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02 agosto 2013

Lourival Oliveira, o homem que falava de cinema e sem fazer fita

O cineasta Robinson Roberto filma o depoimento do comentarista cinematográfico Lourival Oliveira para seu documentário Cine Jequié, que nos deixou no mês passado.
Antes de me iniciar nas leituras das críticas de cinema, ainda que cinéfilo impertinente, em torno do ano de 1964, com 13 anos de idade, sempre ouvia aos sábados o programa Falando de cinema e sem fazer fita, da Rádio Excelsior da Bahia, comandado pelo comentarista cinematográfico Lourival Oliveira. Soube, semana passada, que Lourival faleceu no dia 1 de julho. Presto aqui a minha homenagem a este indefectível amante do cinema, que dedicou a sua vida a ver filmes e a comentá-los com sua voz possante e sempre assertiva. Se não me falha a memória, já gasta com o passar do tempo, o seu programa era transmitido meio-dia em ponto, e constava de várias partes: comentários dos filmes em cartaz na semana, trilha sonora, e respostas às perguntas dos ouvintes. O adolescente que era admirava a figura de Lourival e, nos seus verdes anos, considerava-o uma autoridade no assunto. Certo dia resolvi escrever para Lourival, fazendo-lhe uma pergunta, que respondeu com prontidão em seu programa, para felicidade do garoto que o ouvia. E mais: houve um concurso com as perguntas, cujo prêmio era uma entrada para uma sessão do cinema Excelsior, e, para minha surpresa e estupefação, ganhei-a. Melhor do que o prêmio, foi tê-lo conhecido pessoalmente mesmo que en passant, pois o vencedor tinha que ir buscar a entrada em mãos na Rádio Excelsior,.O que fiz, mas Lourival, no auge da fama, não ligou muito para o menino, embora delicado e atencioso. Os anos se passaram. Em 1989, 25 anos depois, já escrevendo uma coluna diária na Tribuna da Bahia desde 1974 e professor de cinema da Faculdade de Comunicação da Ufba, organizei um seminário de extensão sobre crítica cinematográfica, e, entre os inscritos, Lourival Oliveira. O certificado de conclusão do seminário, do qual participaram, entre outros críticos do sul, José Carlos Avellar, por questão burocrática da universidade, demorou a sair e, com isso, toda semana Lourival aparecia na faculdade para saber, ansioso, quando iria receber seu papel. A última vez que o vi foi há mais de uma década no Cinema do Museu e, há três anos, através de uma ligação telefônica.

Disse-me, na última vez que o vi, que estava preparando um livro com todas as perguntas feitas ao seu programa radiofônico e achou uma de meu próprio punho. Fiquei curioso. Ele prometeu tirar uma xerox para me enviar. Mas o tempo passou e nunca mais estive com ele.

Lourival pertenceu a uma época em que o rádio era um ponto de referência não restrito somente a músicas e comentários futebolísticos. Havia programas inventivos em várias áreas, entre os quais, vale ressaltar, ainda que de esporte, o do saudoso França Teixeira, que também nos deixou recentemente e, pode-se dizer, revolucionou o meio com o seu anárquico e bem humorado estilo de narração. O cineasta Robinson Roberto teve a gentileza de me enviar o seu documentário Cine Jequié no qual há vários depoimentos interessantes sobre a sala exibidora que dá título ao filme e é um registro importante como testemunha de uma época em que o cinema causava magia e assombro, assombro e magia, não necessariamente nesta ordem. Vendo há dois dias Cine Jequié, notei semelhanças com minhas sensações cinematográficas de criança e adolescente, comparando-o, na minha imaginação, aos cinemas soteropolitanos Guarany e Pax, pois sou da mesma geração dos depoentes - ou talvez um pouco mais moço, mas vivi aquela época que está guardada nos arcanos de minha memória.

Pois bem! Lourival Oliveira é um dos depoentes do Cine Jequié. Amigo de Robinson desde tempos imemoriais, conta, no filme, que o Cine Jequié (o próprio e não o filme) se constituiu na porta de entrada para que ele, Lourival, pudesse ser introduzido no mundo mágico do cinema, vindo a conhecer, nas suas sessões, além dos filmes de gênero do cinema americano, obras referenciais do neorrealismo italiano, do expressionismo alemão, do realismo poético francês, da escola russa dos anos 20 etc. Lourival Oliveira nasceu em Jequíé em 24 de setembro de 1941 (morreu, portanto, prestes a completar 72 anos) e viveu plenamente a efervescência da época. Depois, já adulto, se transferiu para Salvador, onde fez por alguns anos o hoje clássico Falando de cinema e sem fazer fita, da Excelsior. Quase terminou seus dias na Rádio Educadora, também falando de cinema, a paixão de sua vida, se não acontecesse a aposentadoria e o seu infortúnio decorrente de consequências da diabetes. E por falar em paixão pelo cinema, Lourival tinha, realmente, um amor de cinéfilo e de comentarista. Uma vez, andando pela Avenida Sete, encontrei-me com ele diante da vitrine da Livraria Civilização Brasileira, quando saiu pela primeira vez o livro de entrevista de Truffaut com Hitchcock (que depois seria reeditado por outra editora). A primeira edição tinha um formato grande e, exposta na Civilização, encontrei  Lourival em pé, olhando a publicação na vitrine por algum tempo com os olhos marejados de lágrimas. Não à toa, porque um dos maiores livros sobre cinema, sobre o processo de criação da arte do filme, segundo um mestre do ofício: Alfred Hitchcock.

Pena que a Bahia não tenha memória e não registre o passamento das grandes figuras que fizeram da velha província um marco cultural nos anos 50 e 60 e que de poucas décadas para cá veio a sofrer um processo de regressão inacreditável. Lourival não era, porém, um intelectual, mas um amante do cinema que proferia seus comentários - sempre firmes - com o coração daquele cinefilo que nasceu em Jequié., Mas conhecia tudo sobre cinema.  Lia com sofreguidão as revistas, os livros, os jornais. Empolgava-se ao se lembrar de determinado filme que gostava e se poderia dizer, coisa rara nos dias de hoje, que seu amor ao cinema estava mesmo à flor da pele.

A ida a Jequié da Caravana da Cultura, liderada por Paulo Emílio Salles Gomes, foi um acontecimento para a cidade provinciana, pois uma oportunidade de travar conhecimento com intelectuais e críticos importantes que, além das notáveis palestras, exibiram também filmes importamentes da história do cinema. Em 1963, quando Ruy Guerra foi filmar Os fuzis em Milagres, filme que pode ser considerado um dos maiores do cinema brasileiro em todos os tempos, a cidade de Jequié entrou para a história do Cinema Novo. Robinson Roberto,que já tinha uma coluna de cinema em jornal local além de um programa de rádio sobre cinema, claro, arranjou que os copiões de Os fuzis fossem vistos no velho e inesquecível Cine Jequié. O filme, pelos seus depoimentos preciosos e por oferecer uma visão paradiso do cinema de outrora num ponto interiorano deveria ser exibido nas Quartas Baianas. Fica aqui esta pequena sugestão. E Lourival atento a tudo, vigilante implacável das coisas do cinema.

Que a terra lhe seja leve, caro Lourival Oliveira!

2 comentários:

Anônimo disse...

Meu amigo Lourival Oliveira, que o tenha no céu. Lá deve passar bons filmes...
José Umberto

Carla Mary Oliveira disse...

Olá sou irmã de Lourival,fiquei emocionada com sua linda homenagem. Ele foi e ainda é muito especial para todos nós. Obrigada, Abraços.

"Durante a nossa vida:

Conhecemos pessoas que vem e que ficam,
Outras que, vem e passam.
Existem aquelas que,
Vem, ficam e depois de algum tempo se vão.
Mas existem aquelas que vem e se vão com uma enorme vontade de ficar..."
Charles Chaplin