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27 junho 2007

Introdução ao Cinema (1)



Atendendo a algumas solicitações, tomo a iniciativa de republicar, novamente, em capítulos semanais, a Introdução ao Cinema. Quem já o leu que lhe passe por cima, mas, de qualquer forma, há muitas pessoas que somente tomaram conhecimento do blog muito tempo depois de seu aparecimento. Espero aqui dar o a-b-c do cinema e seu caráter, como sempre enfatizei, é eminentemente introdutório sem veleidades teóricas, excetuando-se nos últimos capítulos, quando trato do cinema enquanto narrativa e fábula.
A partir de hoje, vou tentar apresentar aos leitores os elementos básicos da linguagem cinematográfica com um objetivo precípuo: introduzir o espectador nos meandros desta linguagem, considerando que a maioria das pessoas que vai ao cinema apenas se contenta com a história, desconhecendo por completo que o cinema tem, também, uma narrativa, e esta se expressa pela capacidade do realizador em articular os elementos lingüísticos próprios da arte do filme. Trata-se, na verdade, de uma introdução ao cinema com um cunho didático e com um propósito de esclarecimento. A introdução será feita em partes que serão desenvolvidas através de várias semanas. Para se atingir a especificidade da linguagem cinematográfica, três são os elementos básicos, fundamentais, com os quais o realizador precisa saber articulá-los se quiser obter, no filme, força expressiva. São os elementos determinantes da especificidade da linguagem fílmica: a planificação, os movimentos de câmera e a angulação, havendo um quarto elemento, a montagem, que também determina a especificidade, ainda que, hoje, não possua mais a primazia do passado, quando era considerada a expressão máxima da arte do filme - a introdução das tomadas demoradas (Michelangelo Antonioni, o cinema iraniano atual, Theo Angelopoulos...) a partir dos anos 50 e o advento da profundidade de campo (Orson Welles, William Wyler, etc) tiram da montagem a sua supremacia no processo de criação cinematográfica. Antes dos anos 40, porém, quando do seu auge, é necessário salientar que nem todos os filmes dessa época se submetiam à estética da montagem. Juntamente com a vanguarda francesa, o cinema soviético é, talvez, o único a levar a montagem a seu paroxismo, principalmente com os filmes de Serguei Eisenstein - O Encouraçado Potemkin, 1925, Outubro, 1927, etc. Os elementos componentes da linguagem cinematográfica , apesar de imprescindíveis, não lhe determinam, contudo, a sua especificidade. O roteiro, texto escrito é, ainda, uma peça literária, uma pré-visualização do filme futuro. A fotografia ajuda a compor e a melhor definir o estilo, algumas vezes com função dramática especial - Vittorio Storaro, iluminador de Bernardo Bertolucci (O Último Imperador, O Céu Que Nos Protege...) assume uma função de quase co-autoria , mas, na maioria dos casos, o diretor de fotografia segue os ditames do realizador. A cenografia, ainda que, em raros filmes, surja como elemento deflagrador da evolução temática - Vincente Minnelli em Deus Sabe Quanto Amei/Some Came Running, 1957, usa a cenografia como determinante da explosão dramática, é elemento componente, assim como a parte sonora, os ruídos, os diálogos, a música - casos existem, como em Os Guarda-Chuvas do Amor/Les parapluies de Cherbourg, 1965, e Duas Garotas Românticas/Les Demoisselles de Rochefort, 1966, ambos de Jacques Demy, nos quais a música tem tanta importância quanto a mise-en-scène, chegando mesmo a se falar de uma mise-en-musique para estes filmes. Se a literatura se exprime por meio de palavras, vale dizer, signos arbitrários, e o teatro, além do texto, tem a presença física dos atores, a cenografia e os efeitos de iluminação, o cinema também dispõe dos recursos do teatro e da literatura e ainda de um recurso próprio, importantíssimo, que é a variação do ponto do espaço de onde são fotografadas as imagens exibidas na tela. Assim, toda cena de um filme é formada por muitos instantâneos vistos de diferentes perspectivas e denominados de planos. Chama-se variação do ângulo visual essa particularidade do cinema. Quando alguém vai ao teatro, a cena é vista do mesmo ângulo, o ângulo visual do lugar em que se está sentado. A variação do ângulo visual é, portanto, a base da linguagem e determina a sua especificidade.
O exemplo do espectador do teatro é ilustrativo: este, se quiser ter uma perspectiva diferente do palco, tem que mudar de lugar. No cinema, não, o espectador, ficando no mesmo assento, vê a cena de muitos modos diferentes, porque a câmera cinematográfica se encarrega de mudar de lugar - de ângulo - para ele. O que significa dizer: o espectador vê o filme por intermédio da câmera, vendo sempre aquilo que ela viu na rodagem do filme. Tudo o que se vê na tela - no enquadramento - é o que se chama de realidade profílmica: aquilo que se encontra no campo visual abarcado pela objetiva da câmera. Um cineasta, quando pretende fazer determinada tomada, escolhe um fragmento da realidade, recortando-o através do enquadramento, fixando uma parcela maior ou menor do campo visual. A parcela contida nos limites desse campo visual é o que se denomina quadro fílmico. No filme, o quadro fílmico é a área do fotograma. Na operação de filmagem, o campo da objetiva e, na projeção, a superfície da tela. Assim, conforme a câmera fique mais próxima ou mais distante - ou mais inclinada ou mais à direita - tem-se, no seu visor e, depois, na tela, diferentes aspectos ou enquadramentos da realidade profílmica. Nunca se vê, portanto, uma imagem do mesmo ângulo visual por mais de alguns segundos, pois a câmera sempre muda de lugar., selecionando e enquadrando diferentes parcelas da realidade profílmica. A mais simples das cenas é vista como uma articulação de diversos instantâneos, filmados de diversos ângulos e mostrando aspectos da realidade profílmica, instantâneos que são, precisamente, os planos, os quais possibilitam a extraordinária variedade de pontos de vista oferecida pelo cinema. A conquista da linguagem cinematográfica foi sendo feita aos poucos, ela não nasce com a invenção do cinema em 1895 pelos Irmãos Lumière. Se a projeção de filmes neste ano, em Paris, inaugura o registro das imagens em movimento, o que se descobre, no entanto, é uma técnica foto-reprodutora da realidade, mas a linguagem ainda não existe, desenvolvendo-se aos poucos até que o americano David Wark Griffith sistematiza, em 1914/15, os diversos elementos determinantes da especificidade fílmica em O Nascimento de uma Nação (The Birth of a Nation, 1914) e, também, com maior forca em Intolerância (Intolerance, 1916).
Para não cansar, outra pílula será dada na próxima quarta. Não se trata de Lexotan e o objetivo é didático, procurando, aquele que escreveu o texto, eu, ser claro e objetivo. Se conseguiu, está satisfeito. Não seria necessário dizer que a foto que ilustra o post é de Charles Chaplin.

5 comentários:

Jonga Olivieri disse...

Grande iniciativa. Falar de linguagem do cinema e sua gramática numa época em que o clipfilm está invadindo as telas e os diretores estão esquecendo os mais elementares processos de filmagem.
Veja bem: não que não possam mudar, muito pelo contrário, mas evoluir... o que é completamente diferente.

André Setaro disse...

Veja os 'trailers' contemporâneos todos iguais, pontuados pelo 'clip', pela imagem que se anuncia e apaga, de uma mediocridade ululante. Os 'trailers' atuais são todos iguais, e insuportáveis de ver. Agora mesmo, revendo 'Anatomia de um crime', do grande Otto Preminger, vi o seu 'trailer' original que é de uma originalidade impressionante. É um filme de tribunal, embora, a rigor, transcenda a isso. O 'trailer' mostra o tribunal com todo o elenco do filme (James Stewart, Lee Remick, Ben Gazarra, Arthur O'Connell, George C. Scott, etc) a prestar juramento a Preminger, com aquele negócio de, mãos na bíblia, 'jura dizer toda a verdade nada mais do que a verdade?' Genial!

Anônimo disse...

ótima iniciativa!

André Setaro disse...

Obrigado caro Janot,

Estou sempre a lhe ver no Telecine Cult e sempre aprendo com seus brilhantes comentários sobre os filmes selecionados, a exemplo da mostra Kieslowski, Chaplin, entre tantas. Você, com o poder sintético que tem, diz o essencial de cada cineasta, apontando-lhes as características, etc. Por outro lado, sempre acompanhei suas críticas no site Críticos.Com. Você é um crítico que vai na substância do filme enquanto obra audiovisual sem os rodeios e a necessidade de introjetar uma intelectualização desnecessária e pernóstica, muitas vezes a ferir a língua pátria e confundir o leitor, tirando deste o prazer da leitura. Ao contrário: a leitura dos textos de Marcelo Janot, sobre ser uma leitura prazerosa, é uma oportunidade de se conhecer mais o filme que aborda.

Anônimo disse...

André, fico lisonjeado com suas palavras, ainda mais vindas de um profundo conhecedor da sétima arte. Quando diz "sem os rodeios e a necessidade de introjetar uma intelectualização desnecessária e pernóstica", você tocou no ponto certo do que procuro evitar.
grande abraço