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24 junho 2007

De um cinema que morreu



É impressionante a quantidade de filmes importantes que estão sendo lançados em DVD, vindo a proporcionar, com isso, a oportunidade de se fazer uma verdadeira revisão dos grandes realizadores. A excelente definição da imagem já possibilita se apreciar o trabalho do iluminador, tornando a visão de um filme em disco bastante convincente e, mais importante, substituindo até a sua perda na tela grande. Com os ingressos na estratosfera, a dificuldade de locomoção, os pontos distantes, os ruídos dissonantes da platéia da sala exibidora, que impedem a plena contemplação, a fruição completa, de um filme, entre outros fatores negativos, o DVD está, a cada dia que passa, se firmando como uma nova opção para os amantes do bom cinema. Quem nasceu há mais de 40 anos, vê, no disquinho, uma revolução, pois, na sua época, nunca pensaria poder ter, home, os filmes de sua preferência, pois as imagens em movimento, em tempos não muito remotos, ficavam restritas ao escurinho do cinema e para se ter acesso a elas era preciso que se adentrasse pela sala de uma casa de espetáculos. O cinéfilo mais atento tem, agora, à sua disposição, filmografias completas de grandes autores em cópias remasterizadas e perfeitas, além do mais acompanhadas de extras que ajudam na compreensão do processo de criação artística de alguns cineastas. Quem poderia imaginar, há pouco tempo, ver, em casa, no aconchego do lar, toda a obra de um Federico Fellini, por exemplo? Ou a produção de Chaplin em cópias estalando de novas? Ficávamos, antigamente, ao sabor dos lançamentos e ao sabor das circunstâncias - se, no lançamento de determinado filme, o interessado cinéfilo houvesse de viajar, ou contraísse uma gripe forte, poderia perdê-lo para sempre. E, além do mais, o ir ao cinema, hoje, não é mais igual ao ir ao cinema de épocas pretéritas. A platéia de adolescentes - ou aborrecentes - dá a tônica e não há mais respeito pelo que se está a assistir, predominando a zuada que perturba a contemplação, com os insuportáveis apitos dos telefones celulares (para ser verdadeiro, tive vontade de ma
tar uma pessoa que estava numa sala escura a atender o celular como se fosse uma débil mental), as conversinhas ao pé do ouvido, e a comilança generalizada. Não queremos dizer, no entanto, que o DVD vá substituir o cinema, mas, não podemos fugir da realidade, o disco digital está diminuindo em muito a freqüência às salas exibidoras, deixando estas para os gritos dos vândalos que, nos fins de semana, tomam conta das casas de espetáculos como uma decorrência natural do shoppear. E mesmo que o cinéfilo tenha, em sua residência, um verdadeiro home theater, a imagem na tela grande sempre é insubstituível no impacto que vem a causar, entre outras determinantes, pela própria condição de assistente, membro de uma platéia, o que determina uma comunhão no ato de ver o filme. Mas o vandalismo contemporâneo, por outro lado, está vindo a desestimular e a desfazer esta congregação platéia-filme, deixando ao cinéfilo a solidão, a aporrinhação e a consumição. É verdade que já desde meados do decurso dos anos 80, o videocassete já estava a proporcionar a visão de filmes nos lares. Mas, assim que apareceu, a qualidade das fitas magnéticas deixava muito a desejar e não ameaçava de modo nenhum a ida do cinéfilo ao cinema. No advento do vídeo no Brasil, as fitas eram deficientes, as cores dançavam em cima das pessoas e dos objetos, verdadeiros borrões, que impediam a contemplação fílmica, considerando que um filme não se restringe apenas à sua história, mas é um conjunto harmônico que reúne a manipulação dos elementos da linguagem cinematográfica, fotografia, etc. E nunca em fita magnética vimos tantos filmes distribuídos com o rigor dos que estão sendo lançados em pacotes em DVD - pacote de Pasolini, de Fellini, de Rossellini, de Antonioni, de Hitchcock, e por aí vai.
Lembro-me que, nos anos 60, estando no Rio de Janeiro, naquela época uma verdadeira Cidade Maravilhosa, li, por acaso, no roteiro do Caderno B do Jornal do Brasil, que Ladrões de bicicleta, de Vittorio De Sica, clássico do neo-realismo italiano, estava programado em sessão única na Cinemateca do Museu de Arte Moderna, às 16 horas. Mal chegado ainda à cidade, fui ver esta obra-prima, que nunca tinha visto, mas lido muito sobre ela, e, finda a sessão, uma chuva torrencial, tempestade mesmo, se abateu sobre o Rio, deixando tudo engarrafado. Sem poder tomar táxi, que não aparecia devido à chuva, voltei andando debaixo do toró do Flamengo até Laranjeiras, onde estava hospedado. Dia seguinte, febre alta, e ameaça de brutal pneumonia. Mas estava satisfeito. Tinha visto Ladrões de bicicleta. O que conto acima seria impossível de acontecer nos dias atuais. Tenho, por exemplo, o filme em vídeo, que fica quase aposentado numa prateleira. O fato narrado é de um tempo em que as imagens em movimento se restringiam às salas de cinema. Para não falar nas possibilidades contemplativas das televisões por assinatura e, agora, até a realidade concreta de se baixar tudo que se quiser pela internet.

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