Seguidores

23 maio 2007

A Jornada Baiana na Idade da Razão



O texto que vai abaixo, escrevi-o em 2003, e, ao retirar do world para o colar aqui, neste blog, os parágrafos desapareceram. Mas estou com preguiça de desembaraçá-lo. Que fique assim mesmo embolado. Desembolar-se-á em outro dia, quando tiver mais vagar na consciência. A publicação se deve pela constatação da passagem rápida do tempo, pois participei das três primeiras jornadas, sendo que, a primeira, aconteceu em janeiro de 1972, quando Salvador, que hoje é uma cidade insuportável, ainda era uma província muito agradável, muito interessante, como poucas no Brasil e no mundo. Sem incluir na conta que a jornada não se realizou em dois anos, ela existe há exatos 35 anos. Daí o assombro. Guido Araújo ainda usava calças curtas. Para Jean-Paul Sartre, 35 anos, com ele escreveu em L'âge de raison, é quando o homem entra na idade da razão.


Com a realização da trigésima Jornada Internacional de Cinema da Bahia, agora em setembro, entre 11 e 18, é tempo de se fazer um pequeno balanço de sua trajetória, que, na verdade, já dobrou as três décadas, porque em 1989 e 1990 não se realizou por falta de recursos. Assim, tendo se iniciada em 1972, se não houvesse a interrupção referida, já estaria a Jornada no seu número 32. Excetuando-se o Festival de Brasília, é o evento cinematográfico mais velho do país. As sementes das jornadas começaram a ser plantadas quando Guido Araújo, egresso da Tchecoslováquia, onde permaneceu por mais de dez anos, em 1967, ingressou na Coordenação de Extensão da Universidade Federal da Bahia, que se chamava, na época, Departamento Cultural da UFBA. Walter da Silveira, o ilustre ensaísta cinematográfico baiano, sempre desejou que a Universidade tivesse um curso de cinema e, com a presença de Valentin Calderón de la Barca, um entusiasta da idéia, na direção do departamento, encampando a sugestão, viu-se idealizado o projeto acalentado por Walter. E, em 1968, estabeleceu-se um Curso Livre de Cinema com duração de um ano e uma carga horária de quatro horas semanais, com aulas às terças e às quintas. O ensaísta ensinaria ‘História e Estética do Cinema’ e Guido Araújo, chamado para compor o corpo docente do curso, ‘Teoria e Prática’. O curso foi um sucesso e dele saíram alguns dos principais realizadores e críticos futuros do cinema baiano: André Luiz Oliveira – que realizou, ainda em 1969, ‘Meteorango Kid, o herói intergalático’, clássico do chamado Cinema Marginal, entre outros filmes, José Umberto – que, além de curtas, fez ‘O anjo negro’, longa metragem, em 1972, Carlos Vasconcelos Domingues, Geraldo Machado, José Frazão, autor de um longa baiano desconhecido e perdido, ‘Akpalô’, em 1971 e, no Rio, ‘O mistério do Colégio Brasil’, ‘O último herói do gibi’..., Ney Negrão – que tem um curta clássico, ‘O carroceiro’, de 1965, entre muitos outros, inclusive este colunista.Walter da Silveira não pôde continuar à frente do curso em 1969, por motivos de doença, um câncer que viria a matá-lo em novembro de 1970. Mas Guido Araújo, formando o GEC (Grupo Experimental de Cinema), continuou-o por alguns anos. Vale ressaltar, que ainda no primeiro semestre de 69, Walter e Guido conseguiram do Reitor da UFBa, Dr. Roberto Santos, que o Salão Nobre da Reitoria fosse destinado, aos sábados, à exibição de filmes selecionados, com a distribuição, na porta, de uma análise escrita pelo ensaísta. Um feito e tanto, pois significou o reconhecimento pela Universidade da natureza artística do cinema, que, a partir de então, se punha em pé de igualdade, perante a academia, às demais artes.O passo seguinte foi a estruturação de um modesto festival, que Guido Araújo, desde logo, insistiu em chamar de Jornada, que teve início nos anos de chumbo da ditadura Médici, em 1972, janeiro, na semana da festa do Bomfim e restrita à Bahia. O seu organizador, Guido Araújo, ampliou-a para Nordestina no ano seguinte e, em setembro, mês no qual ela se estabeleceu definitivamente. Contou, para isso, com duas ajudas fundamentais: a de Cosme Alves Neto, diretor da Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio, e a de Roland Schaffner, que, naquela época, tomava posse na direção do Instituto Goethe e iria transformá-lo nos anos 70 num pólo aglutinador das artes na Bahia, fazendo história. Apesar de patrocinada pela Universidade Federal da Bahia, esta, com algumas exceções - como a do reitorado de Germano Tabacoff e o atual, de Naomar Almeida, nunca deu o apoio financeiro necessário, precisando Guido Araújo captar recursos em outros lugares. O ponto de partida da Jornada, realmente, foi no último dia da Bahiana, em 1972 quando, depois da entrega dos prêmios na Reitoria, Roland Schaffner reuniu alguns convidados em seu apartamento na rua Banco dos Ingleses. Foi aí que Guido teve a conversa propulsora com Cosme e Schaffner, viabilizando um projeto, que, a seus olhos, poderia ser exeqüível e realmente viável.A inexistência de eventos culturais por causa do arrocho ditatorial foi importante para o sucesso da Jornada, que se beneficiou enormemente do espaço quase consular do Instituto Goethe - também chamado de Icba, no Corredor da Vitória. Os melhores anos da jornada foram na década de 70 quando tudo se concentrava no Goethe. Acolhedor, o lugar também servia para que os cineastas de outros estados pudessem se reunir mais à vontade, discutir seus problemas. Também os cineclubistas desbaratados pela ditadura puderam planejar novos rumos para seus trabalhos. A Associação Brasileira de Documentaristas (ABD) foi criada na Jornada, em 1973, e nesta, com festa e encontros, comemora seus 30 anos. E alguns filmes, que eram exibidos livremente na Jornada, quando apresentados em outras capitais, sofriam a intervenção da censura. Tudo por causa do espaço icbano que os agentes da ditadura possuíam uma espécie assim de cerimônia em relação a uma intromissão invasiva.Os anos 70 viram nascer o ‘boom’ superoitista e, com ele, uma nova geração de cineastas, como Edgard Navarro, Marcos Sergipe (por onde anda?), Fernando Beléns, Póla Ribeiro, Joel de Almeida, José Araripe Jr, entre outros. As discussões eram acaloradas no cine-teatro do Icba, transformando-se, algumas vezes, em verdadeiros ‘happenings’. Fernando Cony Campos bradava em alto e bom som suas diatribes bem construídas com humor e anarquia. E anarquia maior fazia Edgard, o Navarro, que, certa ocasião, para protestar, tirou a roupa e nu, com a mão no bolso, provocou frenesi numa inesquecível noite da Jornada.Houve também o incentivo, pois os cineastas tinham seu calendário sui generis estipulado entre setembro e setembro. A Jornada os incentivava a filmes, à expressão pelas imagens em movimento. Com o passar do tempo, no entanto, a abertura democrática, a descentralização dos espaços e o surgimento de outros festivais curta-metragistas espalhados pelo país, a Jornada perdeu a sua exclusividade, quando reinava, absoluta - pela, como já se disse, sua característica consular, na ditadura como foco de resistência. Se de Baiana passou logo a Nordestina e mais rápida ainda a ter uma dimensão nacional, por outro lado esperou mais de uma década para se tornar Internacional, em 1985. No itinerário da Jornada houve também sístoles e diástoles. Em 1979, transferiu-se para a Paraíba, em 83 e 84, para Cachoeira, e quase termina em 89 e 90.Há muito tempo que a Jornada não apresenta a afluência de público que tinha nos anos 70 e mesmo nos 80. Dizem que o estilo ‘concentracionista’ de Guido Araújo impede a participação da comunidade cinematográfica, que seu modelo de evento está defasado pela passagem do tempo, que repisa os mesmos tempos, que não aderiu à pós-modernidade - neste particular, ainda bem! que a estrutura de sua administração precisa ser reformulada, que continua com uma idéia de festival já há muito superada. Que pensa a Jornada nos mesmos moldes dos anos 70. Intrigas típicas, entretanto, de uma oposição que se dilui. Neste 2003, há um clima de apoio irrestrito às jornadas setembrinas mesmo por aqueles que a viam com olhos restritos.O fato é que Guido Araújo é um obstinado. Sua tenacidade, não se há de contestar. Carrega a Jornada nas costas por três décadas, uma vida.

Um comentário:

Anônimo disse...

O que voce nao conta é que pela Jornada nunca passou ou foi premiado um filme com capacidade de sobreviver mais de uma semana no circuito comercial. Nesse sentido os dirigentes comunistas da Jornada foram especiais, onde a ordem sempre foi de ignorar o mercado como se ele nunca existisse. O resultado é o que temos hoje, um mercado estrangeiro hipertrofiado, sem nada nem ninguem para lhe fazer face. Guido nunca foi capaz de distribuir o poder que angariou ao longo dos anos. Centralizou e centraliza até hoje. Deu no que deu, uma Jornada da qual o povo não participa, e de vergonhosa situação, como a que occorreu alguns anos atras onde o juri se recusou a dar o premio maximo. 30 anos, boa porra 30 anos.