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15 junho 2011

Digital e vestígios pretéritos


1.) Vi duas vezes Ervas daninhas (Les herbes folles, 2008), de Alain Resnais, ambas em versão digital nos cinemas da cidade. Quando, recentemente, tirei-o em DVD para rever, qual não foi a minha surpresa ao constatar que o filme é em cinemascope (tela larga). E que, também, a tradução da cópia em DVD é muito precisa e bem feita, ao contrário das cópias exibidas em digital nas salas. Se, atualmente, o Festival de Cannes, por exemplo, trabalha apenas com filmes digitais, não resta dúvida que os exibe respeitando o seu formato original. Mas, aqui no Brasil, é um perigo se ir ver um filme em cópia digital por duas razões: a deformação de seu formato original, e o escurecimento da imagem por questão de economia da lâmpada. Em algumas salas alternativas soteropolitanas, exibe-se até em DVD, o que é um absurdo, pois engana o espectador desavisado. O espectador médio está pouco se lixando, esta a verdade, para a qualidade da imagem, e os exibidores, sabendo disso, fazem o que querem. A revisão de Les herbes folles carimbou a minha impressão inicial: é um filme inovador, e, surpreendentemente, nesta época de tanta mediocridade e falta de inspiração, dirigido por um senhor de idade provecta, pois Resnais já está à beira dos 90. Faz no ano que vem.

2.) Antes da pipoca e da comilança geral que infestam o consumismo nas salas exibidoras, o espectador tinha, a seu dispor, uma bombonnière bem sortida de chocolates, balas, chicletes, jujubas etc. Nas salas de primeira, as bombonnières eram sofisticadas, bem arrumadas, e o atendentente era geralmente um homem vestindo terno e gravata. Lendo sobre o genial cartunista Luiz Sá, lembrei-me agora do chiclete de bola Ping-Pong em dois sabores: tutti-frutti e hortelã. Há muito tempo que não tenho mais intimidade com tal chiclete, e não sei se ainda existe. Mas, nos anos 50 e 60 se tornou uma coqueluche. Durante um período, dentro de sua embalagem, podia se encontrar uma figurinha desenhada por Luiz Sá. Quem completasse a coleção, ganhava um prêmio. Na verdade, os rapazes e as moças que faziam bolas enormes com o Ping-Pong gostavam de estourá-las na cara dos outros. O que era, para mim, inconveniente. Cinéfilo digno desse nome, e que viveu nos bons tempos, não pode se esquecer do drops Dulcora, do Mentex, da Frutella, e dos indefectíveis chicletes Adams nos sabores de frutas, hortelã, canela, entre outros. A imagem que ilustra este post é de autoria de Luiz Sá. Único caricaturista do país a realizar cartuns para cine-jornais nacionais, Luiz Sá (1907-1979) atuou em vários outros veículos de comunicação, tornando-se o primeiro caricaturista multimídia brasileiro. O artista também foi um dos precursores do desenho animado no Brasil, cartunista sanitário e o criador gráfico do bonequinho das críticas cinematográficas do jornal O Globo, criado em 1938, e que até hoje indica a cotação dos filmes. Sua trajetória estendeu-se de 1930 a 1979, com um traço original, abrindo caminho para a modernidade do desenho de humor em nosso país.


3.) Há muito pouco o que se ver no circuito comercial, exceção se faça a um ou outro filme alternativo. O cinemão hollywoodiano entrou de vez na escalação do lixo industrial. O ir ao cinema, hoje, por outro lado, é mais complicado: a locomoção é difícil, os engarrafamentos constantes, o preço do ingresso é muito alto, e, para tudo piorar, o comportamento da platéia é um comportamento de vândalos: celular sendo atendido, conversinhas ao pé do ouvido, risadas fora de hora, a comilança desenfreada estimulada por uma sociedade capitalista que faz do consumismo o seu avatar de lucro. Antes, o público era educado, fazia silêncio durante a projeção de um filme cortado apenas por uma piada bem colocada. Também a educação, no Brasil, foi para o beleléu. O ensino público secundário é uma vergonha, com professores despreparados, quase analfabetos, escolas com problemas estruturais, com problemas de manutenção. E os políticos, honradas as exceções de praxe, sempre oportunistas e populistas.


4.) Há filmes que, vistos no passado, não mais retornam (na verdade, não sei se já existe no disquinho), mas que ficam na memória. É o caso de O vento será a tua herança (Inherit the Wind, 1961), lançado aqui, nesta outrora bela província, em 1961 ou 1962. Stanley Kramer, seu diretor, nunca foi admirado pela crítica, mas tem, em sua filmografia, obras, pelo menos, curiosas: Julgamento em Nuremberg (1961), Deu a louca no mundo (1963), A nau dos insensatos (Ship of Fools, 1965). Em Inherit the wind, Kramer se baseia num caso real ocorrido em Dayton durante a década de 20, quando um professor foi processado por ensinar as teorias de Charles Darwin. No elenco, Spencer Tracy, Fredrich March, Gene Kelly, Claude Akins. 

2 comentários:

Jonga Olivieri disse...

1.) Este exemplo é vergonhoso... Um cinema passar um filme sem estar da forma que foi filmado, é, para além disso, criminoso. Quanto mais em se tratando da obra de um diretor do nível de Resnais.

2.) Você definiu muito bem quando disse: “Antes da pipoca e da comilança geral que infestam o consumismo nas salas exibidoras...”. E lembrou bem ao citara as ‘bombonères’ de outrora, os drops Dulcora, os chicletes, as Frutelllas e os Mentex da vida. Hoje entra-se com hambúrgueres da vida enfestando o cinema de odores e mastigadas regadas a refrigerantes e pipocas em baldes.
A lembrança de Luiz Sá foi também uma recordação do cartunista dos cinejornais daqueles tempos.

3.) Quanto aos filmes alternativos... Bah! Coisa do passado. Aliás, outro dia mesmo você falou sobre isto (se não me engano na sua coluna do Terra Magazine). Havia distribuidoras como a Art Filmes, a Toho Filmes que nos traziam filmes europeus japoneses). E na época Hollywood ainda produzia, mesmo em sua produção industrial, filmes de qualidade. Fora os seus expoentes, dignos de uma indústria, até então séria.
E os preços do cinema? Naqueles tempos dizia-se que o cinema nos EUA eram caros. Nós custávamos a acreditar porque aqui eram baratíssimos...

4.) ‘O vento será a tua herança’ (Inherit the Wind, 1961) este excelente filme com Spencer Tracy também nunca vi em nenhuma loja, nem de venda direta, nem na ‘web’. Todos os enumerados, idem.

André Setaro disse...

Houve uma dolarização perversa da economia depois do Plano Real. O preço do ingresso das salas exibidoras nos complexos instalados nos shoppings é caríssimo. Ir ao cinema no Brasil é mais caro do que ir ao cinema em Nova York, por incrível que pareça.

Antigamente, os ingressos eram até baratíssimos. Segundo um economista, em artigo que li, para se ter uma ideia, o preço do ingresso de um cinema lançador, de primeira, ficava em torno de 2 reais a inteira e 1 real a meia. Todo mundo podia ir ao cinema. Nos cinemas de segunda, 1 real (a inteira) e 50 centavos (a meia). Nos mais 'poeiras', chegava a 70 centavoa e 35, respectivamente inteira e meia.