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30 julho 2007

Introdução ao Cinema (6)



Aqui outro capítulo da introdução ao cinema já na sua sexta edição. Alguém sugeriu em comentário que a colocasse aqui de uma só vez, mas creio que ficaria maçante, pesado para um blog. Em pílulas é melhor ou, se se quiser, a prestações semanais e, muito importante, sem juros. O blog não pratica a política econômica neoliberal comandada por um preposto do capital internacional, que é Henrique Meirelles (quando dá festa em sua casa gosta de se fantasiar de índio). Mas o que se está a dizer, e a falar de um homem do caráter de Meirelles, suja, por assim dizer, a introdução da introdução que queria fazer aqui, hoje, segunda, dia da morte de Ingmar Bergman, a quem dedico estas mal traçadas e mal informadas linhas. A homenagem também se faz na fotografia ao lado, que é de um momento de Morangos silvestres (Smultronstallet, 1957), filme que me introduziu no universo bergmaniano, vale dizer, quando o vi, jovem ainda, foi um assombro, uma revelação. Vê-se Victor Sjostrom, o velho, do lado de fora Ingrid Thulin e, dentro do carro, com um olhar no infinito, a bela Bibi Andersson, ainda bem jovem. Bergman amou todas as suas atrizes com grande ímpeto, grande paixão.
Outro elemento determinante da linguagem cinematográfica é o ângulo da câmera ou ângulo de tomada, que se estabelece pelo diretor do filme com o auxílio do iluminador (diretor de fotografia) e do cinegrafista (operador ou cameraman). Define-se o ângulo tendo em vista o eixo que a câmera faz em sua direção vertical (uma parede, por exemplo). O aparelho de filmagem conserva-se, via de regra, na horizontal, quase ao nível da visão de um homem em pé. É este o ângulo normal, mas se a câmera ocupar a posição de um homem olhando de alto de uma janela para a rua, tem-se o ângulo oblíquo superior, designado mais simplesmente por câmera alta. Inversamente, o ângulo oblíquo inferior é o ponto de vista de um homem deitado que olha para cima, designado pela expressão câmera baixa. No primeiro, o eixo da câmera é apontado para o chão e, no segundo, o eixo do aparelho se dirige para o teto. O eixo na horizontal define o ângulo normal. O uso de tais ângulos também não é arbitrário.
A imagem vista de baixo para cima (tomada com câmera baixa) confere ao ator um ar de importância, um ar dominador ou despótico. Caracteriza personagens prepotentes ou tirânicos, ou personagens que, num dado momento, estão em situação vantajosa em relação a outros, como o promotor de acusação durante uma cena de julgamento. Efeito contrário é o obtido com o uso da câmera alta - imagem vista de cima para baixo: a pessoa filmada parece humilhada e sofredora, comunicando aos espectadores uma sensação de esgotamento, como o acusado do crime, durante a mesma cena de julgamento. Também se denomina plongée a filmagem em câmera alta e de contre-plongée, a de câmera baixa. Encontra-se um bom exemplo desta em O Caminho da Vida(Putievka Y Gizn), de Ekk, na qual se descortina, em câmera baixa - contre-plongée, a imagem de rapazes portando barras de ferro que simboliza a alegria deles no trabalho e a vitória que conquistaram sobre si mesmo. Um ângulo semelhante materializa o poder capitalista de um magnata em O Fim de São Petersburgo(Konets Sanky-Petersburga), de Pudovkin, ou a superioridade ou o gênio militar em Alexandre Nevsky, de Serguei Eisenstein. Através de um contre-plongée, em outro filme, Que Viva México, este cineasta consegue transmitir a nobreza de três peões mexicanos condenados à morte. E Murnau, em A Última Gargalhada, apresenta o porteiro de um grande hotel em semelhante ângulo até que, degradado, é acentuado em sua decadência pelo ângulo inverso, a câmara alta ou plongée. A câmera alta tende, com efeito, a apequenar o indivíduo, a esmaga-lo moralmente, rebaixando-o ao nível do chão, fazendo dele um objeto preso a um determinismo insuperável, um joguete da fatalidade. Encontra-se um bom exemplo desse efeito em A Sombra de uma Dúvida (Shadow of a Doubt, 1943), de Alfred Hitchcock: no momento em que a jovem descobre a prova de que seu tio (Joseph Cotten) é um assassino, a câmera recua bruscamente em travelling para, em seguida, se elevar, e o ponto de vista assim obtido dá perfeitamente a idéia do horror e da opressão que se apoderam da jovem. Exemplo mais natural está em Roma, Cidade Aberta (Roma, Città Aperta, 1945), de Roberto Rossellini: a seqüência da morte de Maria é filmada de um ponto de vista normal, mas o plano preciso em que ela é morta pelos alemães é tomado do andar superior de um prédio, e a mulher correndo na rua -a extraordinária Anna Magnani - parece, então, um frágil e minúsculo animal à mercê de um destino inexorável. Uma variante da angulação é mostrar o ator em diagonal na tela, pretendendo dar-lhe um caráter de loucura ou de maldade. Alguns diretores gostam de abusar dos ângulos esquisitos, empregando os fartos recursos da angulação sem necessidade evidente. Um bom exemplo nesse sentido é o de O Terceiro Homem (The Third Man, 1948), de Carol Ree, com Joseph Cotten e Orson Welles, cultuado clássico do cinema todo filmado em ângulos insólitos, oblíquos. Um enquadramento inclinado leva o espectador a acreditar que Carlitos sobe uma encosta muito íngreme puxando pelo braço um veículo pesadamente carregado (O Limpador de Vidraças/ Work). Os ângulos de tomada são, basicamente, os três explicados acima: normal, câmera alta (plongée) e câmera baixa (contre-plongée), havendo, ainda o oblíquo.
Importante ressaltar que o conceito dos ângulos de tomada não se confunde com o conceito de ângulo visual, que é a perspectiva da cena vista pela câmera como se esta fosse o próprio olho do espectador. O ângulo visual é apenas o ponto de vista da câmera durante a tomada. Tem-se, portanto, infinitos ângulos visuais, tantos quantos são os pontos no espaço. Excetuando-se os ensaios fílmicos mais audaciosos e/ou pretensiosos, nos quais o uso do plano-sequência é a tônica, quase todos os filmes se utilizam do campo e do contracampo quando aparece, por exemplo, um casal conversando - ou duas pessoas dialogando. O campo e o contracampo se impõem quando duas tomadas sucessivas são feitas de ângulos visuais simétricos. No campo, vê-se o homem de frente e a mulher de costas - ou o interlocutor quando no caso de duas mulheres ou dois homens a conversar, enquanto que no contracampo, que vem logo a seguir por meio do corte, pois são duas tomadas sucessivas que os caracterizam. Realiza-se o campo e o contracampo pelo deslocamento da câmera colocada sucessivamente em duas posições diferentes ainda que simétricas. Não se entenda, aqui, deslocamento como movimento. Na conversa entre um homem e uma mulher, a alternância vista na tela é artificial porque, durante as filmagens, os personagens são filmados de uma vez só e em tomadas compridas. Filma-se, por exemplo, todos os diálogos de cada interlocutor em um só plano e depois, na montagem, é que se executa a alternância. Assim, é a interferência da tesoura, isto quer dizer, da montagem, que provoca, na tela, a alternância de se ver ora o homem ora a mulher.
Recomenda-se a leitura de A Linguagem Cinematográfica, de Marcel Martin - Brasiliense, 1990, livro imprescindível para todos aqueles que, um dia, queiram, por acaso, compreender o cinema.

Um comentário:

Jonga Olivieri disse...

Maravilha de postagem. Tomara que os mais jovens possam estar acompanhando esta narrativa...