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02 janeiro 2011

Cassavetes e os fluxos que rodeiam o ser

Faces, um filme de John Cassavetes



Reproduzo aqui alguns trechos de um livro de Thierry Jousse sobre John Cassavetes, um dos mais importantes cineastas do cinema americano:

"O objeto do cinema de Cassavetes é o fluxo, ou melhor, os fluxos que rodeiam o ser; aquilo que flutua em torno e excede o eu; o ritmo que circula, inatingível, entre as coisas, entre os seres. Fluxo de amor, bem entendido (Love Streams ["As Amantes"]), mas também fluxo lingüístico ou fluxos sob o efeito do álcool. Este último é intimamente ligado ao corpo; atravessa-o com feixes de energia, provoca vibrações de alto a baixo, mas só escapa raramente, permanecendo fixo no corpo."
"O álcool está no centro do cinema de Cassavetes. Não apenas porque o próprio Cassavetes bebia (provavelmente até morrer), mas sobretudo porque ele foi um dos raros cineastas que souberam apreender por dentro os efeitos do álcool e fazer do fluxo da bebedeira motor do cinema."

"O álcool é um clima, um estado, uma sensibilidade, uma percepção, intimamente ligado a alguns lugares privilegiados. Cafés, bares, pubs, boates povoam os filmes de Cassavetes. Nesses espaços cheios, o calor, a decoração e a luz participam integralmente da embriaguez. Tudo se passa como se o bar se unisse à embriaguez, com sua fumaça, seus halos, suas linhas imprecisas, suas conversas entrecortadas, seus pedações de palavras que apanhamos no ar, seus freqüentadores que se entrechocam e se tocam, seus nevoeiros de espaço-tempo, sua percepção oscilante."

"Cassavetes não tem um olhar moralizador em relação ao álcool. A embriaguez nunca é apontada como doença, mas sim como força de liberação, com múltiplos efeitos. Deprimente ou excitante, paranóica ou afetiva, a embriaguez tem sempre dois pólos, negativo e positivo. Em Faces, o álcool desenvolve a paranóia, aumenta a agressividade e sublinha a decadência catastrófica de cada momento..."

"O álcool é como uma compensação ao vazio existencial que a invade, a única maneira de fugir ao tormento do ser."
"Talvez mais profundo que o fluxo do álcool, o fluxo do amor - força impessoal, invisível, quase mediúnica - ultrapassa os limites do corpo."

3 comentários:

Diego Damasceno disse...

Ótimo texto.

Jonga Olivieri disse...

Cassavets, que começou na Escola de Nova Iorque, talvez a maior manifestação do cinema independente nos EUA realizou obras como curtas com Charlie Mingus, que refletiam a cosmopolitidade de Manhattan, que, sempre digo não está nos Estados Unidos porque é uma cidade do mundo.
Bela homenagem, falar neste ator/realizador no início desta nova década.

Leandro Afonso Guimarães disse...

Além da decadência/álcool, e longe de querer resumir nenhum dos dois a uma coisa ou outra, para mim ninguém filmou rostos tão bem quanto Fassbinder e Cassavetes. Enquanto não vejo SOMBRAS, NOITE DE ESTREIA e FACES devem ser meus preferidos dele.