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14 julho 2009

Palácio de ruínas

1) Já o disse aqui: ir ao Rio de Janeiro e não ir ao cinema Palácio se constituia numa epifania. Adentrar a sala, após a compra do ingresso, uma experiência emocionante a considerar a distância entre a bilheteria e a sala de exibição. Uma distância forrada de tapete vermelho, macio, que trazia uma sensação de quase se estar a levitar, enquanto, na promenade para chegar à sala propriamente dita, ia-se a olhar os cartazes laterais anunciadores dos filmes que iam entrar em cartaz breve, a seguir. Atualmente, com a velocidade do mundo, das informações, da internet, não se espera mais os filmes como antes, pois eles entram de repente, quando menos se espera. A bela lembrança do Palácio, porém, se desvanece quando se constata a sua ruína atual (como se pode perceber pelas fotos de Jonga Olivieri, que, uma vez por mês, acordou com este bloguista de levar sua máquina para tirar fotos dos antigos e saudosos cinemas do Rio de Janeiro). Como se pôde deixar um cinema decair a este ponto?
2) Acabei de ver, no Canal Brasil (Net/Sky, 66), O rapto de Juca, um episódio da série O vigilante rodoviário, que o canal restaurou e se encontra a mostrar um por semana. Realizado em 1961, a série, que vi na adolescência, vista hoje parece ingênua, mas justamente nesta ingenuidade é que está o seu encanto. Juca Chaves, líder de audiência na televisão, é raptado para não chegar a tempo num programa no qual vai ser lançado um produto comercial, que desbancaria um outro. Os concorrentes, desesperados, resolvem promover o rapto de Juca. Mas suas fãs suspeitam e avisam Carlos Miranda, o vigilante, que chega a tempo, prende os raptores e consegue fazer com que Juca Chaves chegue na hora, para a alegria dos produtores do programa. Há, entre as fãs, uma gordinha que é fanática pela revista X-9. Interessante a indumentária da época, os carros, a calma de uma São Paulo que ainda não era a selva de pedra atual. Geralmente, os filmes da série adotam a corrida contra o tempo griffithiana. Há um certo artesanato na direção de Ary Fernandes e os filmes são simpáticos e, em alguns, oportunidade de ver atores hoje consagrados em pequenos papéis. Claro, era preciso que Carlos Miranda fosse mesmo um canastrão. A produção é de Alfredo Palácios e Cláudio Petraglia.
3) Leio o livro escrito por Luiz Carlos Merten sobre a vida de Anselmo Duarte para a edição Aplauso. Narrado em primeira pessoa, Anselmo Duarte: o homem da Palma de Ouro, é o resultado de meses e meses de entrevistas com o diretor. O mesmo método praticado pelo jornalista Hermes Leal para contar a trajetória de Orlando Senna em O homem da montanha (também da Aplauso). Anselmo é muito ressentido (e com razão) com o pessoal do Cinema Novo, que não podia admitir que um galã fosse diretor e, ainda por cima, conquistasse a Palma de Ouro (e, a rigor, a única Palma de Ouro para filme brasileiro é a de O pagador de promessas; Glauber recebeu a Palma pela direção de O dragão da maldade contra o santo guerreiro e não pelo filme em si). Conta o diretor, via a escrita de Merten, que um produtor português entrou com uma grana na produção de O pagador de promessas e, por isso, o personagem Bonitão, vivido por Geraldo Del Rey, na versão que foi exibida em Portual, ele é feito por um ator português (muito ruim, segundo Anselmo). Relata também que Norma Bengell ficava aborrecida pela atenção dada ao estrelismo de Glória Menezes. Para esfriar a situação, Anselmo Duarte, que tinha fama de garanhão, levou La Bengell para a cama e ela, então, se acalmou. Para a sequência da chuvarada, quem arranjou água foi Glauber Rocha, que funcionou como intermediário entre o Corpo de Bombeiros e a produção do filme. Os livros da coleção Aplauso, da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, são bons, mas difíceis de serem encontrados nas livrarias.
4) Anselmo conta que Luiz Severiano Ribeiro, o grande exibidor brasileiro para quem "o cinema era a maior diversão", contrariado com a obrigatoriedade de exibição do filme brasileiro (decreto de Getúlio Vargas), ainda que poucos dias por ano, resolveu fazer os seus e fundou a Atlântida. Aconteceu algo semelhante com a chamada Lei do Curta, que não tem validade há muitos anos. Os exibidores resolveram fazer seus próprios filmes, que eram, evidentemente, muitos ruins. Para incentivar o curta-metragem, com o advento da Lei do Curta, houve uma campanha intitulada: "Curta não é castigo".

3 comentários:

Jonga Olivieri disse...

Nota-se que o Palácio ainda está menos degradado porque fechou este ano. O caso do Vitória já tem muito tempo.

O Vigilante Rodoviário e seu cachorro Lobo (era este o nome?). Eu me lembro que o carro dele era um Simca Chambord (meu pai teve um e tio Durvalito também), O Vigilante tinha também uma moto. Não assisto porque não tenho o Canal Brasil. Que pena, teem coisas que valem...

Viva o Anselmo Duarte! O resto é inveja. Até porque "O Pagador de Promessas" é um puta filme!

André Setaro disse...

Após a Palma pelo Pagador, Duarte fez um filme caprichado que foi "Veredas da salvação", mas os cinemanovistas torceram-lhe o nariz. Em 1967, numa 'vernissage' no Hotel da Bahia, encontrei com Anselmo Duarte e, ainda que adolescente, conversei com ele. Lembro-me que muitas mulheres ficaram alvoroçadas, orgásticas. Pediram-lhe autógrafos e uma, mais ousada, principalmente para aquela época, perguntou rindo se ele daria um autógrafo na calcinha dela. Fiquei meio estupefato, confesso. No Pasquim dos bons tempos, deu uma entrevista bombástica, na qual diz que tinha muita tesão e que, numa noite, tinha energia para 7 e 8 vezes, deixando, estupefatos (vá lá o termo de novo) os redatores do Pasquim. Até Millor, o genial Millor Fernandes, ficou de boca aberta.

Gosto muito de 'Absolutamente certo' e 'O pagador de promessas' é um 'puta' filme.

Romero Azevêdo disse...

Jonga, valeu a foto e o compromisso de mandar outras.

Setaro, também tive o prazer de "voar" no rubro tapete mágico do Palácio.
Anselomo Duarte é fino artesão e autor de primeira. Exibi recentemente em sala d aula "O Pagador" e os alunos, média de 21 anos, ficaram deslumbrados. Arnaldo Jabor fez mea culpa um dia desses e disse que a patota do Cinema Novo morria mesmo de inveja do galã laureado.
No livro "Adeus Cinema", uma "biografia" narrada pelo próprio AD, ele diz a certa altura que estva em Paris com Glauber e amobos disputavam uma mulher( salvo engano, a Regina Rosemburgo), no final da noite ela foi parar mesmo nos lençois do astro da Atlântida.

O montador Mauro Alice revelou em entrevista na internet que Mazzaropi andava devagar nas cenas externas e enxertava números musicais para aumentar a metragem dos filmes e não ser obrigado a exibir curta-metragem como complemento.
Ví também "O rapto de Juca" (tenho uma cópia não restaurada). O Vigilante Carlos fez com que eu quisesse um dia ser patrulheiro rodoviário. "De noite e de dia/ firme no volante/vai pela rodovia/ o bravo vigilante !"