Já se aproximando o ocaso de 2007, e praticamente nenhuma alusão à passagem dos 45 anos de Barravento, primeiro longa metragem de Glauber Rocha que, lançado em 1962, tem, agora, quatro décadas e meia de sua realização. Sobre ser um filme do maior cineasta brasileiro de todos os tempos, Barravento se estabelece mais além na sua importância, pois se enquadra como um dos detonadores do importantíssimo – e quase esquecido pela ausência de memória característica dos brasileiros e, particularmente, dos baianos – Ciclo Bahiano de Cinema, que eclodiu com Redenção, de Roberto Pires, o primeiro filme de longa duração feito na Bahia, e transformou a cidade de Salvador numa efervescência cinematográfica nunca vista, quando se tentou criar uma infraestrutura capaz de dar prosseguimento, aqui, a um cinema característico da baianidade e dotado de acentos universalistas. Assim, com a aparição de Redenção, várias pessoas acreditaram na real possibilidade de se fazer cinema nestas plagas, como Rex Schindler, Braga Neto, Palma Netto, David Singer, principalmente o primeiro, que tiraram dinheiro do bolso para produzir filmes como Barravento, A Grande Feira (1961), Tocaia no Asfalto (1962) - ambos de Pires, O Caipora (1963), de Oscar Santana, Sol sobre a lama (1964), de Palma Netto e Alex Viany, O grito da terra (1964), de Olney São Paulo, obras genuinamente baianas e bancadas com capital de empresários locais. A febre, porém, tal qual um imã, atraiu produtores do sul e até estrangeiros – para ficar num só exemplo: O pagador de promessas (1962), de Anselmo Duarte, produzido pelo paulista Oswaldo Massaini e que ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes – é bom que se diga que este é o único filme brasileiro a conquistar a tão cobiçada palma do Croisette.
A efervescência que tomou conta da cidade se liga a um momento particular das artes baianas, que, por sua vez, se vincula ao espírito da época, configurando o que Antonio Risério chamou de a “avant-garde” na Bahia em ensaio do mesmo nome publicado pela Corrupio. A província, nesta época, teve um singular desenvolvimento: fazia-se um teatro da melhor qualidade na Escola da UFBa do Canela, com Martim Gonçalves à frente, formando toda uma geração de intérpretes qualificados em encenações que despertavam interesse de pessoas do eixo Rio-São Paulo; Lina Bo Bard revolucionava com a criação do Museu de Arte Moderna; Roelrreutter, Ernest Widmer, entre outros, desconcertavam as tonalidades acadêmicas do Seminário de Música; os suplementos culturais agitavam com textos críticos e escritos literários; o Clube de Cinema da Bahia, liderado por Walter da Silveira, informava e formava uma platéia de interessados, fazendo-os ver e compreender a arte do filme, entre eles, Glauber Rocha, atento e assíduo. O Brasil crescia e parecia ser o país do futuro com o desenvolvimentismo de JK.
Barravento teve gestação difícil. Começou a ser filmado em 1959 por Luis Paulino dos Santos que, apaixonado pela atriz principal, Sonia Pereira, atrasou o cronograma porque ficava apenas fazendo planos demorados de sua amada. Glauber Rocha, que fazia parte da equipe, com o consentimento do produtor, Rex Schindler, deu um golpe, demitindo Paulino e assumindo o controle total das filmagens. Reescreveu o roteiro com José Telles de Magalhães, e terminou um filme que se arrastava indefinido. Pronto o copião, o início da rodagem – pelo mesmo grupo – de A Grande Feira – determinou a paralisação dos trabalhos de pós-produção e, somente em 1961, com o término da fita sobre a feira de Água de Meninos, Glauber, com Barravento debaixo do braço, levou-o ao Rio para ser montado, pedindo ajuda para isso a Nelson Pereira dos Santos, que, seguindo as orientações glauberianas, montou-o para que, no ano seguinte, pudesse ser lançado. Assim, três anos (de 1959 a 1962) foram necessários para Barravento vir à luz, tornar-se realidade no écran luminoso. Barravento, na realidade, considerando o início de suas filmagens, tem, a rigor 48 anos, quase um cinquentão.
Apesar de algumas tentativas de incluir conceitos de Serguei Eisenstein e da sua montagem ideológica, Barravento pode ser considerado um rascunho do que viria a seguir, uma promessa de um cineasta, que veio a traumatizar duramente o cinema brasileiro com Deus e o diabo na terra do sol (1964), uma indiscutível obra-prima. Tem sua importância dentro de um momento histórico, por ser a primeira obra de Glauber e por refletir a mentalidade de uma época em relação ao misticismo dos pescadores negros da praia de Buraquinho. O argumento é bem simples: numa vila de pescadores, a única rede pertence a um explorador, mas a comunidade não se revolta, postando-se passiva diante da opressão. A chegada de Firmino (Antonio Pitanga), vindo da cidade grande, onde se conscientizara politicamente, cheio de idéias revolucionárias, vai se chocar com o pensamento de Aruã (Aldo Teixeira), o favorito da deusa Iemanjá. Para libertar o povo, Firmino tem que destruir a credibilidade de Aruã frente aos pescadores, o que consegue no final.O negro moderno e urbanizado derrota o negro semitribal e mais próximo das raízes africanas. Segundo notou o crítico João Carlos Rodrigues em seu livro O negro no cinema brasileiro. Barravento é, assim, um filme revolucionário no sentido estrito do termo e parece aceitar a máxima de que “a religião é o ópio do povo”.
Neste ponto de vista, um filme preconceituoso, mas muito característico da mentalidade dos intelectuais da época. Mentalidade que seria reformulada pelo próprio Glauber em filmes posteriores – notadamente A idade da terra –e por Nelson Pereira dos Santos em O amuleto de Ogum, onde o cineasta, respeitando as crendices do povo, conta a história sem tomar partido e assumir, como fez Glauber em Barravento, uma atitude paternalista com acentos revolucionários.
A efervescência que tomou conta da cidade se liga a um momento particular das artes baianas, que, por sua vez, se vincula ao espírito da época, configurando o que Antonio Risério chamou de a “avant-garde” na Bahia em ensaio do mesmo nome publicado pela Corrupio. A província, nesta época, teve um singular desenvolvimento: fazia-se um teatro da melhor qualidade na Escola da UFBa do Canela, com Martim Gonçalves à frente, formando toda uma geração de intérpretes qualificados em encenações que despertavam interesse de pessoas do eixo Rio-São Paulo; Lina Bo Bard revolucionava com a criação do Museu de Arte Moderna; Roelrreutter, Ernest Widmer, entre outros, desconcertavam as tonalidades acadêmicas do Seminário de Música; os suplementos culturais agitavam com textos críticos e escritos literários; o Clube de Cinema da Bahia, liderado por Walter da Silveira, informava e formava uma platéia de interessados, fazendo-os ver e compreender a arte do filme, entre eles, Glauber Rocha, atento e assíduo. O Brasil crescia e parecia ser o país do futuro com o desenvolvimentismo de JK.
Barravento teve gestação difícil. Começou a ser filmado em 1959 por Luis Paulino dos Santos que, apaixonado pela atriz principal, Sonia Pereira, atrasou o cronograma porque ficava apenas fazendo planos demorados de sua amada. Glauber Rocha, que fazia parte da equipe, com o consentimento do produtor, Rex Schindler, deu um golpe, demitindo Paulino e assumindo o controle total das filmagens. Reescreveu o roteiro com José Telles de Magalhães, e terminou um filme que se arrastava indefinido. Pronto o copião, o início da rodagem – pelo mesmo grupo – de A Grande Feira – determinou a paralisação dos trabalhos de pós-produção e, somente em 1961, com o término da fita sobre a feira de Água de Meninos, Glauber, com Barravento debaixo do braço, levou-o ao Rio para ser montado, pedindo ajuda para isso a Nelson Pereira dos Santos, que, seguindo as orientações glauberianas, montou-o para que, no ano seguinte, pudesse ser lançado. Assim, três anos (de 1959 a 1962) foram necessários para Barravento vir à luz, tornar-se realidade no écran luminoso. Barravento, na realidade, considerando o início de suas filmagens, tem, a rigor 48 anos, quase um cinquentão.
Apesar de algumas tentativas de incluir conceitos de Serguei Eisenstein e da sua montagem ideológica, Barravento pode ser considerado um rascunho do que viria a seguir, uma promessa de um cineasta, que veio a traumatizar duramente o cinema brasileiro com Deus e o diabo na terra do sol (1964), uma indiscutível obra-prima. Tem sua importância dentro de um momento histórico, por ser a primeira obra de Glauber e por refletir a mentalidade de uma época em relação ao misticismo dos pescadores negros da praia de Buraquinho. O argumento é bem simples: numa vila de pescadores, a única rede pertence a um explorador, mas a comunidade não se revolta, postando-se passiva diante da opressão. A chegada de Firmino (Antonio Pitanga), vindo da cidade grande, onde se conscientizara politicamente, cheio de idéias revolucionárias, vai se chocar com o pensamento de Aruã (Aldo Teixeira), o favorito da deusa Iemanjá. Para libertar o povo, Firmino tem que destruir a credibilidade de Aruã frente aos pescadores, o que consegue no final.O negro moderno e urbanizado derrota o negro semitribal e mais próximo das raízes africanas. Segundo notou o crítico João Carlos Rodrigues em seu livro O negro no cinema brasileiro. Barravento é, assim, um filme revolucionário no sentido estrito do termo e parece aceitar a máxima de que “a religião é o ópio do povo”.
Neste ponto de vista, um filme preconceituoso, mas muito característico da mentalidade dos intelectuais da época. Mentalidade que seria reformulada pelo próprio Glauber em filmes posteriores – notadamente A idade da terra –e por Nelson Pereira dos Santos em O amuleto de Ogum, onde o cineasta, respeitando as crendices do povo, conta a história sem tomar partido e assumir, como fez Glauber em Barravento, uma atitude paternalista com acentos revolucionários.
Discretamente, assim, faço desta coluna que ainda se quer setariana, uma homenagem a Barravento, que, abstraindo-se a questão revolucionária, é um filme belo e envolvente com luz fascinante de Tony Rabattoni na exploração de um cenário exuberante. No elenco, além dos citados, a beleza negra de Luiza Maranhão – que desapareceu sem deixar vestígios, contando a lenda que se casou com um milionário europeu e largou o cinema, Lucy Carvalho, e Lídio Cirillo dos Santos – que viria a incorporar o beato Sebastião em Deus e o diabo na terra do sol.
E não se pode esquecer da influência de Alexandre Robatto, Filho em algumas tomadas de Barravento, influência negada por Glauber Rocha, mas provada pelas imagens do filme.
O restaurante e bar Barravento, na Avenida Oceânica, perto do Morro do Cristo, tem esse nome por causa do filme de Glauber.
O cartaz é de autoria de Calazans Neto.
O restaurante e bar Barravento, na Avenida Oceânica, perto do Morro do Cristo, tem esse nome por causa do filme de Glauber.
O cartaz é de autoria de Calazans Neto.
2 comentários:
Excelente rememorar "Barravento".
Triste o fato de o filme estar completando um marco de tempo sem a menor cobertura... num imerecido ostracismo.
Glauber, pela sua importância histórica no cenário do cinema baiano, brasileiro e mundial não pode passar em branco qualquer de suas obras.
Infelizmente, como você bem ressaltou, onde fica a nossa memória?
Pobre do país que não cultua as personalidades que fizeram alguma coisa por sua inclusão e destaque em qualquer atividade cultural.
Não se justifica o deixar passar em brancas nuvens um acontecimento de tal importância. Não só aí, mas em todos os cantos do Brasil...
Mas o brasileiro (baiano nem se fala pois somente tem memória para a bagunça da mixórdia carnavalesca imediata) não tem memória. Está, isto, comprovado. O homem é sua memória e quem não tem memória nada é.
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