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01 janeiro 2012

Bons tempos aqueles dos cinéfilos!


Para os que nasceram na era do vídeo, e, agora, do disquinho mágico, nada muito surpreendente. Mas para aqueles, como eu, que nasceram em priscas eras, em meados do século passado (1950, para ser mais preciso), com o tempo passando rápido - ó, tempo, suspende o teu vôo! -, o advento do VHS foi uma surpresa, e a do DVD, com tantos dreyers e bergmansminnellis e langshawks efellinis, espalhados por aí, quase um assombro.
Alguém já disse que foi pelo assombro que o homem começou a filosofar, mas, isto, outra história. Acontece que, antigamente, as imagens em movimento somente eram possíveis de ser contempladas no escurinho das salas exibidoras, havendo, para isso, de se pagar um ingresso. A televisão, naquela época, era muito ruim em termos de imagem.
Assim, havia duas características no que diz respeito à psicologia da recepção: a inacessibilidade e a impossibilidade de o espectador intervir na temporalidade. Na primeira, quando dentro do cinema, e sala enorme, com quase dois mil lugares, verdadeiros palácios, a imagem que se via na tela era algo mágico, inacessível. Lembro-me que havia um senhor que vendia fotogramas de filmes na Praça da Piedade (aqui em Salvador), e que também oferecia para compra uma lata que, devidamente furada, continha, em uma de suas extremidades, uma lente de óculos que permitia ver os fotogramas com mais nitidez do que a olho nu.
Se um determinado filme era exibido e, por acaso, estivesse doente ou viajando, retirado de cartaz, podia perdê-lo para sempre, excetuando-se os grandes sucessos que sempre eram recolocados. E, na segunda característica, a impossibilidade de intervenção na temporalidade. Projetado o filme, este se desenrolava na tela - ou no écran, como se dizia então, e ninguém podia pará-lo, retrocedê-lo, avançá-lo, salvo se entrasse na cabine de projeção e, revólver em punho, ameaçasse o operador.
Mas a inacessibilidade e a temporalidade se tornaram favas contadas com o surgimento do VHS e do DVD. Há, inclusive, creio, uma perda da aura cinematográfica. Se os disquinhos funcionam como o resgate do cinema, por outro lado, no entanto, perdeu-se a magia do espetáculo, visto em comunhão numa platéia. O indivíduo hoje já nasce vendo imagens em movimento e, por isso, elas se tornaram vulgares no sentido de corriqueiras.
Quando me contaram que, nos Estados Unidos, inventaram um aparelho pelo qual se podia ver filmes, que ficavam dentro de uma caixinha, não acreditei. Era o vídeo que então estava inventado e restrito ao território de Tio Sam. Precisei, como São Thomé, ver para crer, o que aconteceu em torno da metade dos anos 80, quando comprei o meu primeiro aparelho de VHS, um Sharp, que me deu muito trabalho de sintonizar. E as cópias eram péssimas. Precisou-se esperar que o DVD surgisse para que o cinema recebesse uma punhalada nas costas (na região pulmonar).
E atualmente ir ao cinema é entrar num festim diabólico onde reinam as pipocas, as conversinhas fora de hora, os celulares que, atendidos, infernizam o espectador que queira contemplar o filme. O público de cinema, no Brasil, pelo menos, se tornou uma espécie de patuléia desvairada. Repito sempre que o ir ao cinema hoje é uma das fases do shoppear. Não se vai mais ao cinema, esta a verdade, mas aos shoppings. Até mesmo nas salas ditas alternativas o público se comporta com apatia e as pessoas gostam mais de aparecer, porque, na sua grande maioria, pseudo-cinéfilos, pseudo-intelectuais. Mas vou contar uma história.
Corria o ano de 1973. Estava no Rio de Janeiro a passar as férias de julho. O jornal da época era o Jornal do Brasil, com seu excelente Caderno B. Neste, tomei conhecimento que Ladrões de bicicleta ia ser exibido na Cinemateca do Museu de Arte Moderna numa única sessão pela tarde. Conhecia muitos filmes, nesta ocasião pré-vídeo, de ouvi dizer e de leitura, alguns importantes com muitas informações. Era o caso de Ladri di biciclette, de Vittorio De Sica, que nunca tinha visto por falta de oportunidade e, também, porque nunca foi exibido em Salvador durante o meu itinerário existencial (depois passou algumas vezes). Assim, fiquei a postos, esperando o horário, com certa expectativa, aliás, que não tenho mais para quase nada. Chovia fino. Entrei na sala da saudosa Cinemateca. Mas, quando saí, um toró se abateu sobre a cidade, que ficou completamente engarrafada. Difícil pegar um táxi. Depois de algum padecimento embaixo da marquise do museu, resolvi ir andando do Flamengo, onde fica este, até Laranjeiras, onde estava hospedado. Cheguei encharcado e, no outro dia, com febre alta, ameaçado de pneumonia. Mas estava feliz por ter visto Ladri di biciclette. Atualmente, tenho-o em VHS e DVD, que fica guardado, parado.
Não seria mais possível um sacrifício tal para ver um filme. Tenho um amigo, por exemplo, que ia sempre a Paris para se meter na Cinematheque Française e ficar o dia todo vendo obras clássicas. Hoje tem um home theater em sua casa e há anos que não viaja. Viajava somente para ver filmes.
A cinefilia, como se praticava antigamente, está morta, e bem enterrada.
Cliquem na imagem!!

7 comentários:

Jonga Olivieri disse...

Sim André, o sonho pode ter-se tornado um pesadelo, mas para aqueles, como nós, que nascemos em “priscas eras”, no meu caso em 1945, é deslumbrante ver com imagens excelentes, filmes, os quais tínhamos que aguardar anos até passar numa cinemateca da vida. Como nesses dias recentes em que revi nada mais nada menos do que “Deus e o diabo na terra do sol”, “Terra em transe” e “O dragão da maldade contra o santo guerreirto”, devidamente acompanhado de entrevistas e ‘maling offs”.
E quando você fala da televisão, que, naquela época não somente tinha uma péssima imagem, como tambem uma programação bastante sofrível, apesar de ter assistido nas seções da tarde da vida, por vezes, maravilhosos filmes de Capra.
Você tambem tem toda razão quando diz que caso um determinado filme fosse exibido e você estivesse doente, viajando ou fosse retirado de cartaz, podia perdê-lo para sempre, excetuando-se os grandes sucessos que sempre eram recolocados nos circuitos.
E o prazer de abrir o jornal e ver aqueles anunciozinhos com os filmes e os cinemas em que estavam sendo exibidos? E quanto ao seu amigo que hoje tem um ‘home theater’ em casa e viajava somente para ver filmes, é uma pena para ele, pois deixou de fazer duas das coisas melhores da vida: viajar e ter a emoção de ver aquele filme. Isto porque quando as coisas são Finalizando, meu total apoio a quando você denomina o público de cinema de hoje uma “patuléia desvairada”...

André Setaro disse...

Por outro lado, Monsieur Hulot, se não existissem os novos suportes, dificilmente você poderia fazer a revisão que fez dos três clássicos fundamentais de Glauber.

J. BRUNO disse...

Quando eu descobri de verdade o cinema e me tornei um cinéfilo, deixando de ser um mero assistidor de filmes, a tecnologia do DVD já estava batendo na porta... Não vivi esta época tão mágica que você descreveu tão bem, mas para mim ir ao cinema continua sendo um rito, isto porque na minha cidade não tem nenhuma sala... A última vez que fui ao cinema precisei viajar mais de 100 quilômetros até Juiz de Fora só para ver um filme... coisas de cinéfilo!

Aproveito para lhe desejar um ótimo 2012 André, que este possa ser para você um ano de conquistas e de sonhos realizados! Forte abraço!

André Setaro disse...

Obrigado, J. Bruno, muito obrigado.

Francisco Sobreira disse...

André,
Quando li, no j´a distante ano de 1965, História do Cinema Mundial (Georges Sadoul) e via citados e analisados aqueles clássicos de décadas anteriores, sentia uma inveja das pessoas que os conhecera e também um sentimento de frustração por ter a certeza de que jamais veria algum deles. Pois bem. Veio o vídeo, depois o DVD (agora já existe o blu ray) e, graças a eles, hoje conheço grande parte daqueles filmes. E revendo filmes que vi na minha juventude, que jamais pensei que voltaria a ver. (Hoje, p ex, revi TEstemunha de Acusação , de Wilder, ontem, Vertigo, do nosso mestre Hitchcock). Por causa da idade (já perto dos 70), deixei, definitivamente, de ir ao cinema. Não tenho mais saco para ver cinema em shopping, no meio de pessoas mal educadas e esfomeadas. (Além da má qualidade da programação.) Sou hoje um adepto incondicional do DVD, onde passo momentos agradáveis, como passava nos cinemas de ruas da minha juventude. Sim, sei que numa tela grande é muito melhor se ver um filme, sob retudo se for um desses filmes "espetaculares", mas pouco estou me lixando pra isso. Fico aborrecido quando ouço alguém dizer que o filme foi feito para se r visto numa tela de cinema, porque ele está dizendo o óbvio. É isso. Um abraço.

André Setaro disse...

Você tem toda a razão, Francisco Sobreira. Salvo em casos especialíssimos, não vou mais a cinema em shopping.

Beth Arr from São Paulo disse...

quero registrar que em São Paulo, em determinadas sessões/horários/salas há uma atmosfera religiosa de silêncio e respeito ao diretor/atores e produtores de filmes.
verdadeira simbiose cinefílica.
o atrevimento de poucos em perturbar esta ordem é imediatamente solucionada com altos brados dos outros 'fiéis' à arte.
adoro visitar este blog. obrigada.