Segundo os estudiosos no assunto, existem um Cinema Moderno e um Cinema Pós-Moderno. O primeiro tem início no final dos anos 50 e termina em meados do decurso dos 70. Começa, portanto, com a explosão da Nouvelle Vague francesa até a chamada Nova Hollywood e o Cinema Novo Alemão (quando surgem realizadores do porte de Alexander Kluge, Werner Herzog, Fassbinder, Wim Wenders, entre outros, imbuídos de uma nova visão e de novas propostas).
A Nouvelle Vague, que já foi aqui objeto de dois artigos, completa no ano em curso os seus 50 anos. Quer queiram ou não os seus detratores, muda o cinema a partir de filmes como Acossado (A bout de souffle, 1959), de Jean-Luc Godard,Hiroshima, mon amour (1959), de Alain Resnais, Os incompreendidos (Les quatre-cents coups, 1959), de François Truffaut, etc. A Nouvelle Vague transforma o sistema de produção, dá aos temas um tratamento mais livre, além de se constituir num sopro renovador na linguagem cinematográfica clássica e influenciar outras cinematografias, a exemplo do Free Cinema inglês, o Cinema Novo brasileiro...
Todo bom filme, segundo Truffaut, deve saber exprimir ao mesmo tempo uma concepção da vida e uma concepção do cinema. Antonio Costa (que, apesar do nome, é italiano) em seu livro Compreender o cinema (Saper vedere il cinema, 1987), editado no Brasil pela Globo dentro da Coleção Umberto Eco, sintetiza com muito acerto os quatro pontos inovadores que incidem sobre a instituição cinematográfica no mundo inteiro.
Estrutura narrativa: é abandonado o enredo romanesco tradicional e a construção da personagem acabada e são adotadas soluções mais próximas das novas tendências literárias (embora nem sempre ou não necessariamente nelas inspiradas).
Linguagem fílmica: abandono das formas sintáticas e expressivas tendentes a ocultar o procedimento de encenação e adoção de técnicas de filmagem, de recitação e de montagem de tipo antinaturalista e destinadas a evidenciar a subjetividade do autor.
Ideologia: em vez de evidenciar uma mensagem ideológica unívoca e direta, confiada geralmente a um herói positivo (como no passado o chamado realismo socialista, em alguns momentos do neorrealismo italiano e do realismo poético francês), surgem formas mais fluidas e indiretas, baseadas em procedimentos metafóricos ou alegóricos.
Estruturas de produção: manifesta-se sempre uma exigência de mudança, mesmo que de formas muito distintas segundo as diferentes situações; pode-se variar dos projetos de um circuito de distribuição radicalmente alternativo, como aquele esboçado nos Estados Unidos por Jonas Mekas e pelos film-makers do New American Cinema Group, às propostas reformistas dos cineastas dos países do Leste Europeu, que lutam para conquistar um mínimo de controle sobre o sistema de produção e de distribuição.
As duas etapas que sancionam a formação de um movimento de vanguarda cinematográfica nos Estados Unidos se encontram na fundação, em Nova York, em 1960, do New American Cinema Group, à qual se segue pouco depois a constituição da New York Film Makers Cooperative (1962). É a emergência do Cinema Underground (subterrâneo) no qual afloram os nomes de John Cassavetes (Sombras/Shadows, 1960), Stan Brackhage (Dog star man, 1965), Gregory Markopoulos (Twice a man, 1981), Jonas Mekas (The brig, 1964), Shirley Clarke (The connection, 1961), Sleep (1964) e Empire (1965), de Andy Warhol. Warhol realiza filmes com um único enquadramento fixo num único assunto.Sleep, por exemplo, mostra durante seis horas um homem que dorme, enquanto Empire tem como tema único o Empire State Building, filmado ao longo de oito horas.
Há a explosão renovadora do Leste Europeu após a morte de Stalin (1953): na União Soviética, com o degelo cinematográfico (A infância de Ivan, 1962, de Tarkovsky, Quando voam as cegonhas, A balada de um soldado...), na Polônia, com a Escola de Lodz, Wajda (Cinzas e diamantes), Munk, Kawalerowicz (Madre Joana dos Santos), Polanski (A faca na água, 1962), Skolimowski (Sinais particulares: nenhum, 1964). Também na Tchecoslováquia chega-se a se falar numa nouvelle vague com os filmes de Milos Forman Cerny Petr (1963), Os amores de uma loura (1965), entre outros, todos estimulados pela liberação promovida por Dubcek até que os tanques soviéticos, para sustar o sopro de liberdade, invadem o país (1968). E na Hungria, há, na década de 60, um clima de renovação, que revela grande vitalidade e originalidade com Jancsó (Os sem esperança, 1964), Gaal, Kovacs, Zzabo, etc.
As sementes do Cinema Moderno são plantadas, porém, ainda nos anos 50 com a desdramatização efetuada por Michelangelo Antonioni e Roberto Rossellini (Romance na Itália/Viaggio in Italia, 1953). A desdramatização aqui entendida como a recusa do espetáculo, a desteatralização. Antonioni é fundamental na eclosão deste novo cinema com a sua imprescindível trilogia constituída por A aventura (1959), A noite (1960), e O eclipse (1962, na qual, este geômetra cartesiano dos sentimentos humanos, introduz o domínio da antinarrativa - geralmente, no padrão da linguagem oriunda da indústria, nos filmes sempre há de acontecer alguma coisa, mas nos filmes de Antonioni nada acontece). Outro ponto determinante é o aparecimento do Cinema Direto, que se manifesta inicialmente nos filmes do etnólogo e cineasta Jean Rouch para depois desabrochar no chamado Cinema Verdade, segundo a famosa fórmula de Dziga Vertov, que se propôs a "captar a vida ao vivo". Suas principais características: a filmagem direta, o estilo de reportagem, a forma improvisada, a rejeição das estruturas dramáticas convencionais. Talvez o filme mais completo do Cinema Verité seja Crônica de um verão (Chronicle d'un éte, 1960), de Jean Rouch e Edgard Morin.
Texto publicado originariamente na revista eletrônica Terra Magazine. A imagem mostra o importante realizador americano John Cassavetes.
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