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03 maio 2010

"Nosferatu" e duas palavrinhas

1) Revi ontem, para assombro de meu repertório, Nosferatu (Nosferatu, eine symphonie des grauens, 1922), de Friedrich Wilhelm Murnau, filme dos bons tempos do expressionismo alemão, obra de referência, prima, como se gosta de dizer. O ator que interpreta o papel título, Max Schenck, é simplesmente, e repetindo a palavra já dita, um assombro. A versão que Herzog fez nos anos 70 é também de alta qualidade e tem Bruno Ganz como o viajante - o mesmo Ganz de O amigo americano, de Wim Wenders e Hitler, entre outros momentos de um cinema superior. E Klaus Kinski como Nosferatu. Murnau adaptou o livro de Bram Stocker, Dracula, mas os herdeiros do escritor impediram que fosse colocado o mesmo título, ficando Nosferatu. Murnau pode ser considerado um dos maiores diretores de cinema de todos os tempos, ainda que sua morte prematura no alvorecer da década de 30, quando realizava Tabu em parceria com Robert Flaherty. Era um homem estranho e temperamental, segundo seus contemporâneos. Hitchcock o conheceu quando foi fazer um filme no estúdio da UFA e sofreu severa influência do expressionsimo. Além de Nosferatu, Tartufo, Fausto, O último dos homens ou A última gargalhada. Neste último, que tem dois títulos, mas cujo original é Der letzte mann, 1924, os letreiros são mínimos, há expressivos movimentos de câmera e câmera subjetiva, demonstrando um apurado sentido da linguagem cinematográfica e uma estruturação narrativa avant la lettre. Realizou nos Estados Unidos a sua obra-prima: Aurora (Sunrise, 1927), obra ápice da estética da arte muda, assim como La passion de Jeanne D'Arc (1928), de Carl Theodor Dreyer. Neste, embora ainda mudo, é como se já pedisse a palavra. E a palavra em Dreyer é substância pura.
2) Fiz uma viagem na década de 70 a São Paulo somente para ver, na cinemateca paulista, filmes do expressionismo alemão. As sessões se davam pela manhã e pela tarde durante uma semana. Meu propósito era ver mesmo tudo. Resultado: entrava no começo da tarde na cinemateca e somente saia perto da meia-noite. Pela manhã, descansava um pouco no hotel. Queria investigar o expressionismo, mas, em alguns momentos, durante as projeções, me senti aporrinhado com certos filmes. Mas, investido da vontade de saber a importância desses filmes, fiz mitigar o meu sofrimento. Outros, no entanto, me fascinaram. Para compreender o cinema, portanto, é preciso investigação, prazer, mas, também, sofrimento e aporrinhação.

2 comentários:

Jonga Olivieri disse...

Nosferatu é um clássico. um primor no uso das sombras agigantadas, como a imagem que você usou...

Stela Borges de Almeida disse...

"Palavrinhas" que registram aspectos do conhecimento e acesso às obras dos grandes mestres. Observando o making of do último filme de Tarkovski, O Sacrifício, pude perceber a engenhosidade na construção deste filme, aspecto que escapa ao olhar de superfície, aliás um traço dominante no presente. O Dossiê Tarkovski nos impede de olhar apressado, leva a perceber o que representou criar aquela obra, ainda que na versão final da última cena pudessemos observar a descontração da equipe e o entusiasmado do autor. Lembro do seu Curso de Cinema e dos comentários sobre os filmes de Carl Theodor Dreyer.