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23 junho 2008

Revisitando o cineasta Olney São Paulo

Tuna Espinheira foi um grande amigo de Olney São Paulo (1936/1978), cineasta baiano que dirigiu O grito da terra (1964), filme produzido em Feira de Santana. A sua obra mais conhecida é Manhã cinzenta (1969), que tem forte conotação política num momento de cruenta ditadura no Brasil (há pouco tinha sido editado o Ato Institucional número 5) e, por isso, foi proibida. O seu terceiro longa é O forte (1975), baseado em livro homônimo de Adonias Filho. Conheci Olney nas jornadas baianas e sempre tive por ele admiração pela sua esfuziante personalidade. Há um excelente livro sobre o realizador escrito por Ângela José (que, infelizmente, também não pertence a este mundo). Segue, abaixo, e abrindo as imprescindíveis aspas, um artigo do Velho Tuna sobre o amigo querido, que se foi jovem, aos 42 anos de idade.
"Olney faria setenta anos no dia sete de agosto, Guido Araújo pediu que eu fizesse um registro para o Jornal da Jornada. Resolvi beber na fonte de um texto escrito, anos atrás, de minha própria autoria. Vou citar trechos da escritura-retrato que eu fiz do grande amigo e intrépido homem de cinema: Olney nasceu nos grotões da catinga agreste de Riachão do Jacuipe. Aos sete anos viu-se órfão de pai. Primogênito de uma família de parcos recursos, teve a infância prejudicada uma vez que, para ajudar na economia da casa, teve de trabalhar. Até o final da sua curta existência, foi com o bíblico suor do rosto, sem metáforas, que haveria de prover os seus e, com grande ginástica, apascentaria os tormentos da sua alma em fogo enredada pelos feitiços do cinema.

Nos fins da década de 50, dois filmes: Rio Quarenta e Rio Zona Norte, ambos de Nelson Pereira dos Santos, abririam uma nova vereda na cinematografia nacional. Nascia o Cinema Novo, como disse o Nelson: “Era uma câmera na mão e o povo na frente”. Iniciava a safra de filmes cuja ideologia principal era mostrar filmes com a cara do Brasil, sem sotaque colonial de qualquer espécie e com baixo custo de produção.

Na Bahia, os filmes: Redenção, de Roberto Pires, e Bahia de todos os Santos, de Trigueirinho Neto, deram a largada para o que seria o mais importante ciclo do cinema baiano, a nossa Época de Ouro. Nesta esteira esfuziante seriam realizados os filmes: Barravento, de Glauber Rocha, com Roteiro de Luis Paulino dos Santos, A Grande Feira, de Roberto Pires e O Caipora, de Oscar Santana. Vindas da fora chegariam as produções: Sol Sobre a Lama, do Crítico e Cineasta, Alex Vianny, e mais tarde o Clássico de Ruy Guerra, Os Fuzis. Às vésperas do nosso país ser invadido por suas próprias forças armadas, a Bahia promoveria as derradeiras produções, em tudo por tudo, genuinamente prata da casa, a Obra Prima de Glauber, Deus e o Diabo na Terra do Sol, e o Grito da Terra, de Olney São Paulo. Coube a Olney a realização do último filme do brilhante Ciclo baiano, a ditadura militar colocaria uma pá de cal nos sonhos dos cineastas locais. Além de ser um importante filme eivado da ideologia própria do CINEMA NOVO, a obra de Olney iria criar um fato inusitado, beirando o assombro, O Grito da Terra, foi totalmente realizado e produzido numa cidade do agreste do interior do Estado, em Feira de Santana. Sem dúvida alguma, Olney foi o mais intrépido entre os realizadores daquela época intrépida. Hoje, a sua obra filmográfica, carece urgentemente de recuperação.

Com os novos tempos do toque da corneta do poder nas mãos dos Generais militares e Generais civis, o cinema baiano haveria de viver agônicos tempos de vacas magras. Os cineastas locais que queria seguir a carreira, transformaram-se em retirantes, a bússola apontava para o Sul Maravilha, principalmente para o rio, onde os realizadores mantinham uma resistência feroz. Foi justamente na Cidade Maravilhosa, no começo da metade dos anos sessenta, que eu vim conhecer Olney, logo nos tornamos amigos, parceiros, cúmplices, irmãos. Ele parecia saído das páginas de Graciliano Ramos. Um cabra aprumado, sempre orgulhoso da sua origem de catingueiro, cioso do seu sotaque e termos típicos do nordestino autêntico. Trazia muitas idéias na cabeça e como todo retirante, um punhado de filhos pelas mãos e no matulão o seu filme de longa metragem: “O Grito da Terra”. Tinha duas características marcantes: Era um amigueiro profissional e exercitava o humor e a solidariedade. Era saudável e terna a amizade do velho Olney.

Enquanto Olney seguia dando murro em ponta de faca para ir realizando os seus filmes, os acontecimentos sinistros dos anos de chumbo iam apertando o cerco, exorbitando os desmandos do arbítrio. Um acontecimento terrível, de proporções kafkianas, abateu-se sobre o nosso homem de cinema, seu Filme: Manhã Cinzenta, foi considerado artefato subversivo, portanto, atentatório à ordem vigente. Olney foi seqüestrado e confinado em local desconhecido. Sofrendo todo o tipo de vexames. Mais tarde seria processado, incurso na famigerada “Lei de Segurança Nacional”. Foram mais de três anos de perseguição, sofrimento e prejuízos vários. A seqüência destes acontecimentos sinistros deixaria uma seqüela gravíssima para a sua saúde, o que tem tudo a ver com a feroz deterioração física que o levaria a uma doença mortal que, algum tempo depois faria o registro do seu óbito, na idade precoce dos 41 anos. Na época do seu passamento, Glauber Rocha cunhou uma frase contundente e nutrida de verdade: “Olney, Martyr do Cinema Brasileyro”.
Tuna Espinheira.

2 comentários:

Algarismo disse...

Conheci o grande Olney durante as filmagens de "Manhã cinzenta", quando veio ter comigo para comprar negativos de 16mm que eu tinha de reserva como sobra de um material. Interessado em cinema, conversamos bastante, e ele, sempre amigável e gentil, convidou-me a ir ver as filmagens. Gostei tanto que pedi a ele que me colocasse em qualquer função e ele me designou como segundo assistente de fotografia. O que pude fazer, fiz. E arranjei, quase de graça, mais negativos em 16mm. O cinema se aprende na prática, durante a rodagem de um filme. Mas quem quer aprender precisa ter curiosidade, perguntar, indagar de tudo. E acabei aprendendo muito com Olney São Paulo, que tinha muita paciência em me falar de cinema, do seu processo de criação.
Depois das filmagens de "Manhã cinzenta" passei muito tempo sem ter notícias de Olney, até que, encontrando por acaso em Copacabana, um amigo em comum, este me comunicou que Olney fora preso e torturado e "Manhã cinzenta", como diz Tuna Espinheira em seu belo artigo, considerado "artefato subversivo". Olney São Paulo, cineasta, um artista brasileiro, porque gostava do Brasil e queria ver seu país melhor, foi torturado, massacrado, perseguido, por causa de um filme que, a rigor, nada tem de tão subversivo. Trata-se apenas do retrato de uma realidade, de um momento histórico. E se subversivo fosse, até que seria bom, porque se ser subversivo significava não concordar com um "status quo" excludente e ditatorial.

Em meados dos anos 70, fui a estréia de "O forte", uma sessão para convidados especiais aqui no Rio. E lá encontrei Olney, que, a princípio - os anos transcorridos, não me reconheceu, vindo, porém, a se lembrar logo em seguida com efusivos abraços.

Foi muito bom ter visto esta nota aqui no Setaro's Blog, que sempre acompanho, pois vou à Cinemateca do MAM ver os filmes de meu saudoso amigo Olney São Paulo e acompanhar os debates. Estou com vontade, até, de dar um testemunho, fazer um depoimento, algo em pró da homenagem que se está a fazer a este batalhador do cinema brasileiro.

Anônimo disse...

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