Vincere de Marco Bellocchio. Clique para ampliar. |
Publicado originariamente na revista eletrônica Terra Magazine em 28 de dezembro de 2010.
Com quase 40 anos como colunista cinematográfico, lembro-me como era difícil, chegada a hora de fazer a lista dos indefectíveis 10 melhores filmes do ano, como era árdua realizar a triagem. Havia, para se ter uma idéia, mais de 30 filmes que mereciam entrar na relação, mas, a lista, não se sabe por que, sempre restrita a uma dezena, dava dor de cabeça ao colunista. A situação, nos dias que correm, é totalmente diferente. Há de se suar para se achar 10 filmes convincentes e capazes de figurar numa lista dos melhores filmes do ano. Neste ano, por exemplo, encontrei somente 8 filmes que merecem, realmente, entrar numa relação desse tipo, e mesmo assim...
O que conduz a este resultado paradoxal: os dez melhores filmes de 2010 são oito. Há outros filmes que gostei, mas que não merecem a lista ou a lista não os merece, a exemplo de Um homem sério, dos Irmãos Coen, O segredo de seus olhos, de Juan José Campanella, A ilha do medo, de Martin Scorcese, O homem que engarrafava nuvens, de Lírio Ferreira. Um filme que, tenho quase certeza, estaria no topo seria, se o tivesse visto, Tetro, de Francis Ford Coppola. Também Film socialismo, de Jean-Luc Godard, somente o vi depois de ter já elaborado a lista.
1.) VINCERE (Vincere, 2009), de Marco Bellocchio, com Vittoria Mezzogiorno, Filippo Timi, Fausto Russo Alezi, Michela Cescon. Filme operístico, realizado por um dos mais talentosos cineastas italianos da atualidade (De punhos cerrados, O diabo no corpo, Bom dia, noite), Vincere acondiciona as três constantes temáticas do autor: o sexo, a loucura e a história italiana, na história da primeira mulher, Ida Dalser, do ditador Benito Mussolini que, ao alcançar o poder, rejeita-a e, para fugir à sua perseguição, interna-a num sanatório. Obra de pathos, ópera e cinema delirante.
2.) O ESCRITOR FANTASMA (The ghost write, 2009), de Roman Polanski, com Ewan McGregor, Pierce Brosnan, Kim Cattrall. Ainda que sem a genialidade, a surpresa, a inovação, o frescor, do pretérito, Polanski é um realizador de extraordinário domínio formal de seu veículo comunicante. Sua habilidade está aqui presente nesta obra derradeira que mereceu, no Festival de Berlim, o troféu de melhor diretor. Um homem (Ewan McGregor) é contratado para reescrever e terminar um livro de memórias de um ex-primeiro-ministro britânico (interpretado pelo ex-007 Pierce Brosnan), porque o ghost writer anterior cometera suicídio. A tarefa, porém, se mostrará cheia de acidentes e reviravoltas. Cinema e ao mesmo tempo prazer do cinema.
3.) A FITA BRANCA (Das weisse band, 2009), de Michael Haneke, com Sussane Lothar, Gabriela Maria, Ulrich Tukur, Joseph Bierbchler. Palma de Ouro no Festival de Cannes, filme estranho e insólito (que dá a impressão de uma obra de Dreyer pela plástica das imagens e pela criação do clima, mas sem a espiritualidade deste, muito pelo contrário), Das weisse band reflete sobre as origens do mal numa sociedade rígida, preconceituosa e extremamente rigorosa nos seus mandamentos educacionais. A ação se passa em 1913, numa vila protestante na Alemanha. Crianças e adolescentes de um coral, educadas com rigor, são vítimas de estranhos acidentes que tomam a forma de um ritual punitivo.
4.) BAARIA (Baaria, 2009), de Giuseppe Tornatore, com Francesco Scianna, Margareth Madè, Ângela Molina. Tornatore, diretor de Nuevo Cinema Paradiso, O homem das estrelas, entre outros, é um dos poucos cineastas italianos contemporâneos que fazem jus à tradição do belo cinema de seu país. Baaria é um painel admirável sobre quatro décadas da história italiana, através do acompanhamento de seu personagem desde os anos 30, quando criança problemática, passando pela Segunda Guerra Mundial, até o seu romance proibido e seu ingresso no Partido Comunista Italiano. Saga épica, a vida e a morte, o amor e o ódio. Extraordinária! Partitura do maestro Ennio Morricone.
5.) O BRILHO DE UMA PAIXÃO (Bright star, 2009), de Jane Campion, com Abbie Cornish, Thomas Sangster, Paul Schneider. Neozelandesa que se notabilizou porO piano, ainda que não muito considerada pela crítica arrogante em seus filmes posteriores, mostra, aqui, em O brilho de uma paixão, uma extrema sensibilidade e capacidade narrativa poética para contar o relacionamento do poeta inglês John Keats, um amor poético etéreo e platônico, com a jovem Fanny. O que encanta no filme é o equilíbrio narrativo, e, nos filmes de Campion a arte é mais do que uma forma de expressão, é a forma como personagens transpõem barreiras físicas ou emocionais.
6.) GUERRA AO TERROR (The hurt locker, 2009), de Kathryn Bigelow. Neste filme inesperado, que venceu o Oscar, realizado por uma mulher que foi casada com James Cameron (Avatar), a paisagem da guerra é uma paisagem insípida, desoladora, ainda que com os riscos iminentes, e que faz lembrar algumas obras do grande Samuel Fuller para quem o único heroísmo que existe num conflito bélico é a sobrevivência. Soldados que integram o batalhão anti-bombas no Iraque comem o pão que o diabo amassou. Cada dia concluído de trabalho é um dia a mais na vida deles. Bigelow expõe o vazio existencial da guerra e mostra o aspecto viciante ao qual estão expostos os soldados de um ponto de vista até, poder-se-ia dizer, psicanalítico.
7.) SEMPRE BELA (Belle toujours, 2006), de Manoel de Oliveira, com Michel Piccoli, Bulle Ogier, Lawrence Foster. Como se poderia fazer uma homenagem ou uma revisão de um clássico como A bela da tarde (Belle de jour), de Luis Buñuel? O resultado seria previsível: uma catástrofe. Mas o centenário diretor português Manoel de Oliveira assim não considerou e fez um filme de certa forma surpreendente. Quase quarenta anos depois, as duas personagens de Belle de jour voltam a se encontrar (Piccoli conserva o seu papel original). Mas ela tenta por todos os meios evitá-lo. Oliveira é um cineasta que não pode ser comparado com seus pares, mas separado.
8.) TROPA DE ELITE 2, de José Padilha, com Wagner Moura, André Ramiro, Maria Ribeiro. Nascimento (Wagner Moura), agora coronel, foi afastado do BOPE por conta de uma mal sucedida operação. Desta forma, ele vai parar na inteligência da Secretaria de Segurança Pública do Estado. Contudo, ele descobre que o sistema que tanto combate é mais podre do que imagina. A corrupção da polícia é mostrada como uma ferramenta de um jogo de poder muito mais complexo. Padilha mostra que tem poder como metteur-en-scène, e, abstraindo-se juízos de valor ideológicos, o filme é eletrizante. Já superou, na bilheteria, Dona Flor e seus dois maridos, como o filme brasileiro mais visto em todos os tempos.