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16 fevereiro 2011

Antonio Conselheiro, o taumaturgo do sertão


Antonio Conselheiro, o taumaturgo do sertão, primeiro longa metragem de José Walter Pinto Lima, não é uma obra cinematográfica para ser apreciada por quem procura os modelos tradicionais da narrativa fílmica. É um filme que se situa em outros parâmetros de construção, rasgando o evoluir dramático griffithiano (de David Wark Griffith, pai da narrativa clássica com O nascimento de uma nação/The birth of a nation, 1914), para se situar como filme-poema, discurso apoteótico, e barroco, em torno de Antonio Conselheiro. Há influências diversas na concepção da mise-en-scène de José Pinto Walter Lima e, entre elas, a do cinema-poesia, de Pier Paolo Pasolini, e, principalmente, os brados retumbantes do discurso glauberiano.

O filme começou a ser rodado há mais de vinte anos, mas circunstâncias de ordem econômica determinaram-lhe a paralisação. Somente no ano passado, o autor resolveu tentar solucionar os obstáculos, para, aproveitando o material já filmado, dar a seu trabalho um acabamento final. Inconcluso há décadas atrás, Walter Lima precisou filmar novas cenas com a finalidade de concluir o longa. Várias dificuldades, porém, se interpuseram, como o fato de vários atores já terem morrido durante o período, inclusive Carlos Petrovich, que faz o papel principal, o de Antonio Conselheiro. E Álvaro Guimarães, o Moreira César, entre outros.

Na apreciação de Antonio Conselheiro, o taumaturgo do sertão, nota-se diferenças na qualidade da fotografia, pois o desgaste pelo tempo tirou as características originais da iluminação de Vito Diniz (que também já faleceu). Há, portanto, um contraste entre o que foi filmado no pretérito e o que foi filmado no presente. À primeira vista, o fato poderia prejudicar a uniformidade da obra, constituindo-se num defeito de estrutura, todavia o default se transforma em estética. Mas o discurso apoteótico, no entanto, não enfatiza verossimilhanças no corpus estrutural, mas solicita, inclusive, a fragmentação de sua narrativa que pode ser lida em três níveis: a história em si de Antonio Conselheiro massacrado pelas tropas do exército; a collage de fragmentos diversos numa perspectiva mais de retórica do que de lógica; e, também, num subtexto, a exaltação da memória como elo não perdido e, por extensão, a memória de um tempo que excede o da ação para se encontrar um tempo da história do próprio processo de criação cinematográfico do cinema baiano.

A utilização do cinema de animação na descrição das batalhas, por exemplo, dá uma idéia da estrutura de Antonio Conselheiro, o taumaturgo do sertão, como uma estrutura fragmentária, e, com isso, desloca o centro nevrálgico do discurso da opacidade em função da transparência. O autor não se intimida com a urgência do brado, e, no seu filme, a estrutura da fragmentação dá o tom da irrealidade para que a retórica prevaleça sobre os conflitos básicos e se estabeleça uma poética: a poética que é específica do cinema. O tênue limite que separa o documentário da ficção se parte, estilhaça-se, e, por assim dizer, explode na narrativa do filme, mais acentuada de um propósito poético-retórico do que propriamente descritivo.

O espectador que não está acostumado a um cinema de poesia pode até recusar, a princípio, as diretrizes da mise-en-scène de Antonio Conselheiro, o taumaturgo do sertão. E não seria, por acaso, um filme dentro do filme? Há, neste particular, uma metalinguagem que se faz sentir na história de Canudos e no processo de criação do filme. Na evocação do mitológico Conselheiro, José Walter Pinto Lime procede a uma espécie de delírio de imagens e sons. E confirma, neste tour de force, a assertiva de que o cinema é uma estrutura audiovisual.

Há muitas décadas no batente cinematográfico, José Walter Pinto Lima é um homem de mil instrumentos, pois, além de realizador, é produtor cultural e cinematográfico (é o principal organizador do Seminário Internacional de Cinema e Audiovisual), acaba de produzir, em parceria, um filme internacional, Ilha Dawson, do chileno Miguel Littin, exerceu, durante muito tempo, a coordenação do DIMAS da Fundação Cultural do Estado da Bahia e, justiça se lhe faça, na sua melhor fase. No campo estritamente cinematográfico, o de fazer filmes, escreveu vários roteiros com seu amigo e parceiro Carlos Vasconcelos Domingues (de saudosa memória) e realizou, solo, O alquimista do som (documento raro sobre o músico de vanguarda Walter Smetak), Nós, por exemplo, entre outros. O filme sobre Canudos começou como uma proposta de média metragem, O império do Belo Monte, que se estendeu como um longa.

Há, também, em Antonio Conselheiro, o taumaturgo do sertão, uma plástica da imagem que desenvolve a temática por meio de uma profusão de cores, de grafites, de desenhos, de materiais diversos, em suma, aos termos da ação propriamente dita. A montagem, como já foi referida, segue o princípio da collage. E o espírito do Conselheiro permanece vivo nas imagens compostas pelo cineasta José Walter Pinto Lima.

3 comentários:

Jonga Olivieri disse...

É um filme inusitado. Isto fica claro pela sua descrição, pois a ruptura com alguns elementos básicos certamente abre novos caminhos e/ou linguagens.
Gostari de poder assistí-lo. Mas quando? será que vai haver uma distribuição nacional? Ou o seu lançam,ento em DVD?

Tenho uma boa notícia para você: o saudoso cinema Vitória na Rua Senador Dantas, no centro da cidade, hoje em lamentável ruína, vai se transformar na Livraria Cultura (aquela mesmo de São Paulo), filial Rio de Janeiro.

Osmar S. Machado Jr. disse...

Seus artigos, professor, são exemplos de equilíbrio.

Osmar S. Machado Jr. disse...

Seus artigos, professor, são exemplos de equilíbrio.