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03 agosto 2007

Da beleza de certas tomadas



A seqüência final de O passageiro: Profissão repórter (The passenger), de Michelangelo Antonioni, antológica, está nas antologias cinematográficas, encontra-se registrada, para sempre, na história do cinema. Trata-se de um plano-seqüência com a câmera que sai do quarto onde está deitado Jack Nicholson, e saindo por uma janela gradeada - não se sabe como o realizador conseguiu a proeza, sem cortes, portanto, pois um plano-seqüência, alcança o pátio e, de repente, sem que o espectador veja, ouve-se um tiro, tiro que mata Nicholson, mas que nós, espectador, porque passeando pelo pátio, não o vemos sendo praticado, mas apenas o ouvimos. A câmera, porém, prossegue o seu itinerário e entra, de novo, no quarto, onde jaz o corpo de Nicholson já defunto. Lembrei-me agora de um outro plano-seqüência de um grande cineasta, mas pouco notado pela crítica que se apoia apenas no elo semântico do cinema, desprezando o elo sintático. Falo de John Schlesinger, que tem obras marcantes como Ainda resta uma esperança, Darling, Longe deste insensato mundo, Domingo maldito, Perdidos na noite. Mas quero me referir exclusivamente a O inocente, obra já da fase terminal de Schlesinger, cujo último filme realmente é uma droga e cujo nome, até, já me esqueci. Sei que é com Madona e algo em torno desta querer ser mãe, uma grande besteira e um Schlesinger que não se conhece. Mas em O inocente tem um plano extraordinário. Isabella Rossellini combina com o amante matar o marido, esquartejando-o dentro de seu quarto. Ela mora numa espécie de prédio grande, com muitos quartos, e o período é de penúria durante a Segunda Guerra Mundial. Quando o amante chega para matar o marido, iniciados os preparativos, e enquanto está se dando a carnificina, a câmera de Schlesinger dá um passeio lá fora, saindo pela janela e observando as pessoas e as coisas que se passam no exterior, como uma criança a olhar para um flor, um velho desesperançado, a pobreza do ambiente. Com um conceito de duração surpreendente, volta à janela, quando se vê Isabella Rossellini suada, exausta, com a mão a limpar a testa, suja de sangue, e serviço já feito. Maravilha! The innocent é com ela e com Anthony Hopkins, e se não me valha a memória madrasta, Campbell Scott. A foto que ilustra o post, e numa pequena homenagem que o blog faz a ele, é de John Schlesinger, cineasta que, por incrível que pareça, andou dando aulas em Salvador, de cinema, na primeira metade da década de 60.

6 comentários:

Anônimo disse...

Setaro, a sequência final de Profissão:repórter é simplesmente belíssima.
Numa das vezes que passei este filme para meus alunos, um deles, nunca esqueço, suspirou de surpresa quando a câmera saiu pela janela e depois, quando viu nicholson. Muito bom sentir isso duas vezes. Por mim e pelo(s) outro(s) que continuará o encantamento.
beijos!

Jonga Olivieri disse...

Coisas da tecnologia...
Por acaso, e por ser publicitário, já fiz um comercial com uma câmera que funciona acoplada a um mini-helicóptero dirigido a contrôle remoto que pode fazer o diabo. Inclusive isso.

Saymon Nascimento disse...

Não vi esse filme do Schelsinger, mas, pela sua descrição, deve ser inspirado pelo Frenesi de Hitchcock.
Antes do The End, resta ainda Coppola, e tomara que essa volta ao cinema dele seja gloriosa. Está filmando na Argentina agora. Veio pro Brasil, mas preferiu a Argentina...

Jonga Olivieri disse...

Bem lembrado Saymon. Francis Ford Coppola é um nome digno de se incorporar aos sobreviventes do cinema. Krzysztof Kieslowski, da trilogia Bleu, Blanc e Rouge, eu considero um valor mais recente que pode se incorporar a uma lista.
Mas a indústria criminosa (e comercialóide), base do cinema estadunidense e da máquina de alienação que assola o mundo prefere deixar este pessoal de lado.
Nos lembramos deles, mas se a gente raciocinar um pouquinho e lembrar de mostram que só alcançam "guetos" culturais (e não a massa... o povo) vamos verificar que tem muita gente boa por aí. Escondidinha debaixo do tapete.

Anônimo disse...

Olá Setaro, escrevo no Cinematógrafo XXI e me passaram esses dias uma corrente literária. Eu posto uma lista com meus cinco livros preferidos e no fim eu indico 5 outros blogueiros para fazerem o mesmo. Um dos escolhidos foi você, então fica aqui o convite para vc postar a sua lista. Faço pouqíssimos comentários aqui no seu blog, mas sempre o estou lendo. São verdadeiras aulas de cinema.

E realmente, a cena final de Profissão Repórter é incrível e confesso que não conhecia esse Schlesinger. É isso, abração!!!

Anônimo disse...

Setaro, porque voce gosta tanto de diretores americanos? Existem muitos diretores baianos e brasileiros de quem voce poderia estar falando mas não fala. Porque? Voce odeia o cinema baiano?