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17 junho 2007

Justiça se faça a Anselmo Duarte



Anselmo Duarte, realizador de O pagador de promessas, único filme brasileiro a ganhar a Palma de Ouro no Festival de Cannes, em 1962, por não pertencer ao grupo do Cinema Novo, e, também, pela sua ficha profissional na Vera Cruz, foi um grande injustiçado e vítima de ataques que somente poderiam ser justificados pela inveja. Esta é terrível e destruidora nos meios artísticos – e também em outros setores por fazer parte da condição humana – e, tal qual um instrumento perfurador, atinge sobremaneira o invejado. No cinema, em particular, existem os grupos, que, aparentemente diplomáticos, são fechados e rancorosos. Quem não faz parte de um deles, e não reza pela mesma cartilha, vive o descaso, a marginalidade, caso não tenha forças para se amparar numa guarda que o proteja. A injustiça que alcançou Anselmo Duarte chegou a ser perversa, pois o desanimou a continuar uma carreira que tinha tudo para se tornar um sucesso – mas, malgré tout, continuou a fazer filmes. Muitos dos cineastas, no entanto, que hoje pontificam nas sinecuras governamentais, cujos nomes não vale a pena da citação, nunca lhe perdoaram por ter feito O pagador de promessas.

Os cineastas se digladiam por questões diversas, filiando-se, uns, a correntes ideológicas, outros a posturas estéticas, entre outras razões. Anselmo Duarte, por sempre ter uma postura individual, avesso a grupinhos, sofreu na pele a sua independência. Ator de sucesso nos anos 50, quando galã, das chanchadas da Atlântida, fechava o trânsito, com sua passagem, em Copacabana, tendo, inclusive, sua camisa toda rasgada por fãs eletrizados. Desde que se iniciou no cinema, seu projeto era o da realização. Ficou intérprete por causa de seu porte e da sobrevivência no meio cinematográfico, mas logo que arranjou uma oportunidade realizou um dos mais bem sucedidos filmes brasileiros de todos os tempos em pleno apogeu da chanchada: Absolutamente certo, comédia de costumes narrada com engenho e arte, com o próprio Anselmo no papel principal, acompanhado de Dercy Gonçalves, Odete Lara, entre outros. O dínamo narrativo de Absolutamente certo
é surpreendente, Duarte soube sentir os dramas da classe média paulistana e seu filme, sobre ser uma comédia bastante agradável de ver, é, também, um retrato dessa classe numa São Paulo cuja vivência em certos bairros ainda era muito provinciana (e o registro traz saudade daquela paz, daquela tranquilidade).

Os rabugentos de plantão criticaram
Absolutamente Certo, que foi um êxito fabuloso de público, chegando a ser lançado em nada menos de 20 salas em SP. Disseram que o filme era uma chanchada disfarçada. Mas o tempo, implacável, juiz supremo, é, realmente, o melhor crítico, pois Absolutamente certo, visto nos dias de hoje, se revela um filme dinâmico e nada envelhecido, além da saborosa visão de uma época, de uma São Paulo romântica e tranqüila. Aliás, já em 1963, Glauber Rocha, no seu polêmico Revisão crítica do cinema brasileiro
, elogia o filme de Anselmo Duarte, considerando-o uma obra à parte na avalanche chanchadística do período.

Veredas da salvação, obra pretensiosa, que realizou após o sucesso mundial de O pagador de promessas
, este comentarista viu há décadas e tem dele, apenas, imagens fugidias. Mas foi atacadíssimo pela crítica invejosa e rancorosa e, ao que parece, ainda que certa pretensão, é uma película com um rigor artesanal acima da média e, isso deve ser dito, muita elogiada no exterior.

Não se quer fazer aqui a trajetória de Anselmo como diretor, mas destacar a sua lamentável marginalização. Duarte, sem medo de errar, está incluso entre os dez maiores diretores do cinema brasileiro de todos os tempos. Recebeu em 2002 um prêmio especial numa festa do cinema brasileiro, entregue, por ironia do destino, por um cinemanovista que o criticava: Walter Lima Junior. Hoje, envelhecido, mas forte, recolheu-se à sua cidade natal, Salto, no interior paulista.

Um comentário:

Jonga Olivieri disse...

Absolutamente Certo é um filme interessante pelo seu conteúdo de crítica satírica aos concursos televisivos da época (O céu é o limite). Época, aliás, em que a TV começava no país.
Mostra de fato uma São Paulo ainda com um jeitinho de província, apesar de seu dinamismo industrial em pleno crescimento.
E um filme que não envelheceu em sua linguagem...