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20 fevereiro 2011

A perda do espetáculo mágico


Cancelei meu contrato com a NET e estou sem conexão há um mês, mas toda semana vou a uma lan-house para enviar colunas, postar alguma coisa por meio de um pen-drive. Mas o fato é que estou na condição de um Sem-Internet, embora esteja a procurar outro servidor. Tive banda larga há 17 anos, com a NET, mas já sofri bastante com o atendimento. Passei anos sem ter qualquer problema de conexão, mas quando se apresenta há uma demora não propriamente no atendimento, mas, o que é importante, no restabelecimento da conexão. Acometido de um ex-abrupto diante de um técnico que não solucionou o problema, cancelei meu contrato e fiquei nesta condição, a de Sem-Internet. Não posso, assim, postar neste blog com muita assiduidade, já que não gosto de ficar cativo de lan-house. O computador é minha máquina de escrever. Faço o texto chez home e o ponho num pen-drive.

Enquanto não faço um contrato com outro servidor, fico assim nessa condição. Sem internet, pude, durante um mês, ler mais e ver mais filmes em DVD. Minha carga horária de leitura aumentou substancialmente, assim como os filmes vistos no disquinho. Sinto falta de certas  visitas no espaço virtual, como, por exemplo, a leitura de alguns jornais e alguns blogs de minha preferência. Mas vamos ao texto dominical.

O fato é que, com o surgimento dos novos suportes, com o avanço da tecnologia, que possibilita a visão de filmes em qualquer lugar, a magia das salas exibidoras desapareceu. As imagens em movimento se tornaram rotineiras. Nasce-se, hoje, vendo-as no televisor acoplado na parece do hospital enquanto ainda se está a sair para a vida. Todo mundo pode, atualmente, fazer um filme. Faz-se filmes como antigamente se fazia poesias. Mas isto não quer dizer que eles sejam poéticos (alguns podem sê-los). E o velho cineclube? Ainda teria a mesma função, o mesmo fascínio, a mesma curiosidade? Em alguns lugares, as sessões, por assim dizer, cineclubistas, ainda funcionam, a exemplo das concorridas sessões do Comodoro, patrocinadas pelo cineasta Carlos Reichenbach na capital paulista. Mas, creio, são exceções que fogem à regra. O negócio, nos dias que correm, se encontra em baixar filmes da internet. E, com isso, aquela reverência que se tinha, diante das imagens em movimento, se perdeu no tempo. As coisas mudam, porém, e, com elas, a recepção ao filme se tornou um ato rotineiro sem o tão necessário encantamento e assombro. Na verdade, está a acontecer uma revolução no modo de ver o filme, e esta revolução tem que ser assimilada, compreendida. O cinema que se tinha, nos moldes de antigamente, está morto. A sentença de morte foi dada poeticamente por Cinema Paradiso (Nuevo Cinema Paradiso, 1989), de Giuseppe Tornatore. E, também, na mesma época, por Splendor, de Ettore Scola. Mas, e a respeitar aqueles que gostam de ver filmes na telinha do computador, devo dizer, em alto e bom som: recuso-me, peremptoriamente a ver filmes na telinha do aparelho informático. Vejo-os muitos em DVD. Pode acontecer, em alguns casos, para falar a verdade, e a verdade verdadeira, no sentido kantiano, de assistir a filmes baixados na internet se convertidos em DVD, mas que sejam obras raras, que não as tenha visto e que sejam importantes.

Com o advento do VHS, do laser-disc, do DVD, e, agora, com a possibilidade de se baixar quase tudo da internet, a pergunta que se quer fazer é a seguinte: ainda haveria condições de ser ter um clube de cinema nos moldes do de Walter da Silveira nas décadas de 50 e 60 em Salvador?

Naquela época, difícil era se ver certos filmes, que ficavam restritos às cinematecas. O mercado exibidor se restringia aos lançamentos e as constantes reprises de filmes de sucesso. Como, nos anos citados, assistir aos filmes neo-realistas, aos do expressionismo alemão, às obras mais independentes de cinematografias desconhecidas, às obras do realismo poético francês, à vanguarda da estética da arte muda? O único jeito era a viagem e, assim mesmo, o mais certo seria ao exterior, às cinematecas de Nova York ou a de Paris, além de outras importantes da Europa. Aqui no Brasil, existiam, mas ainda incipientes, as cinematecas do Rio e de São Paulo (esta com um acervo mais versátil). Salvador não tinha nenhuma possibilidade de constituir uma cinemateca.

A importância de Walter da Silveira (que boa parte da nova geração não sabe quem foi, apesar de nome de sala alternativa nos Barris) foi justamente a de, com a fundação do Clube de Cinema da Bahia, trazer filmes especiais, essenciais à evolução da linguagem e da estética cinematográficas. Walter da Silveira fez ver, aos baianos de província (mas uma província muito agradável bem diferente da cidade engarrafada de hoje), que o cinema, além de um bom divertimento, era, também, a expressão de uma arte. O próprio Glauber Rocha, quando de sua morte, em novembro de 1970, em artigo para o Jornal da Bahia, confessou que o ensaísta fora seu grande mestre, que aprendeu a ver cinema através das palavras de Walter da Silveira. E conta, num artigo, o esporo que este lhe deu, quando, numa exibição de O encouraçado Potemkin, numa sessão matutina no cinema Liceu, conversava, durante a exibição, com um amigo. Walter, percebendo o arruído, deu-lhe tremendo esporo, segundo palavras do próprio Glauber que, conta, nunca mais falou durante a projeção de um filme, tal a indignação do mestre diante do jovem tagarela.

Atualmente, no entanto, com a facilidade existente, pode-se ver um raro filme antigo, a exemplo de Ordet, de Carl Theodor Dreyer, famoso cineasta dinamarquês, em boa cópia em DVD. Este filme, há poucos anos, somente seria possível ser contemplado na cinemateca de Henry Langlois, em Paris. Outro dia, vim a saber, um conhecido baixou da internet, em cópia decente e legendada, As estranhas coisas de Paris (Elena et les hommes, 1956), com a bela Ingrid Bergman e Jean Marais, filme difícil de se ver (nunca passa na televisão e não tem no disquinho – ou será que já tem?).

Há dois anos, tentou-se implantar um cineclube na Faculdade de Comunicação. Com excelente programação. Retrospectivas de Kubrick, Buñuel etc. Mas os alunos, antes de entrar, perguntavam se os filmes estavam disponíveis em DVD. E davam meia-volta, volver.

Uma vez no Rio, ao saber da exibição de Ladrões de bicicleta na Cinemateca do Museu de Arte Moderna, em única sessão, ainda que mal tivesse chegado à cidade, corri para lá. Finda a exibição, chuva torrencial fiquei encharcado e voltei a pé para o hotel (a cidade engarrafada, tudo parado). Nos tempos atuais, faria o mesmo sacrifício? Claro que não, pois o DVD de Ladri di biciclette está disponível não somente para ser adquirido, mas também nas melhores locadoras da cidade.

Qual a função do cineclubismo nos dias atuais? Walter da Silveira, por exemplo, sobre ser um dos maiores ensaístas de cinema do Brasil (na Bahia ninguém nunca lhe chegou perto), era um homem, verdade se diga, à antiga, de tom grave, circunspeto, com uma gestualística bem diversa da juventude atual e, mesmo, dos menos jovens que atualmente constituem o meio circundante e intelectual, universitário. A figura de Walter faz lembrar aqueles antigos mestres universitários, principalmente os professores da Faculdade de Direito (no acento vocal, nas pausas, na maneira de expor o assunto, um magister dixet).

Mas acontece que o mundo mudou e, com ele, a cultura. Houve um papel importantíssimo exercido por Walter da Silveira. Os realizadores que se aventuram na captação das imagens em movimento são contemporâneos de um cinema digital. Faz-se filmes até pelos telefones celulares. O Clube de Cinema da Bahia, portanto, não poderia existir - nem teria razão de ser - nesta chamada contemporaneidade. A própria psicologia de recepção da obra cinematográfica mudou. Bem, são reflexões ao acaso.

O cinema entrou na minha vida através da estupefação e do assombro.

12 comentários:

Alexandre disse...

Setaro, outra boa tática é baixar o filme, gravar em um pen-drive e assistir no aparelho de dvd (quase todos hoje em dia já vêm com entrada USB), ou então gravar em dvd mesmo. Quebra um galho danado. Mas é claro que não há comparação com a tela de cinema, apesar de, em alguns filmes, mesmo na tela pequena, o assombro existir. O problema mesmo é que os filmes lançados no cinema atualmente são muito pobres. Há uma semana, pra se ter ideia, vi meu primeiro faroeste em uma tela de cinema, foi o True Grit dos Irmãos Coen - não é, na minha opinião, um faroeste brilhante, mas como foi lindo ver aquelas imagens em tamanho gigante!

(Será que essas retrospectivas em Salvador retornarão?)

Saudações.

Jonga Olivieri disse...

Um absurdo a sua situação de "Sem Internet", quase como um"Sem Teto" ou um "Sem Terra".
O link disto para a análise a seguir foi fantástico. Como também o fato de que, o outro lado da moeda, fê-lo curtir mais a leitura, o fato de ver mais filmes, etc.
Mas espero que volte tudo ao normal, pois sinto falta de seus comentários no "Novas Pensatas", que aliás, hoje está com uma postagem do Professor Jorge Moreira que intitulei "Poemeu dos outros" em homenagem ao Millôr Fernandes que tem este título entre tantos outros brilhantes.

Jonga Olivieri disse...

E o pior: não sei nem quando você vai ler este comentário...

ARMANDO MAYNARD disse...

Caro Setaro, aqui sempre encontro uma boa leitura. Quanto a internet, é verdade, quando se é forçado a disciplinar seu uso 'viciante', aí é que descobrimos quanto estamos PERDENDO de ler livros, jornais, revistas, ou ouvir rádio, música e ver filmes, como também alguns programos jornalísticos nas tevês de assinatura. O segredo da vida intelectual bem aproveitada está na disciplina e eu quero voltar a ter mais, pois a internet quando entro, fico sem saber como sair. Um abraço, Armando.

Unknown disse...

Oiie
Gostei do conteudo e do seu blog ♥
^^ já que a post fala de um mundo mágico vim mostrar outro mundo magico para as meninas
http://meumundodasbarbies.blogspot.com/

Lúcia Leiro disse...

Estive hoje no cinema e enquanto aguardava o filme, me senti em uma imensa caixa preta. Vi-me sendo um homúnculo (ou mulherúnculo)e que, lá fora, haviam seres humanos gigantes que me colocavam nessa caixa para ver o que eles queriam exibir... bem, essa viagem fantástica só foi possível, creio eu, porque ia assistir a uma animação, numa matinê dominical.

Jonga Olivieri disse...

Já comentei nesta postagem, mas, pelo menos à Lan House você não tem ido. Saudades dos seus comentários, primo!!!

Andrea Ormond disse...

Setaro, o belo relato pessoal que você fez do Walter da Silveira joga luzes em um dos personagens mais importantes e negligenciados do cinema brasileiro. Alguém que fez o Glauber miar mansinho. Temor reverencial... Quanto a ficar sem Internet, aproveite, mas volte logo! Abraços

Luiz Mario disse...

Caro Setrao,
existem vários servidores no mercado, escolha um que atenda suas necessidades.
Não podemos ficar muito tempo sem seus excelentes comentários e críticas sobre a sétima arte.
Um abraço,
Luiz Mario

Jonga Olivieri disse...

Hoje mesmo postei um comentário no meu blogue "Novas Pensatas" que reptoduzo abaixo:

"Eu sei que é domingo (depois do carnaval), mas sinto muita falta de meu primo André Setaro, que por razões de força maior está fora do ar na 'web' há tanto tempo.
Porque, independente do dia que fosse, ele já teria feito um comentário aqui.
Volta logo, professor Setaro!!!"

ANTONIO NAHUD disse...

Setaro,o FALCÃO está comemorando cinco meses de vida. Apareça por lá!
Abraço bom,

www.ofalcaomaltes.blogspot.com

Stela Borges de Almeida disse...

Quanto tempo! Há uma outra maneira de partilharmos do seu conhecimento sobre a sétima arte. Sugiro um debate dos Escritos sobre Cinema. Com os(as) alunas(os) dos cursos regulares e de extensão ocorridos na Praia do Rio Vermelho. Para abril e maio. Você tem telefone. Sempre que encontro as duas cinéfilas ( esqueço o nome agora) elas me dizem que continuam assistindo, estudando e querendo MAIS.