dizer. Fica-se, então, a olhar os índios em fila da parede do lado direito pintados por Carybé, assim como os peixinhos enfileirados do lado esquerdo. Há, portanto, uma atmosfera especial, e o cinema estabelece-se, à maneira do teatro, como uma função.A partir da introdução do Cinemascope todos os outros cinemas têm que se adaptar ao novo formato, mas o CinemaScope do Guarany é especial, pois o mais espetacular da província da Bahia. Nos cinemas atuais não existe mais esta atmosfera, esta preparação, este, se quiser, esquentamento, pois a tela, sem cortina, recebe o filme de repente, jogado de supetão sem nenhum aviso prévio. Mas os tempos são outros. Antes, as imagens em movimento estam confinadas apenas nas salas escuras dos cinemas, enquanto, hoje, estas podem ser vistas nos mais variados suportes. Já se chegou ao requinte de baixar filmes pela internet com uma bem razoável definição de imagem.Walter da Silveira, em meados dos anos 60, instala o seu Clube de Cinema da Bahia no Guarany, com as sessões realizadas aos sábados pela manhã, às 10 horas. É, portanto, nesta sala, que comecei a minha formação cinematográfica, acostumado à programação do circuito cuja característica principal está no cinema de gênero americano – os westerns, os musicais, as comédias românticas, os thrillers, etc. Vim a conhecer o cinema como expressão de uma arte, o cinema de autor, vendo filmes como Hirsohima, mon amour, de Alain Resnais, Guerra e humanidade, de Masaki Kobayashi, O eclipse, de Antonioni, Morangos silvestres, de Ingmar Bergman, entre muitos e muitos outros.
De propriedade do Estado da Bahia, o Guarany é arrendado a Condor, cuja distribuição fica a cargo de Aluísio Ribeiro e a gerência administrativa, Francisco Pithon. Pressentindo a crise pela qual passava o cinema como espetáculo – superada com o toque de Mídias de George Lucas e a suas guerras nas estrelas e a descoberta do filão infanto-juvenil, quando se dá a infantilização temática que continua a infestar até hoje os produtos audiovisuais da indústria cultural hollywoodiana, a Condor resolve sair do mercado exibidor, em 1975, e transferir o arrendamento de suas salas à CIC (Cinema International Corporation) que, anos mais tarde, vem a se chamar UPI (United International Pictures). A passagem do Guarany às mãos multinacionais da CIC é motivo de protesto da associação que congrega os cineastas baianos, a qual emite uma nota furiosa, denunciando que o governo está a entregar um imóvel de seu patrimônio a uma multinacional contrária aos interesses do cinema brasileiro. Se na há engano no andamento de minha memória, assino tal protesto – é durante a administração da Embrafilme que o Guarany se tornoa Glauber Rocha, quando da morte deste que é o maior cineasta brasileiro de todos os tempos. ACM, então governador da Bahia, no dia seguinte ao falecimento do realizador de Terra em transe, assina ato determinando a mudança de seu nome.

Com a decadência galopante do centro histórico da cidade, e a abertura das avenidas de vale e, principalmente, a construção dos shoppings centers, os cinemas do centro entram em decadência. A CIC não se interessa em renovar o contrato. Existe, nesta época, 1980, toda poderosa, a Embrafilme (Empresa Brasileira de Filmes S/A), que, com sucursal bem montada em Salvador, assina contrato com o Estado para entrar no mercado exibidor. Iniciativa pioneira em todo o Brasil, porque a Embrafilme se restringe à produção e distribuição de filmes brasileiros. Neste período, em 1982, uma Jornada foi toda concentrada nesse cinema, com grande êxito, aliás. O Guarany passa a ser administrado por esta empresa e vem daí, talvez, sua decadência. Luis Carlos Barreto praticamente mandava na programação do cinema, determinando que filmes produzidos por sua empresa ficassem semanas e semanas em cartaz, mesmo que vistos por moscas. O Guarany de meus tempos tem perdida, paulatinamente, a sua aura.
Em 1985, mais ou menos, a Embrafilme, cansada de tanto insucesso, entrega o cinema ao Estado e este, novamente, resolve fazer uma licitação para arrendá-lo. A Art ganha, mas, pelo menos, era uma companhia brasileira importadora de filme e também exibidora. Mas desfigura o projeto original com uma reforma oportunista. Não diria que é a Art quem leva o Guarany à sepultura, mas é na gerência desta empresa que o Guarany fecha suas portas.E a lembrança do Guarany leva, necessariamente, à lembrança do Bar e Restaurante Cacique, lugar ideal para uma cerveja gelada a las cinco de la tarde, após uma matinée.
Clique na imagem para ver a majestade do cinemascope. A foto é de O manto sagrado.

12 dezembro 2009

Tuna registra Marighella em imagens

O cineasta Tuna Espinheira conversa com Dona Clara, viúva e companheira de toda vida de Marighella, quando filmava a cerimônia comemorativa da inauguração, em São Paulo, de uma placa para assinalar os 40 anos de seu brutal assassinato erguida no mesmo espaço onde veio a morrer metralhado pelos agentes da ditadura. Ao que tudo indica, Espinheira deve ir a Cuba para filmar. Aguardem notícias. Cliquem na imagem para vê-la em maior amplitude.

10 dezembro 2009

Henri Agel

O famoso crítico de cinema Henri Agel (1911/2008): anguloso e sábio. Professor do IDHEC (Institut des Hautes Études Cinematografiques), autor de Le Cinema, entre muitos outros livros. Homenagem mínima que este blog pode lhe prestar.

Truffaut: cineasta terno e afetuoso

Ao contrário do cinema de seus companheiros da Nouvelle Vague - Godard, Rohmer, Chabrol, Rivette, Resnais... racionalista e cerebral, o de François Truffaut é feito com a emoção e o coração, com extrema sensibilidade e uma simpatia incomum pelos seus personagens, que são tratados com ternura, generosidade e afeto. O crítico ferrenho, radical, intransigente, das revistas Cahiers du Cinema e Arts et Spetacules, que ataca em seus escritos o cinema clássico francês e o realismo psicológico de acadêmicos como Claude Autant Lara, Julien Duvivier, entre outros, sofre uma espécie de metamorfose quando passa a realizar filmes, transformando-se num cineasta terno e amável.

Os Incompreendidos (Les Quatre Cents Coups, cuja tradução literal é Os Quatrocentos Golpes), além de inaugurar a Nouvelle Vague – juntamente com Acossado, de Godard, Hiroshima, de Resnais... -, dá início à carreira de Truffaut como realizador de longas. E, neste 2009, a distância deste filme é de exatos 50 anos. Aqui também começa o ciclo dedicado a Antoine Doinel (sempre interpretado por Jean Pierre Léaud), um personagem com evidentes elementos autobiográficos, através do qual aborda o rito de passagem da infância à idade adulta. É a nostalgia da adolescência que Truffaut reflete nos filmes do ciclo Doinel, a fugacidade do tempo e a ânsia de amar, a chegada a idade adulta, o casamento... (Antoine et Colette, 1982, episódio de O Amor aos Vinte Anos/L’Amour a vints ans; Beijos Proibidos/Baisers Volés, 1968, Domicílio Conjugal/Domicile Conjugal, 1970, e; Amor em Fuga/L’Amour en Fuite, 1978).

(Em Os Incompreendidos, Truffaut, avant la lettre, considerando a época, alude à Nouvelle Vague e a seu amigo e colega Jacques Rivette, quando os pais de Antoine – que, por sinal, nos outros filmes do ciclo estão sempre ‘indo ao cinema’ – decidem ir ver Paris Nous Appartient, de Rivette, filme emblemático, apesar de pouco conhecido do movimento francês, e, de volta, no automóvel, consideram-no ‘muito bom’ – melhor homenagem impossível).

Romântico, sem, contudo, abandonar a visão irônica e dolorosa das relações afetivas, Truffaut tem a sua obra-prima já na terceira incursão longametragista: Uma Mulher para Dois/ Jules et Jim (1961), crônica de uma relação triangular (Oskar Werner, Jeanne Moreau...) baseada no texto literário de Henri Pierre Roché, autor que lhe serviria de inspiração para realizar, dez anos depois, abordando a mesma temática da dificuldade de amar, As Duas Inglesas e o Continente/ Les Deux Anglaises et le Continent (1971). O problema da comunicação no amor, aliás, do amor impossível, en fuite, é uma constante na filmografia de Truffaut, como revelam A História de Adele H/ L’Histoire de Adele H (1976), com Isabelle Adjani, A Mulher do Lado/ La Femme de la Cote (1981), entre outros.

Se seus colegas da Nouvelle Vague procuram elaborar uma linguagem que desconstrói o discurso cinematográfico tradicional, revertendo os cânones da lei de progressão dramática griffithiana, François Truffaut não pretende nunca em seus filmes dissolver a estrutura lingüística, mas, ao contrário, busca desesperadamente a fluência narrativa, o toque mágico capaz de envolver o espectador a fazê-lo pensar que não está no mundo’. É verdade que brinca com a metalinguagem, mas num sentido de reverência e ao cinema como em A Noite Americana/ La Nuit Americaine (1973), belíssima homenagem ao processo de criação cinematográfica onde Truffaut comparece como ele mesmo no papel de um diretor que faz um filme. O filme dentro do filme, portanto.

Outra vertente temática na obra truffautiana é a dominante policial, influência, na certa, de sua admiração por Alfred Hitchcock – seu livro de entrevista com este, Hitchcock/Truffaut, da Brasiliense (e, agora, em outra edição pela Cosac ou Companhia das Letras), é, simplesmente, uma aula magna de cinema. Há Hitchcock em Fareinheit 451 (1966), que faz na Inglaterra, com o mesmo Oskar Werner de Jules et Jim, baseado na ficção-científica de Ray Bradbury. Outra obra alusiva ao mestre é A Noiva Estava de Preto/ La Mariée Était em Noir (1967), com Jeanne Moreau ou, mesmo, Tirez sur le Pianiste, segundo filme (1960), e A Sereia do Mississipi/ La Sirene du Mississipi (1969), no qual declara, através das imagens em movimento, a sua paixão momentânea, Catherine Deneuve, que trabalha, aqui, ao lado de Jean Paul Belmondo. E no seu canto de cisne De Repente num Domingo/ Vivement Dimanche (1984), cujo ‘claro/escuro’, proposital, vem em auxílio de uma proposta estilística em função do film noir francês. Sem esquecer o elaborado, como mise-en-scène, Um só pecado (Le peau douce, 1963).Que, revisto agora, considero um dos melhores filmes do cineasta.

Autor, porque dono de um estilo próprio, marcante, ainda que com um universo temático diversificado, François Truffaut, na sua filmografia, envereda por assuntos diversos, a exemplo de O Garoto Selvagem/ L’Enfant Sauvage (1970), filme sobre a luta de um médico, no século XIX, para ‘domar’, um menino bárbaro criado sem contato com a civilização – influência possível para Werner Herzog em O Enigma de Kaspar Hauser. Na Idade da Inocência/ L’Argent de Poche (1976), experiência na qual, repetindo Jean Vigo (Zero de Conduite), o universo que retrata é constituído somente de crianças. Sem esquecer O Último Metrô/ Le Dernier Metro (1980), uma volta ao passado, Segunda Guerra Mundial na França ocupada, para valorizar, numa situação-limite, a importância dos pequenos gestos.

Em todos os filmes de François Truffaut, um denominador comum: a narrativa que sobrepuja a fábula, a doce fabulação que advém de um sentido preciso de mise-en-scène, o touch truffautiano, sempre terno, apaixonado, capaz de levar ao espectador o prazer do autor com o que está a filmar e o prazer, imenso, de se assistir ao que se está a ver.

06 dezembro 2009

Notas ligeiras sobre o teatro baiano

1) Minha pequena (e modesta) opinião sobre a montagem baiana de Joanna D'Arc (estou a colocar com dois ns porque no cartaz da peça assim está) acendeu uma polêmica entre alguns leitores (vejam nos comentários abaixo do post do escrito sobre Joanna). Embora não concorde com um deles, o de Henrique Wagner, e em gênero, número e grau, é uma opinião e, como sou voltairiano, defendo até a morte o direito dele tê-la. O fato é que a maioria das pessoas gostou muito da peça. Mas, como dizia o genial Nelson Rodrigues, toda unanimidade é burra.

2) Há, em cartaz na cidade, uma outra montagem que pretendo ver. Trata-se de uma peça em homenagem ao veterano ator baiano Harildo Deda dirigida por Luiz Marfuz e que se encontra no Teatro Vila Velha.

3) Sempre gostei muito de teatro. Vi quase todas as montagens baianas dos anos 60 e 70, mas, de repente, parei de ir aos palcos da soterópolis. Certas peças de teatro de laboratório, com os atores sujos e de malhas pretas a pular como macacos no proscênio, me incomodaram a paciência e me provocaram a aporrinhação. E depois veio o besteirol. Nada contra o besteirol, se bem feito, se articulado com engenho e arte e que seja capaz de fazer rir. Sinto, no entanto, falta de montagens de textos antológicos como se fazia antigamente. Quase que não se monta mais Ibsen, Strindberg, Camus, Tenneesee Williams, Ionesco, Tchecov, Bertold Brecht, Molière, William Shakespeare, entre tantos.

4) Assim de memória, tenho, dentro de seus arcanos, as lembranças inesquecíveis de O macado da vizinha, de Jorge Salomão, creio que vista em 1966 na Escola de Teatro, Stop, Stop, de João Augusto, Teatro de Cordel, de vários diretores (entre eles, João Augusto, Péricles, Orlando Senna), Esta noite improvisamos, de Alberto D'Aversa, Santo sepulcro para casal, também deste último, A escolha, de Orlando Senna, segundo texto de Ariosvaldo Mattos, Eles não usam black-tie, de João Augusto, O noviço, baseado em Martins Penna, cujo diretor, agora, esqueço, mas montada pelo grupo do Teatro dos Novos, Uma obra de governo, de Álvaro Guimarães, entre muitas outras. Nos anos 70, Marilyn Miranda, A casa de Bernarda Alba, dirigidas por José Possi, quando foi diretor da Escola de Teatro. E Calígula, de Camus, montada no interior devastado do Teatro Castro Alves, que se incendiou em 1958 e somente teve restauradas as suas instalações na primeira reabertura de 1967, quando vi, no seu imenso palco, O burguês fidalgo, de Molière, com Paulo Autran, O avarento, também de Molière, com Procópio Ferreira, A úlcera de ouro, deliciosa comédia musical com Marília Pêra, O Gonzaga, de Orlando Senna, entre muitas outras que o cansaço e a memória fraca deixam de registrar.

A foto é de Paulo Autran na pele de Tartufo, de Molière.

03 dezembro 2009

Bons tempos aqueles do CinemaScope

Em 1953, a Fox, temerosa da concorrência da televisão, que fechou metade das salas exibidoras dos Estados Unidos, lançou, com grande marketing, o formato CinemaScope e som estereofônico, ainda que já tivesse sido descoberto décadas antes pelo francês Henry Chrétien. O primeiro filme em CinemaScope foi O manto sagrado (The robe), de Henry Koster, com Richard Burton e Jean Simmons. Conta-se do espanto dos espectadores quando Burton, a recitar teatralmente, anda do lado direito para o esquerdo da tela com a sua voz se deslocando (era o processo estereofônico). Nos primeiros filmes em CinemaScope, a predominância era dos planos gerais, geralmente ambientes amplos e repletos de personagens. Os filmes eram mais paisagísticos do que introspectivos. Quem trouxe o ser humano e os closes ups intensos para o CinemaScope, revolucionando-o, foi George Cukor em Nasce uma estrela (A star is born, 1955), com Judy Garland e James Mason. Mas não se poderia deixar de citar Aconteceu em Veneza Sait-on jamais...), de Roger Vadim, com aquele close fascinante dos olhos de Françoise Arnoul a tomar conta de todo o espaço da tela. Exibindo O manto sagrado na sua grade de programação, o Telecine Cult, há alguns anos, teve o acinte de apresentá-lo na abominável tela cheia, full screen, destruindo todas as composições de enquadramento desse filme pioneiro, ainda que superado e velho, datado. De cult, The robe não tem nada. Mas, a Paramount, para entrar na concorrência, inventou o Vistavision, cujo formato é menos largo do que o CinemaScope.(O Telecine, que se diz cult, está, agora, a exibir Satyricon, de Fellini, em horrenda tela cheia). Há alguns dias, programei o sábado à tarde para ver Viva Maria, de Louis Malle. O filme começa em CinemaScope, com a saltitante Brigitte Bardot em cima do trem a andar e, de repente, finda a apresentação dos créditos, o filme se espicha de uma forma que me fez desligar, num ex-abrupto, a televisão, quase quebrando-a.

Se, com a entrada deste formato todos os cinemas tiveram que se adaptar a ele, com as lentes anamórficas e mudança de telas, os exibidores, no entanto, não modificaram as janelas dos projetores adequados para o Vistavision. Resultado: todos os filmes da Paramount (incluindo a maioria dos de Hitchcock) foram exibidos no Brasil cortados pelos lados. Somente agora, com as cópías em DVD é que, pela primeira vez, os brasileiros estão a ver os filmes em Vistavision na sua integridade.

Infelizmente, a maioria das pessoas tá pouco se lixando para o formato dos filmes. O que interessa é a história, a trama, a intriga. Fiquei estarrecido quando ouvi de um jovem que prefere ver os filmes dublados porque tem preguiça de ler as legendas. A incultura cinematográfica cresce a passos largos. O cinéfilo do pretérito virou um simples consumidor de filmes e, como já disse aqui, o ir ao cinema atualmente é diferente do ir ao cinema no passado. O ir ao cinema hoje é uma das fases do processo do 'shoppear'. Não se vai mais ao cinema, mas se vai ao shopping e, estando nele, ao cinema. Os consumidores, débeis mentais, não possuem, portanto, um propósito estabelecido a priori de ir ao cinema ver determinado filme. Entra-se numa sala 'multiplexada' por causa de um cartaz, de um rosto bonito, de determinado ator ou atriz ou pela sugestão da ação, violência e sexo. Lembro-me que, em priscas eras, comprava o jornal para saber das estréias, estabelecendo, por exemplo, "amanhã, sem falta, vou ver Matar ou morrer logo na primeira sessão, às 14 horas, no cinema Guarany".

Era uma outra cultura, uma outra época. O cinema como casa de espetáculos já morreu e está devidamente morto e enterrado.

02 dezembro 2009

"Joanna D'Arc" promove o teatro baiano


Publicado originariamente na revista eletrônica Terra Magazine (em 01.12.2009).
A montagem baiana de Joanna D'Arc, ora em cartaz na Sala do Coro do Teatro Castro Alves, em Salvador, sobre ser uma peça de altíssimo nível profissional, faz redivivo o teatro baiano, que, nas últimas décadas, salvo as honradas exceções de praxe, vive atolado num besteirol incontrolável. Com texto de Cleise Furtado Mendes, e direção de Elisa Mendes, tem a grande atriz Jussilene Santana como a sofrida personagem que passa por um martírio, uma via-crucis, por causa de sua personalidade, sua retidão, sua fé, e, talvez, sua ingenuidade. Jussilene Santana desponta como a intérprete maior da cena baiana contemporânea.

A concepção cênica tem eficiência dramática, com acentuado sentido da utilização funcional do tempo e do espaço teatrais. Poder-se-ia dizer, até, que Joanna D'Arc é uma peça em movimento, por causa do sentido dramático em que se propõe a construção do espaço, com os cenários que se armam ou se desarmam em função do estabelecimento da agilidade da mise-en-scène. Os intérpretes, quando não estão "em cena", permanecem sentados, e calados, nas laterais do proscênio. Há, nisso, uma proposta de desmistificação do teatro realista para assumir a sua condição de ação dramática especificamente teatral.

Se o uso do espaço é funcional, o do tempo também o é. Joanna D'Arc é apresentada, no início, presa e prestes a ser julgada e, por meio de flash-backs, por assim dizer em linguagem cinematográfica, retorna-se aos momentos nos quais ela luta pela França, com a sua perseverança e ânimo guerreiro. Assim, o espetáculo entrelaça momentos presentes com momentos pretéritos. O fato em si, desse procedimento, que já é lugar comum no teatro, não daria a Joanna D'Arc um maior valor na articulação de sua temporalidade, não fossem a "construção" do tempo por meio do décor e da luz, além dos movimentos dos atores em cena. E entra, de repente, a "desconstruir" esta aparente dualidade temporal (passado/presente) um "hiato", quando a personagem confessa as suas hesitações ao público diretamente. Há, neste procedimento, um acento brechtiano, de distanciamento dramático. A atriz procura a catarse da dor, mas, ao mesmo tempo, "sai" da construção heterodoxa da personagem para uma abrangência maior no seu diálogo com o público.

Assim como no cinema, quando o valor cinematográfico de um filme se expressa pela "maneira" através da qual o realizador articula os elementos da linguagem fílmica, no teatro o texto, a rigor, é um conduto para o estabelecimento de uma mise-en-scène. O valor teatral a ser aferido por uma obra posta em cena pode ser encontrado na articulação dos elementos feita pelo diretor: a cenografia, a indumentária, a luz (fundamental), e, principalmente, pelo poder de convencimento dos atores. Mais do que no cinema, o ator surge como conditio sine qua non para o êxito de um espetáculo teatral. Sem bons intérpretes que consigam convencer, envolver, os espectadores, toda peça se vê condenada ao fracasso.

Joanna D'Arc, neste particular, tem atributos inegáveis capazes de situá-la como um espetáculo profissional, inventivo, que encanta pela conjunção dos elementos específicos da linguagem teatral: o "tratamento" criativo do texto por meio da utilização funcional do décor, do tempo, do espaço, como já dito, e um elenco homogêneo, onde se destaca, no papel-título, a presença de Jussilene Santana (que, além, de excelente atriz é, também, escritora, autora de Impressões modernas, livro desmistificador sobre os tempos de Martim Gonçalves na Bahia).

Por que tanto fascínio por Joanna D’Arc? Carl Theodor Dreyer, cineasta dinamarquês, filmou, em 1928, a obra definitiva sobre esta personalidade histórica em La passion de Jeanne D’Arc, que tem, no papel, uma atriz inexcedível, que sofreu, durante as filmagens, um martírio quase semelhante ao de sua personagem: Renée Falconetti, que, finda a produção, amargurada, depressiva, internou-se num sanatório para curar os traumas impostos pelo perfeccionista diretor na construção do personagem. Walter da Silveira, ensaísta baiano de cinema, numa lista de seus melhores, publicada na extinta revista “Filme/Cultura”, colocou La passion de Jeanne D’Arc no topo de sua lista, como o melhor filme de todos os tempos. Robert Bresson, o mais ascético dos realizadores, inspirou-se nela para seu O processo de Joanna D’Arc, datado de 1961. Há uma Joanna contemporânea, que não vi, dirigida pelo francês Luc Bresson.

Joanna D'arc surge na história da França durante a Guerra dos 100 Anos (1337-1453) entre franceses e ingleses. Há, segundo os historiadores, dois motivos fundamentais para a guerra: a intenção do rei da Inglaterra, Eduardo III, em ocupar o trono francês e outro, de ordem econômica, sobre a disputa franco-britânica pela região de Flandres, rica na produção de tecidos.

Em 1429, ocorre uma importante mudança nos rumos da guerra em favor dos franceses. Trata-se da libertação da praça forte de Orleans, dominada pelos ingleses, por Joana D’Arc, até então vista apenas como uma camponesa mística. Sua liderança e carisma se aliaram e, à frente de um pequeno exército, Joana leva os franceses à vitória e, com isso, contribui para exaltar o sentimento nacionalista, vital para a posterior formação do Estado Moderno francês. Com a intenção de abafar o nacionalismo francês, Joana D’Arc é aprisionada e acusada pelos ingleses de heresia e bruxaria, para depois ser condenada por um tribunal da Igreja e queimada viva em Ruão em 1431.

Há muito não se via, na Bahia (mas Joanna D’Arc vai viajar ao eixo Rio-São Paulo) espetáculo de tal magnitude. Além de Jussilene, destaque especial para o elenco: Carlos Betão, Caio Rodrigo, Jefferson Oliveira, Hamilton Lima (excepcional em dois papéis: o conselheiro do rei e o bispo), Antonio Fábio e, last but not least, Widoto Áquila.
A imagem mostra a atriz Jussilene Santana e, a outra, além dela, o excelente Hamilton Lima em duplo papel, aqui como o conselheiro do rei.

01 dezembro 2009

Robert Mulligan: cineasta da evocação

Apesar de não ter alcançado a glória de seus ilustres colegas (Billy Wilder, Hitchcock, George Stevens, Cukor...), Robert Mulligan é um cineasta bem acima da média e que não foi devidamente valorizado, fora alguns filmes ocasionais mais louvados por outros motivos que pela mise-en-scène (como são os casos de O sol é para todos, que deu o Oscar a Gregory Peck, e Houve uma vez um verão).

O blogueiro (ou blogüista), por coincidência, começou a sua trajetória de cinéfilo na mesma época em que Robert Mulligan deu início a seu percurso como realizador cinematográfico, ou seja, em 1957. E, portanto, acompanhou toda a sua filmografia, ainda que os primeiros filmes tenham sido vistos nas constantes reprises que existiam no cinema do passado (a televisão matou a reprise dos filmes). A começar do princípio, não se podia prognosticar o futuro Mulligan em Vencendo o medo (Fear strikes out, 57), uma tentativa biográfica do jogador de beisebol Jim Piersall, interpretado por Anthony Perkins, que se ajusta ao papel, pois o biografado era homem extremamente neurótico, cheio de tiques, manias, e o filme desvenda uma explicação meio freudiana e mostra a causa do desequilíbrio do jogador na infância difícil, dominada por pai severo e rude (Karl Malden). Ainda no cast: Norman Moore.

Mulligan, após Vencendo o medo, passa três anos a esperar a oportunidade de dirigir o seu segundo longa, ainda que, neste interregno, tenha trabalho muito em episódios e seriados da televisão americana. É um cineasta oriundo da tv, mais liberto das normas pétreas dos estúdios, assim como Sidney Lumet, que com mais de 80 anos dirigiu um dos melhores filmes de 2008: Antes que o diabo saiba que você está morto (Before the devil knows you're dead). O filme que se segue a Fear strikes out é A taberna das ilusões perdidas (The rate race, 1960), baseado em peça de Garson Kanin, com Tony Curtis e Debbie Reynolds.

A lembrança que se tem de O grande impostor (The great impostor, 1961) é muito boa, ainda que memória de adolescente que nunca mais teve a oportunidade de revê-lo. A vida de um homem (Tony Curtis) que, durante a sua existência, adotou perto de vinte identidades diferentes, saindo ileso de todas as confusões. Além de Curtis, Edmond O'Brien, Karl Malden, e música do grande maestro Henry Mancini. Neste mesmo ano, 61, uma sophisticated comedy que causou enorme sucesso de bilheteria, mas que, crê-se, vista hoje, não se sustentaria: Quando setembro vier (Come september), com Rock Hudson (o queridinho das comédias românticas), Gina Lollobrigida (a italiana sensual), Walter Slezak, Sandra Dee, Bobby Darin. Rock é um milionário que descobre que seu caseiro transformou sua belíssima villa na Itália em hotel. Mas ele se apaixona por uma das hóspedes, a sensual Lollobrigida. As canções foram compostas (e cantadas) por Bobby Darin. Recorda-se que o primeiro plano do filme, em cinemascope, colorido, mostra um imenso avião que, abrindo seu compartimento de bagagens, faz sair, dele, um Rolls Royce de prata. O script é perfumaria de Stanley Shapiro.

Rock Hudson é convidado para estrelar Labirinto de paixões (The spiral road, 1961), que tem, ainda, Gena Rowlands (a atriz estupenda e esposa de John Cassavetes), Burl Ives, entre outros menos votados. Na verdade, um melodrama, que viu-se no Rio, no poeira Politeama, quando este saudoso cinema, que ficava no Largo do Machado, passava programa duplo, um vehicle para Rock Hudson. No máximo, uma direção eficiente do ponto de vista artesanal.

O grande Mulligan põe sua manga de fora no ano seguinte, em 1963, em O sol é para todos (To kill a mockinbird, 1962), filme que deu o Oscar de melhor ator a Gregory Peck no papel de um advogado humanista que defende um negro. A ação se localiza numa cidadezinha de Alabama em 1920, racista e preconceituosa. O negro é injustamente acusado de violentar uma branca. Tudo é contado pelo ponto de vista do casal de filhos do advogado e há um tom evocativo que Mulligan viria a adotar em outros de seus filmes. Com Mary Badham, Rosemary Murphy. Baseia-se num livro escrito por Herman Lee, amiga de Truman Capote.

Em 1963, Mulligan resolve fazer um filme in loco em Nova York: O preço de um prazer (Love with the proper stranger, 1963). Cineasta oriundo da televisão, como já aqui se referiu, com os talentosos Frankenheimer, Lumet, há, neste filme, um enfoque que se pretende menos hollywoodiano e com certa influência do neo-realismo italiano (Hitchcock, o grande Hitchcock, o mestre dos mestres, já fizera uma experiência quase neo-realista em O homem errado (The wrong man, com Henry Fonda como o músico que é confundido com um assassino e, no final, quando a polícia descobre o verdadeiro culpado, e os dois se encontram face a face, Fonda tem pena do homicida, porque sabe que vai passar pelo mesmo calvário que ele.) Mas O preço de um prazer é sobre uma caixeira do Macy’s, que não é outra senão a sublime Natalie Wood, que engravida depois de passar uma noite com um estranho (Steve McQuenn). Ela, então, pede sua ajuda para encontrar um médico para que realize um aborto. A partitura é de Elmer Bernstein e a fotografia (em expressivo preto e branco), de Milton Krasner.

Ainda em 1965, Mulligan, apesar de já ter demonstrado ser um realizador acima da média, fora notado apenas por alguns exegetas da crítica francesa, e certos hermeneutas americanos como Andrew Sarris e Peter Bogdanovich, mas, neste ano, realiza O gênio do mal (Baby, the rain must fall), aproveitado o astro (McQuenn) do filme anterior, que, aqui, é um homem que sai da prisão, volta para a mulher (Lee Remick) e tenta ganhar a vida como guitarrista e cantor. Mas o xerife da cidade (Don Murray) vem a se apaixonar por ela, criando, com isso, o conflito básico. O afamado Glenn Campbell aparece no conjunto no qual McQuenn toca.

O touch mulliganiano está acesso com sensibilidade e a devida evocação na obra que se segue: À procura do destino (Inside Daisy clover, 1966), cujo tratamento temático é avançado para a época. Mulligan procura fazer de sua personagem principal, uma estrela juvenil problemática de Hollywood, o protótipo de todas as atrizes que tiveram problemas na sua trajetória (de Judy Garland a Marilyn Monroe): o patrão tirânico, o marido homossexual, a avó psicótica. Com Natalie Wood, em seu esplendor na relva, Robert Redford, Christopher Plummer, colhendo os louros como o Capitão Trapp de A noviça rebelde/The sound of music, e a sempre inexcedível Ruth Gordon.

Subindo por onde se desce (Up the down staircase, 1967) é também um filme in loco, que procura enfocar a problemática de uma professora de escola de periferia de Nova York, Sandy Dennis, obra que procura sempre um tom realista no desenvolvimento de sua narrativa. Ainda que não seja um grande filme, lembra Sementes da violência, de Richard Brooks, com Glenn Ford e Sidney Poitier.

Os anos 60 se aproximam do fim e Maio de 68 se anuncia. Mas Mulligan, alheio ao que se passa, se refugia no western, mas western de primeira linha, um de seus melhores filmes: A noite da emboscada (The stalking moon, 1969), com Gregory Peck, militar do exército que, prestes a se aposentar, encontra, desamparados, uma mulher (Eva-Marie Saint) e seu filho, fruto de uma relação com apache violento, e decide transportá-los a lugar seguro, mas o índio, ao tomar conhecimento, resolve perseguí-los. A perseguição, num desenvolvimento que faz lembrar, tal a tensão, um thriller eletrizante, em nenhum momento faz aparecer o apache. Tudo é tensão, atmosfera, clima. Uma direção de brilhantismo indiscutível.

Em 1970, porém, volta-se aos jovens contestadores, apoiando-se num argumento bem de acordo com sua época contestatória e faz uma espécie de documento sociológico em O caminho da felicidade (The pursuit of happiness). Michael Sarrazin é um rebel without a cause que, com seu carro, para escapar de pagar o estacionamento, mata um operário e vai para trás das grades, mas foge e, com sua namorada (Barbara Hershey) empreendem uma fuga alucinante que parece não ter fim num autêntico road movie.

E vem Houve uma vez um verão (Summer of ’42, 1971), obra delicada e feita com sensibilidade sobre a iniciação sexual de um adolescente (Gary Grimes) que, num verão de 1942, quando os Estados Unidos entram em guerra, seduz a esposa (Jennifer O’Neil, carioca de nascimento, que Howard Hawks, por causa deste filme, aproveitaria em seu derradeiro western, Rio Lobo, ao lado de John Wayne) de um oficial que está ausente envolvido no conflito bélico de então. Mulligan conduz o relato com extrema finesse e o filme é uma mostra da vacuidade de certas mulheres que, deixadas sozinhas por circunstâncias alheias à sua vontade, ficam ao relento do desejo e das paixões. Há um tom evocativo que o cineasta repete com plena consciência de suas possibilidades poéticas, principalmente quando a partitura é de um maestro como Michel Legrand. E a fotografia de Robert Surtees é um assombro.

Talvez não exista um filme que trata da maldade embutida na infância do que A inocente face do terror (The other, 1972). Ambientado em Connecticut, em 1935 – e novamente aquele atmosfera de evocação tão peculiar a Mulligan, dois garotos gêmeos se deparam com a maldade e a perversidade. A mise-en-scène do realizador atesta o seu vigor, a sua singularidade, a sua marca no cinema americano. Mas o melhor, por incrível que possa parecer, ainda estaria por vir: Jogos do azar, testamento do cineasta, uma obra de densidade exemplar, um pulsar envolvente, magistral, cinema puro na sua procura de decifrar e fazer ver a beleza possível de uma mise-en-scène. O intérprete principal de Jogos de azar (The nickel ride, 1974) é Jason Miller, que viria, neste mesmo ano, a fazer um padre em O exorcista, de William Friedkin.

Encerra-se esta breve homenagem a Robert Mulligan com as palavras de Carlos Reichenbach, que fecha com chave de ouro a trajetória desse importante realizador, destacando, o Comodoro, a beleza de um filme como The nickel ride.

“É curioso notar que outros cineastas da mesma geração, como Robert Mulligan, por exemplo, que não foram tão incensados pela crítica no começo, acabaram realizando uma obra menos pretensiosa e muito mais coerente. No caso de Mulligan, o sucesso popular e o prestígio em Hollywood, só veio a acontecer no meio da carreira, com Houve uma vez no verão (Summer Of 42) e A inocente face do terror (The other), ambos de 72, embora ele já tivesse realizado filmes mais notáveis como Fear strikes out (Vencendo o medo - 57), To kill a mockingbird (O Sol é para todos - 63), Baby, the rain must fall (título deslumbrante, burramente "traduzido" como O gênio do mal - 64), Inside daisy clover (À Procura de um destino - 66), Up the down staircase (Subindo por onde se desce - 67) e The pursuit of happiness (uma ode radical ao inconformismo, lançada no Brasil com o título de O caminho da felicidade - 70). É verdade que, após o sucesso com os dois filmes citados acima e o fim de sua parceria com o produtor Alan Pakula - que também se tornou diretor de cinema, mas num estilo mais cool e menos arrojado que Mulligan - sua obra caiu em desgraça. Embora tenha produzido e dirigido o filme mais anticomercial de Hollywood, The nickel ride (Jogos de azar - 74) - um drama chumbo grosso e depressivo sobre viciados em jogo, fotografado inteiramente com iluminação vertical onde mal se vê os olhos do atores - encerrou a carreira com uma péssima adaptação ianque de Dona Flor E Seus Dois Maridos e o chorumela Clara´s heart."

30 novembro 2009

Crepúsculos


1) Apesar dos avanços tecnológicos, a recepção do filme não tem mais o impacto do pretérito, por incrível que isso possa parecer. Via-se, antes, os espetáculos cinematográficos, nas telas grandes dos cinemas e, atualmente, o filme é visto sem a necessária dimensão para se ter uma fruição perfeita. É o caso, por exemplo, das versões em digital que são exibidas no território nacional. Aqui não se respeita os formatos originais e os filmes em versões digitais, além desta desconfiguração, apresentam cópias escuras, um colorido desbotado, etc. O mais interessante nisso tudo é que nos Estados Unidos e na Europa a exibição em digital é perfeita, respeitando-se o formato original e a qualidade da imagem.

2) Por outro lado, ver filme em computador faz com que a obra cinematográfica seja diminuída. Baixa-se da internet a torto e a direito. Tenho um amigo fanático por esta baixaria que adquiriu verdadeira mania. Ontem mesmo me disse que tem, chez home, 1289 filmes baixados da internet. Quantos você já viu?, perguntei-lhe. E ele me disse que "quase 30". Isto significa que 1259 filmes devidamente baixados estão arquivados. Tal uma doença, ele se satisfaz em baixar e não se interessa muito em ver os filmes.
Não seria um caso de tratamento clínico?

3) Numa palestra no Memorial da América Latina, há alguns meses, Nelson Pereira dos Santos disse discordar da inclusão do cinema na expressão audiovisual, que, na verdade, é um saco de gatos a incluir televisão, internet, enfim, tudo que seja imagem e em movimento. Para o cineasta de Vidas secas, quando se fala em cinema o que vem logo à mente são nomes como Eisenstein, Orson Welles, Charles Chaplin, Jean Renoir, Alain Resnais, Visconti, Fellini, etc. Mas o mesmo não se aplica quando se usa o termo audiovisual. Concordo inteiramente com as suas palavras.

4) Formado no tempo das salas escuras do cinema, quando somente podia ver filmes mediante o pagamento de um ingresso, estou a perceber que estamos num processo de transformação. A época da magia cinematográfica dentro dos grandes palácios exibidores já morreu, assim como o cinema dos grandes estúdios. O cinema dos produtores, como Louis B. Mayer, David Selznick, William Fox, Adolph Zukor, entre outros. Os estúdios foram comprados por estrangeiros (Mitsubichi, Coca-Cola, japoneses...) ou por executivos que nada entendem de cinema e que visam, apenas, o chamado lucro indecente. A maior parte da produção oriunda da indústrial cultural de Hollywood é constituída de lixo, puro lixo. Bem diferente, o panorama do pretérito. Tomando como base somente a produção comercial dos estúdios, tínhamos filmes excelentes e a produção média era boa. A vontade que dá é de não se ir mais ao cinema atualmente ou se ser muito seletivo. Mas, antes, nos bons tempos, e estou aqui a constatar fatos, ia-se aos cinemas diariamente e com grande prazer. E a platéia era silenciosa, educada, não se tinha os vândalos atuais, que infernizam aquele que deseja contemplar o filme em paz e sossego.

5) Dia destes, fui ver um filme numa dessas chamadas salas alternativas nesta soterópolis e achei sua fotografia esverdeada, meio escura, e, finda a sessão, entrei na cabine de projeção, sem pedir a licença necessária, e qual não foi a minha surpresa ao verificar que o filme estava sendo projetado através de um datashow em DVD. Um absurdo! Paga-se um ingresso caro para ver filme em DVD! E desfigurado?

6) A pequenez da recepção de filmes modifica a psicologia do cinéfilo. Se, antes, o filme era fugidio e inacessível, e o espectador era escravo da projeção, hoje, passou, hegelianamente, para a condição de senhor. Se não podia interferir no tempo (salvo se entrasse na cabine e, revólver em punho, ameaçasse o operador), hoje o receptor interfere na temporalidade a seu bel prazer. Pára para beber água, atender o telefone. Avança ou recua. Faz o que bem quiser e entender. Gostava mais de ser escravo do que senhor, por incrível que pareça. O cinema era mágico, inacessível, esmagador. Lembro-me do choque que tomei quando vi pela primeira vez um filme em cinemascope.

7) Achei, au hasard, uma excelente revista eletrônica sobre cinema: Foco(
http://focorevistadecinema.com.br/). Há um estudo completíssimo sobre o grande cineasta Samuel Fuller, filme por filme, em textos rigorosos. Também uma homenagem a João Bénard da Costa. Entre seus editores, Sérgio Alpendre e Bruno Andrade. No mesmo número, entre outros artigos sobre Fuller, um especial de Inácio Araújo escrito origanariamente para a Folha de S.Paulo em 1997, quando o realizador de Paixões que alucinam (The shock corridor, 1963) veio a falecer. Para quem quiser entender o estilo fulleriano, magistral, um roteiro completo. A ler obrigatoriamente.

8) Tirante algumas dicas interessantes de pessoas não menos, a maioria das tuitadas no Twitter, a nova moda da internet, é constituída de exercícios ególatras ou mensagens caseiras, domésticas mesmo. "Acordei agorinha. Passei mal a noite", eis um exemplo. Outro: "Ufa! Afinal consegui terminar meu trabalho. He, he, he, he." Mais: "Daqui a pouco vou almoçar uma feijoada". Mais: "Que sono!!!" Pergunto: o que interessa saber se tal pessoa "acordou agorinha" ou vai almoçar uma feijoada? E o verbo Haver parece que está com os dias contados entre os internautas adeptos da msn, twitter, facebook, orkut, sonico, e congêneres. Escreve-se sem o haver: "A poucos dias, visitando o museu, encontrei um amigo". Erradíssimo. O certo seria "Há poucos dias... Analfabetismo?

9) Jose Mojica Marins já proclamou: "O melhor filme de terror que já vi foi O bebê de Rosemary, de Roman Polanski. É realmente uma obra extraordinária que funcionou como um corte longetudinal na tradição do gênero com a introdução do horror na aparente normalidade do real. Revendo O exorcista, do grande William Friedklin, que considero também uma obra fantástica, notei que a cópia posta em circulação em DVD, apesar de seus 11 minutos adicionais em relação à cópia servida nos cinemas de sua época, tem cortado o momento em que Linda Blair enfia várias vezes o crucifixo em sua vagina. É o nefasto politicamente correto a podar os filmes, a restringir a liberdade de ação, a tornar os homens mais tristes com a emergência do certinho. É por a escanteio a loucura do homem na sua expressão maior. É o fim do mundo.

10) Para terminar, um lembrete: a foto que encima este post é de minha namorada Brigitte Bardot. Dê um clique nela, por favor!

26 novembro 2009

Baianos fazem a festa em Brasília 2009

Raul Moreira e suas cabrochas fizeram o registro crítico do recente Festival de Brasília. Ele, jornalista e cineasta ítalo-baiano, com sua câmera crítica e anárquica, elas, para dar o ar da graça da mulher sensual que existe em profusão na Bahia. Segundo relatos, Moreirinha, por não ser chapa-branca, e, sim, um livre pensador, não recusou a crítica e a ironia, chegando mesmo a chamar o organizador do evento, Fernando Adolfo, de homem fáustico. O que não seria de causar pânico, bem entendido, mas um certo constrangimento geral. Eis as imagens da folia.


25 novembro 2009

A Montagem Intelectual ou Ideológica

A Montagem Intelectual ou Ideológica: operação com um objetivo mais ou menos descritivo que consiste em aproximar planos a fim de comunicar um ponto de vista, um sentimento ou um conteúdo ideológico ao espectador. Eisenstein escreveu na justificativa de sua montagem de atrações: "uma vez reunidos, dois fragmentos de filme de qualquer tipo combinam-se inevitavelmente em um novo conceito, em uma nova qualidade, que nasce, justamente, de sua justaposição (...) A montagem é a arte de exprimir ou dar significado através da relação de dois planos justapostos, de tal forma que esta justaposição dê origem à idéia ou exprima algo que não exista em nenhum dos dois planos separadamente. O conjunto é superior à soma das partes".

Amparado nestes ditos de Eisenstein, há de se ver que, no cinema, como em quase todos os ramos das ciências, quando se reúne elementos (no sentido amplo) para obter um resultado, este é freqüentemente diferente daquele que se esperava: é o fenômeno dito de emergência. Aprende-se, por exemplo, em biologia, que pai e mãe misturam seu patrimônio hereditário para criar uma terceira personagem não pela soma desses dois patrimônios, mas, ao contrário, pela combinação deles em um novo patrimônio inédito. Em química, sabe-se ser possível misturar dois elementos em quaisquer proporções, mas não é possível combiná-los verdadeiramente em um corpo novo se não tem proporções perfeitamente definidas (Lavoisier). Da mesma forma, na montagem de um filme, os planos só podem ser reunidos numa relação harmoniosa.

A montagem ideológica consiste em dar da realidade uma visão reconstruída intelectualmente. É preciso não somente olhar, mas examinar, não somente ver, mas conceber, não somente tomar conhecimento, mas compreender. A montagem é, então, um novo método, descoberto e cultivado pela sétima arte, para precisar e evidenciar todas as ligações, exteriores ou interiores, que existem na realidade dos acontecimentos diversos.
A montagem pode, assim, criar ou evidenciar relações puramente intelectuais, conceituais, de valor simbólico: relações de tempo, de lugar, de causa, e de conseqüência. Pode fazer um paralelo entre operários fuzilados e animais degolados, como, por exemplo, em A Greve (1924), de Eisenstein. As ligações , sutis, podem não atingir o espectador. Eis, aqui, um exemplo da aproximação simbólica por paralelismo entre uma manifestação operária em São Petersburgo e uma delegação de trabalhadores que vai pedir ao seu patrão a assinatura de uma pauta de reivindicações (exemplo extraído do filme Montanhas de ouro, do soviético Serge Youtkévitch).
- os operários diante do patrão
- os manifestantes diante do oficial de polícia
- o patrão com a caneta na mão
- o oficial ergue a mão para dar ordem de atirar
- uma gota de tinta cai na folha de reivindicações
- o oficial abaixa a mão; salva de tiros; um manifestante tomba.
A experiência de Kulechov demonstra o papel criador da montagem: um primeiro plano de Ivan Mosjukine, voluntariamente inexpressivo, era relacionado a um prato de sopa fumegante, um revólver, um caixão de criança e uma cena erótica. Quando se projetava a seqüência diante de espectadores desprevenidos, o rosto de Mosjukine passava a exprimir a fome, o medo, a tristeza ou o desejo. Outras montagens célebres podem ser assimiladas ao efeito Kulechov: a montagem dos três leões de pedra - o primeiro adormecido, o segundo acordado, o terceiro erguido - que, justapostos, formam apenas um, rugindo e revoltado (em O Encouraçado Potemkin, 1925, de Eisenstein); ou ainda a da estátua do czar Alexandre III que, demolida, reconstitui-se, simbolizando assim a reviravolta da situação política (em Outubro).

O que Kulechov entendia por montagem se assemelha à concepção do pioneiro David Wark Griffith, argumentando que a base da arte do filme está na edição (ou montagem) e que um filme se constrói a partir de tiras individuais de celulóide. Pudovkin, outro teórico da escola soviética dos anos 20, pesquisou sobre o significado da combinação de duas tomadas diferentes dentro de um mesmo contexto narrativo. Por exemplo, em Tol'able David (1921), de Henry King, um vagabundo entra numa casa, vê um gato e, incontinente, atira nele uma pedra. Pudovkin lê esta cena da seguinte forma: vagabundo + gato = sádico. Para Eisenstein, Pudovkin não está lendo - ou compreendendo o significado - de maneira correta, porque, segundo o autor de A Greve a equação não é A + B, mas A x B, ou, melhor, não se trata de A + B = C, porém, a rigor, A x B = Y. Eisenstein considerava que as tomadas devem sempre conflitar, nunca, todavia, unir-se, justapor-se. Assim, para o criador da montagem de atrações, o realizador cinematográfico não deve combinar tomadas ou alterná-las, mas fazer com que as tomadas se choquem: A x B = Y, que é igual a raposa + homem de negócios = astúcia. Em Tol'able David, quando Henry King corta do vagabundo ao gato, tanto o primeiro como o segundo figuram proeminentemente na mesma cena. Em A Greve (Strike), quando Eisenstein justapõe o rosto de um homem e a imagem de uma raposa (que não é parte integrante da cena da mesma forma que o gato o é em Tol'able David, porque, para King, o gato é um personagem),esta é uma metáfora.

Em Estamos construindo (Zuyderzee, 1930), de Jori Ivens, várias tomadas mostram a destruição de cereais (trigo incendiado ou jogado no mar) durante o débacle de 1929 da Bolsa de Valores de Nova York, a depressão que marcou o século XX. Enquanto apresenta os planos de destruição de cereais, o realizador alterna -os com o plano singelo de uma criança faminta. Neste caso, o cineasta, fotografando uma realidade, recorta uma determinada significação. Os planos fotografados por Jori Ivens podem ser retirados da realidade circundante, mas é a montagem quem lhes dá um sentido, uma significação. Os cineastas soviéticos, como Serguei Eisenstein e Pudovkin, procuravam maximizar o efeito do choque que a imagem é capaz de produzir a serviço de uma causa.
Considerada a expressão máxima da arte do filme, a montagem, entretanto, vem a ser questionada na sua supremacia como elemento determinante da linguagem cinematográfica com a introdução - em fins dos anos 30 - das objetivas com foco curto que permitiu melhorar as filmagens contínuas - a câmera circulando dentro do plano - com uma potenciação de todos os elementos da cena e com um tal rendimento da profundidade de campo (vide Cidadão Kane (1941), de Orson Welles, Os melhores anos de nossas vidas, 46, de William Wyler) que possibilitou tomadas contínuas a dispensar os excessivos fracionamentos da decupagem clássica. A tecnologia influi bastante na evolução da linguagem fílmica, dando, com o seu avanço, novas configurações que modificam o estatuto da narração - o próprio primeiro plano - o close up - tão exaltado por Bela Balazs como "um mergulho na alma humana" - com o advento das lentes mais aperfeiçoadas já se encontra, esteticamente, com sua expressão mais abrangente e menos restrita.

19 novembro 2009

O controverso Anselmo Duarte


Anselmo Duarte, que faleceu recentemente, nunca foi uma unanimidade entre os cineastas brasileiros. Transcrevo aqui dois artigos publicados na imprensa. Eu sempre o respeitei, diga-se de passagem. O que vai escrito abaixo, porém, é de natureza polêmica. E, a rigor, as opiniões neles emitidas não refletem as do bloguista. Mas sempre é bom se ver a discordância, a controvérsia. Porque, como disse o grande Nelson Rodrigues, toda unanimidade é burra.

O homem da Palma de Ouro

Conheci Anselmo Duarte, que morreu no último fim de semana aos 89 anos, na véspera de uma das principais homenagens prestadas a ele no fim da vida, com a concessão do Prêmio Oscarito pela carreira no Festival de Gramado de 1992. Vivia-se o ocaso da era Collor, que seria afastado no final daquele ano, e o cinema brasileiro estava em frangalhos. Celebrar o único cineasta nacional vencedor da Palma de Ouro em Cannes, com “O Pagador de Promessas” em 1962, era um gesto de afirmação e resistência. Ninguém melhor do que Anselmo -reconhece-se hoje, após sua longa despedida. Naquele momento, não era tão consensual assim.
Durante tempo demais, Anselmo foi esnobado pelo colegas e menosprezado pela crítica. Era considerado um galã antes que um ator; um ator antes que um diretor; um diretor antes que um cineasta; um cineasta antes que um autor.
Anselmo foi carismático demais, independente demais, ambicioso demais. Trocou a Atlântida (Carnaval no Fogo) pela Vera Cruz (Sinhá Moça), sendo a estrela masculina maior das duas principais experiências de cinema industrial de estúdio por aqui. Passou para trás das câmeras em “Absolutamente Certo!” (1957), com uma elegante comédia de costumes em torno do impacto da TV – “um bom filme popular”, anátema para tempos crescentemente engajados.
Em plena aurora do Cinema Novo, foi à Meca do cinema de autor e superou seus pares, arrebatando a primeira e única vitória brasileira no maior festival de cinema do mundo. E o fez adaptando uma peça de um colega de viagem dos cinemanovistas (Dias Gomes) em parceria com um produtor paulista de comédias despretenciosas (Oswaldo Massaini).
Anselmo teve de conviver até a morte com a “boutade” de que Cannes tinha atribuído o prêmio certo ao país certo na hora certa mas ao filme errado. O tratamento clássico de “O Pagador de Promessas”, numa era de rupturas modernistas, jamais lhe foi perdoado.
Como escrevi em 1992, a Palma de Ouro foi a um só tempo sua maior vitória e a mais invencível maldição. Tudo parece ter se passado como se Anselmo, antes que um vitorioso, fosse um traidor: um galã que se faz diretor, um outsider que rouba a cena de um grupo mais bem articulado, um contador de histórias na época de sua desconstrução.
Seu filme seguinte marcou o grande refluxo na carreira de Anselmo. Adaptado de uma poderosa peça de Jorge Andrade sobre misticismo religioso, “Vereda da Salvação” (1964) era compreensivelmente considerada pelo próprio diretor sua obra-prima. Sua “sombria balada da selva”, na definição de um crítico alemão, foi derrotada por um voto por “Alphaville” de Godard no Festival de Berlim. Recebido sem euforia pela crítica brasileira, soçobrou também nas bilheterias. Nunca mais Anselmo se recuperou.
A raiva represada serviu-lhe para realizar talvez seu maior trabalho como ator como o tenente torturador de “O Caso dos Irmãos Naves” (1967) de Luiz Sérgio Person. Atrás das câmeras, porém, jamais voltou a brilhar. Entre 1969 e 1979 realizou ainda cinco longas (de “Quelé do Pajeu”, com o jovem Tarcisio Meira, a “Os Trombadinhas”, com o aposentado Pelé) e três episódios de comédias eróticas, sempre competentes -mas a chama se fora.
Contando 72 anos quando o entrevistei naquele Festival de Gramado, Anselmo Duarte me surprendeu pelo carisma, pela memória e pelo rancor. Lembrou-me, curiosamente, o líder comunista Luis Carlos Prestes, a quem eu ouvira alguns anos antes. Marginalizados, pareciam ambos conhecer seus lugares da História muito melhor dos que todos nós seus contemporâneos. O rancor era menor em Prestes; a empatia, maior em Anselmo. A memória para detalhes dos dois era simplesmente prodigiosa.
Anselmo jamais se considerou convidado a sentar na mesa principal do cinema brasileiro. Foi um “maverick”, um “self-made man”, com um tipo de trajetória mais comum e valorizada nos EUA do que por aqui. (Seus filmes, porém, mais que americanos, parecem-me sob a influência italiana. Frank Capra e o neorrealismo foram suas fontes, reconhecia Anselmo. E Watson Macedo, seu professor).
A dimensão de seus feitos e o peso do ressentimento são evidentes nas duas autobiografias orais escritas por Oséas Singh Jr. (Massao Ohno, 1993) e Luiz Carlos Merten (Imprensa Oficial, 2004). Agora virão retrospectivas, dvds, documentários, novos livros. Nada mais merecido. Afinal, quantos marcaram o cinema brasileiro de forma tão intensa e diversa? Mas tinham que ser póstumos? Tristes trópicos.


O Grande Anselmo Duarte

Ipojuca Pontes

Morreu o grande Anselmo Duarte, de longe a maior personalidade do cinema brasileiro moderno, mesmo considerando a presença do lendário Alberto Cavalcanti. Anselmo era ao mesmo tempo um sujeito sagaz, corajoso, inquieto, engraçado, generoso, mentalmente ágil, com grande experiência de vida real e dotado de qualidade rara para quem pretende dirigir, bem, um filme: discernimento. O diretor paulista, mesmo tendo um argumento precário em mãos, sabia distinguir com clareza e enfrentar com paciência e criatividade os obstáculos técnicos, materiais e humanos encontrados num set de filmagens, e a todos superar – coisa difícil de ver, por exemplo, em qualquer espécime do Cinema Novo - vivo ou morto.
Em setembro passado, Anselmo tinha sido internado no Incor de São Paulo, para tratamento cardiológico, comprometido por uma isquemia no miocárdio. Quando li a notícia, sabendo que o cineasta estava beirando os 90 anos, telefonei para o hospital. De lá, me informaram que o seu quadro clínico estava normalizado e que voltara a Salto, cidade onde nasceu, voltou a morar e prestou depoimento imperdível, em forma de livro, ao jornalista Oséas Singh Jr - “Adeus Cinema” (Massao Ohno, 1993, S. Paulo) – denunciando, com fatos incontestáveis, a canalhice vigente nos bastidores do cinema caboclo.

Em outubro, 28, ele dera entrada no Hospital das Clínicas, em São Paulo, vítima de um acidente vascular cerebral hemorrágico, vindo a falecer na madrugada do dia 7, sábado, após dez dias de embate com a morte. Seu coração estava na tipóia, mas o grande Anselmo não queria entregar os pontos. “A morte na cama é burlesca” – gostava de repetir.
Confesso ao leitor que iniciei a atividade de crítico cinematográfico, em 1962, escrevendo sobre “O Pagador de Promessas”, único filme brasileiro a ganhar um prêmio decente num festival (até então) decente - a Palm D’or de Cannes. Meu arrebatamento com o filme de Anselmo suplantou sob todos os aspectos a boa vontade que tive com o cinegrafismo pastiche de “Os Cafajestes”, de Rui Guerra, outro filme lançado na mesma temporada.
No jornal “A Notícia”, de João Pessoa, assim concluía a resenha de estréia sobre “O Pagador”: “Em síntese, Anselmo Duarte irá morrer e levará muitas décadas até que o cinema brasileiro faça filme tão harmoniosamente estruturado, tão bem resolvido em termos dramáticos e tão exemplarmente dirigido. O realizador controla com perfeição a sensibilidade dos intérpretes, matiza a iluminação funcional à propriedade dos enquadramentos, cadencia o ritmo das cenas e das sequências com mão de mestre. O trabalho de Duarte é um desses acontecimentos raros que redime um cinema atolado na mediocridade, na mesmice e no eterno culto à esperança. Aleluia!”.
São palavras de um crítico iniciante com menos de 20 anos, as quais assinaria ainda hoje, sem pestanejar. Com efeito, a despeito do populismo ordinário de Dias Gomes (autor da peça em que o filme se inspira), a saga trágica de Zé do Burro para cumprir a todo custo sua obstinada promessa, transposta por Anselmo, proporciona ao espectador a catarse aristotélica só vivenciada ao cabo das melhores tragédias gregas. Foi por isso, seguramente, que o filme arrebatou a Palma de Ouro e deu um chega-pra-lá em cineastas como Buñuel, Antonioni, Cacoyannis, Germi, Visconti, Monnicelli, Bresson, Varda, etc. – velhos comunistas cerebrinos.
Como D.W. Griffith (1875-1948), o gênio esquecido que criou a linguagem do cinema e fundou Hollywood, Anselmo Duarte aprendeu cinema fazendo cinema – de fato, a melhor e única maneira de aprender. Nos “filmes de carnaval” da Atlântida e nas produções industrialmente elaboradas da Vera Cruz, o paulista de Salto integrou-se no cinema e dele viveu como projecionista, galã, ator, argumentista, roteirista, montador, cenógrafo e músico. Talento natural lapidado com muito suor, só depois de longo aprendizado técnico do metier, se fez diretor e produtor de filmes. Seu mestre foi Watson Macedo, o eficiente inventor das chanchadas carnavalescas. Nunca foi diletante, nem teve pai rico ou partido político atrás de si. Sua dialética não era a das teorias concentracionárias, mas, sim, a da própria vida.
Em 1981, tive a honra de receber de suas mãos prêmio de melhor direção do Festival de Cinema de São Paulo pelo filme “A Volta do Filho Pródigo”, uma leitura às avessas da parábola bíblica. Ele foi generoso comigo, em elogios. Ao agradecer, deixei o prêmio de lado e disse aos presentes que já era hora do cinema reconhecer em Anselmo Duarte a maior personalidade viva da atividade e um diretor a quem todos nós deveríamos louvar pelos sólidos caminhos que abriu para o cinema brasileiro enquanto arte e indústria. À saída, um patrulheiro do Cinema Novo, parente de diplomata, interpelou-me:
- “Você acha que Anselmo é isso tudo?”
- “Eu só digo o que acho verdade, David”.
Anselmo Duarte costumava afirmar que o ódio dos integrantes do Cinema Novo contra ele - ódio que tratou de destruir sua obra, tornou sua vida um inferno e o levou à amargura - era pura inveja. Desde cedo, quando ainda filmava “O Pagador de Promessas” nas escadarias da Igreja do Paço, em Salvador, o boquirroto Glauber Rocha o tratava como “galã boa pinta”. Posteriormente, com a premiação de Cannes e a realização de “Vereda da Salvação”, obra antológica e de raro vigor cinemático dentro do insosso panorama do cinema nacional, o “gênio baiano”, no comando da corriola amestrada, passou - pelas costas - a “assar a batata” do grande cineasta paulista.

Eis o argumento embusteiro do sectário Rocha contra o filme de Duarte: “Ele filma uma realidade de esquerda com a ideologia de direita. Zé do Burro – personagem central de “O Pagador de Promessa” - é um camponês alienado. É bom que a crítica mantenha expectativa em torno de Anselmo Duarte”. Pelo amor de Deus! Que miséria! Mas tal patacoada glauberiana, assimilada porcamente nos meandros da vulgata marxista, pegou como fogo em palha nos anos cavernosos do “tolo útil” Jango Goulart, ao tempo em que o receituário chinfrim do grupo engajado administrava o primitivo (e bárbaro) “Cinco Vezes Favela” – o mais indigente panfleto político jamais concebido na história da alienação (econômica, psiquiátrica ou marxista) cinematográfica.
Anselmo Duarte tinha razão quando dizia que o ódio da patota do Cinema Novo alimentado contra ele era pura inveja. Mas, apenas parcialmente. De fato, o processo de destruição pública do grande cineasta fazia parte de um processo bem mais objetivo, especialmente familiar aos comunistas: o da luta pelo poder – o que significa privilégios e impunidade. Num cinema levado adiante por ex-estudantes universitários incompetentes e pretensiosos, todos eles à sombra da gororoba marxista e ansiosos pela grana fácil do governo (leia-se contribuinte), a presença de um cineasta genuíno e amado pelo público representava uma grave ameaça, ainda mais quando este cineasta tinha o aval do melhor filme do Festival de Cannes e conhecia todos os meandros do ofício.
Cultores fanáticos da indústria do “prestígio” reverberada pela mídia “companheira”, infensos à verdade das bilheterias, não é em vão que os Diegues, Santos e Jabores da vida se forram hoje em milhões de dólares sugados das tetas da Petrobrás e símiles: o verdadeiro cinema, representado por realizadores como Anselmo Duarte e Luiz Sérgio Person, por exemplo, teria de ser triturado.E o foi. Sem dó nem piedade.
16.11.2009