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19 dezembro 2010

Restaurado "O Leão de Sete Cabeças"

Guardado durante 30 anos na Cineteca Nazionale di Roma, o filme Leão de Sete Cabeças, primeira produção de Glauber Rocha fora do Brasil, foi finalmente restaurado e será exibido em sessão especial segunda, dia 20 de dezembro, às 21 horas, no Espalo Unibanco Glauber Rocha.  A restauração faz parte da segunda fase do projeto Coleção Glauber Rocha, que, na primeira, já restaurou os filmes Barravento, Terra em Transe, O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro e A Idade da Terra. O texto a seguir é o de um release que recebi para a divulgação da restauração


"A iniciativa é uma realização do Tempo Glauber e da filha do cineasta, Paloma Rocha, tem o aporte financeiro do Fundo de Cultura da Bahia, Governo da Bahia, e das Secretarias de Fazenda e Cultura do Estado da Bahia, e contou com o apoio da Associação Baiana de Cinema e Vídeo(ABCV), da Cinemateca Brasileira e da Cineteca Nazionale di Roma. O projeto também abarca as restaurações dos filmes Cabeças Cortadas, Claro, Câncer e História do Brasil.
A história da restauração de Leão...

O original do filme do filme foi repatriado da Itália parao Brasil em 2009, quando a parceria entre Tempo Glauber, Cinemateca Brasileira, ABCV e Cineteca Nazionale di Roma foi formalizada, com incentivo da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia. A restauração consistiu primeiramente no escaneamento no formato 4K e o restauro digital em 2K realizado pelos Estúdios Mega. 
O processo possibilitou a confecção de uma nova matriz, em alta definição, e um novo negativo em 35mm. A versão original do áudio em vários idiomas foi recuperada a partir de uma única cópia 35mm - que estava em avançado estado de deterioração - e de fitas Umatic. O restauro foi executado pela JLS Facilidades Sonoras.
O filme
O cenário de Leão de Sete Cabeças é o Congo Brazaville de 1969. Vivendo no exílio imposto pela ditadura militar brasileira, o cineasta baiano Glauber Rocha, principal nome do Cinema Novo, expõe neste filme o colonialismo europeu que domina a África a as tentativas do povo nativo em se libertar desse domínio. Assim Glauber continuou retratando as mazelas que tanto afligem os países pobres e fez disso marca da sua obra cinematográfica.
Quando Leão de Sete Cabeças estava sendo produzido, os críticos acreditavam que Glauber deveria filmar apenas paisagens em seu próprio país. Mas, quando o filme foi concluído, viram que o argumento se mostrou falho. O  longa demonstrou perfeita integração com a evolução estética glauberiana, embasada na linguagem visual e cênica de uma espécie de “pan-terceiromundismo”, e apresentou personagens arquétipos, todos com algum tipo de poder.
De um lado, os pilares do imperialismo - invasores europeus e norte-americanos, além da Igreja e seu eterno cortejo ao poder. A elite local era um fantoche denominado e coroado presidente. Do outro, os revolucionários locais, contraditórios em suas lutas e indecisos entre a centralização do movimento e a manutenção do sentimento tribal, mesmo em busca de um objetivo em comum: a liberdade perante o colonialismo estrangeiro.
Mais que denunciar as injustiças existentes no continente africano, Glauber apresentou dados para que a consolidassem como estados soberanos.  Para a professora de Cinema e ensaísta  da UFRJ, Ivana Bentes, “o que Glauber parece dizer é que nenhuma explicação histórica, sociológica, marxista ou capitalista, pode dar conta da complexidade e tragédia da experiência da pobreza”, constata.
Glauber imaginou o filme como uma epopéia africana, pensando-a como ponto de vista do homem do Terceiro Mundo, se opondo aos filmes comerciais que tratavam de safáris, ao modelo de concepção dos brancos em relação àquele continente. Para ele, trata-se de uma teoria sobre a possibilidade de um cinema político, feito na África justamente porque o cineasta acreditava ser o lugar que possuía os mesmos problemas do Brasil.
Ele complementa esse pensamento declarando sua aversão à leitura sociológica da miséria feita pela esquerda, visto no manifesto Estetyka do Sonho, escrito em duas versões(1966 e 1971), e que bebe nas fontes dos seus filmes realizados nesse período. Neste texto ele relata sua impotência e perplexidade perante as ditaduras militares, a fragilidade de intelectuais, artistas e militantes em combatê-las, além da acomodação popular que resulta nessa tragédia. 
Glauber acredita que para superá-la é preciso seguir pelo caminho dos sonhos do cinema, provocando distúrbios nos códigos (sociais, políticos, estéticos, de comportamento), algo que já vinha sendo explorado em sua obra. Para alguns autores, Leão de Sete Cabeças pode ser visto como o elo perdido entre Terra em Transe e A Idade da Terra, a chave do enigma que liga a primeira parte da carreira de Glauber (os anos 60) com a segunda (de 1970 a 1980).
Preservação da obra de Glauber Rocha
Um dos objetivos da restauração de Leão de Sete Cabeças é dar continuidade à disseminação da obra de Glauber Rocha em alta qualidade, já que há grande aumento na demanda pelos filmes do cineasta, tanto nas escolas de cinema, quanto nos festivais nacionais e internacionais, e, por fim, para uso de trechos em documentários. 

Todos querem assistir à obra de Glauber, em bom ou mal estado, mas isso tem obrigado os detentores das cópias não restauradas a fornecer material de má qualidade, incompleto e deteriorado, o que causa constrangimento e não divulga a sua obra como deveria. A partir de 2003, com o advento da Coleção Glauber Rocha, esta realidade começou a mudar.
As cópias restauradas em formato de cinema digital, DVD e película de 35mm permitem que os filmes sejam distribuídos para mostras nacionais e internacionais, além da exibição em salas de cinema comerciais, universidades e outros espaços onde a obra de Glauber tem um alcance bastante significativo. O filme Terra em Transe, por exemplo, após a restauração, atingiu a marca de 10 mil espectadores nas salas de cinema, em apenas duas semanas em cartaz.
Extras do DVD
Os DVD’s contêm documentários especialmente realizados sobre cada filme, dirigidos por Paloma Rocha e Joel Pizzini. Neles estão reunidas entrevistas com elenco e equipe, cenas de arquivo, entrevistas inéditas com Glauber Rocha, o trailer original, artigos e reportagens, análise crítica feita por especialistas, versões de roteiros, roteiros, cartazes, trilha sonora, desenhos e story-board, tudo o que compreende o processo de criação e de produção intelectual do artista.
O patrimônio histórico e cinematográfico de Glauber reunido e vivo
O próprio Glauber, em 1980, escreveu uma carta preocupado com a recuperação dos negativos originais destes filmes. O documento foi editado e utilizado na apresentação do projeto, que ainda relata a necessidade da atenção e dos cuidados urgentes com os negativos originais para que seu processo de deterioração, já avançado, não acabe por prejudicar de modo irreparável a história do cinema brasileiro, no caso da perda definitiva de algum filme.
Glauber revolucionou a linguagem do cinema contemporâneo. Sua expressão artística influenciou movimentos políticos e culturais dos anos 60 como "Maio de 68" na França e o "Tropicalismo" no Brasil, entre outros, deixando um precioso legado de idéias e criações, impressas em filmes, vídeos, livros e uma extensa produção que ainda hoje permanece inédita – poemas, desenhos, peças de teatro, romances, roteiros de filmes não realizados.
E é todo esse conteúdo inestimável que precisa continuar vivo, e com a restauração, poderá ser conhecido pelas gerações futuras. Como disse o Secretário de Cultura da Bahia Márcio Meirelles: “Glauber continua vivo, um pensamento vivo, em ebulição. Um pensamento inesgotável, perturbador, ainda pouco compreendido no Brasil e no mundo.”
Ficha técnica
O Leão de Sete Cabeças

Direção: Glauber Rocha

Elenco: Rada Rassimov, Jean-Pierre Léaud, Giulio Brogi, Hugo Carvana, Gabrielle Tinti, René Koldhoffer, Baiack, Miguel Samba, André Segolo, Aldo Bixio, povo e dançarinos do Congo

Dedicatória: a Paulo Emilio Sales Gomes

Companhia produtora: Polifilm

Produtores: Gianni Barcelloni e Claude Antoine
Diretor de produção: Giancarlo Santi
Gerente de produção: Marco Ferreri
Assistente de direção: André Gouveia
Argumentistas e roteiristas: Gianni Amico e Glauber Rocha
Diretor de fotografia: Guido Cosulich
Som direto: José Antônio Ventura
Montadores: Eduardo Escorel e Glauber Rocha
Letreiros: Francesco Altan
Música: Folclore africano, Baden Powell e uma versão do Hino Nacional francês cantada por Clementina de Jesus
Locações: Brazzaville (Congo)
Equipe de restauro

Direção do projeto: Paloma Rocha

Curadoria e pesquisa: Joel Pizzini

Direção de produção: Márcia Cardim

Direção de fotografia: Luis Abramo
Assistente de direção: Sara Rocha
Restauração de imagem Mega e
Restauração de Imagem Mega e Som: Cinemateca Brasileira, Estúdios Mega e JLS Facilidades Sonoras
Apoio Financeiro: Fundo de Cultura da Bahia, Governo da Bahia e Secretaria Estadual de Fazenda e Cultura
Realização: Paloma Cinematográfica, Cardim Projetos e Soluções Integradas e Associação Baiana de Cinema e Vídeo - ABCV
Apoio: Associação dos Amigos do Tempo Glauber e Comunika Press 

Um comentário:

Jonga Olivieri disse...

Certamente uma grande iniciativa de preservar a obra de um grande realizador...