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16 fevereiro 2009

"O Ponto de Ruptura", por Tuna Espinheira


Tuna Espinheira acaba de concluir as filmagens de Leonel Mattos em vinte e quatro quadros por segundo, um curta documentário sobre o artista, cujo roteiro foi premiado em concurso recente. Mas, antes das filmagens, leu O ponto de ruptura, romance de Stephen Koch (Difel, 2008), e ficou impressionado com certas revelações contidas no livro. Entre elas, a revelação de que o famoso documentarista holandês Jori Ivens fora agente stalinista. Trata-se de um dos maiores cineastas de todos os tempos e, na área do documentário, talvez tenha sido o maior, a superar, inclusive, Robert Flaherty (na minha opinião). Espinheira escreveu uma resenha sobre o livro que tomo a liberdade de publicá-la.
"A agônica Guerra Civil na Espanha é o grande cenário. O misterioso sumiço de José Robles, tragado pela teia sinistra armada por Stalin, é o pivô da discórdia que corrói e destrói a amizade siamesa entre Hemingway e Dos Passos. Estes dois escritores, figuras que já gozavam de fama e reconhecimento pela sua arte. Sendo que, Dos Passos chegava a ser citado e nivelado a James Joyce, o Papa da literatura, naqueles dias em que o incêndio nas plagas de Espanha comovia e atraia idealistas de todo mundo para suas trincheiras na resistência ao avanço das tropas faschistas do Generalíssimo Franco.
Alguns personagens, gente de carne e osso, são coadjuvantes importantíssimos no desenrolar do enredo, dentre estes, o mítico documentarista holandês: Joris Ivens. Surpreendentemente retratado como um apparatchik, ou seja, um ativo e coroado Agente do Comintern, para assuntos ligados a arte e cultura até onde, também, Stalin estendia os seus tentáculos.

Ivens, além do enorme talento na captação de imagens; era destacado e admirado pelo desassombro e coragem pessoal nos inúmeros contratos de risco como um metteur- en-scène, normalmente no calor da hora, exposto aos perigos, sobretudo nos conflitos de guerra, exatamente iguais aquela missão cinematográfica, em parceria com os dois notáveis norte-americanos. Possuía aquele holandês um carisma hipnótico. Arma esta que soube usar com maestria para ganhar a confiança dos parceiros. Hemingwai, aventureiro, caçador, familiarizado com o perigo, estava à vontade naquela praça de guerra. Em várias cenas relatadas o vemos em meio ao fogo cerrado, impassível diante de bombardeios. Dos Passos era um ardoroso admirador da pátria de Cervantes e sua gente, fora apresentado àquela terra justamente pelo amigo Robles, com ele aprendera a decifrar o jeito de ser e a alma espanhola.
Escritor engajado, familiarizado com as hostes esquerdistas. Naqueles dias tumultuosos ele procurava saber, em vão, do paradeiro do amigo que fora aprisionado por uma milícia que não deixara rastro que desse as pistas dos mandantes daquele seqüestro. Desesperado por informações, onde quer que fosse, ouvia mentiras e palavras cínicas.
Numa trama macabra, vai caber a Hemingwai, informado por uma amiga comum aos dois, esta uma apparatchik militante devota do Comintern, (os dois, então amigos, desconheciam esta faceta, e, proválvelmente, nunca viriam a saber) contar a Dos a notícia do fuzilamento de Robles com a acusação de traidor da revolução. O pior de tudo é que o autor do Velho e o Mar, passaria a acreditar nesta história infamante, um enredo típico da malha criminosa de Stalin.
Como os personagens, como já foi dito, eram verdadeiramente de carne e osso e a história e estórias pertenciam a fatos vividos. O autor, cioso da verdade do lastro histórico, mexendo nos cordéis, conseguiu aglutinar aqueles acontecimentos narrados com a luminosidade de um estilista, e, como não poderia deixar de ser, com o tempero de uma certa licença poética, numa saga com uma grata estrutura do gênero romance, eivado de suspense, drama, diálogos convincentes, brilhante radiografia psicológica dos personagens que, como visgo, prendem o leitor da primeira a última página.

O filme: Terra e Liberdade, de Ken Loach, produzido em 1995 (“este cineasta inglês renovou o cinema britânico na segunda metade do século passado”, informação do crítico André Setaro), já havia, de forma contundente, descrito ao longo das suas belíssimas seqüências, o desserviço do ditador russo, na Guerra Civil da qual estamos falando.

O filme é guiado por um personagem que se alista no POUM, uma sigla que aglutina guerreiros, comandados por Andreu Nin, que não seguiam a cartilha do Kremlin. Dos Passos entrevistou este Comandante. Pouco tempo depois ele seria seqüestrado, torturado, e fuzilado sumariamente, pelos stalinistas. O POUM contou em suas fileiras com o George Orwel, exatamente aquele que mais tarde iria escrever um livro emblemático: 1984. Ele esteve com Dos Passos quando este se preparava para sair da Espanha. Orwel, recuperando-se de sérios ferimentos em batalha, já era um homem desiludido e conhecedor do ninho de serpentes que era o stalinismo. 1984 tem tudo a ver com o “circo de horrores stalinista”.

Tanto o livro, O PONTO DE RUPTURA, como o filme, de Ken Loach, são peças obrigatórias para quem se interessa pela gloriosa luta da Guerra Civil Espanhola, que mexeu com corações e mentes de muitos e muitos, redundando num trágico desfecho.
Hoje sabe-se que Stalin, depois de destroçar o POUM, não demorou em ordenar a retirada dos soldados russos e seus armamentos, entregando a Espanha ao famigerado Generalíssimo Franco. Consta que, Stalin, à guisa de uma explicação, teria perpetrado esta jóia de humor negro : “Ordenei a retirada das forças russas convicto que Hitler faria o mesmo com as forças alemãs”... Vade retro...

Leiam o livro, vejam o filme..."
Tuna Espinheira é cineasta, roteirista, autor de mais de uma dezena de curtas metragens e do longa Cascalho, adaptação do livro homônimo de Herberto Salles.

7 comentários:

Jonga Olivieri disse...

“Terra e liberdade” é uma das obras mais importantes do cinema sobre a Guerra Civil Espanhola. Principalmente por mostrar a luta desigual dos anarquistas e outras correntes da esquerda naquele conflito, que foi, segundo o jargão o “tabuleiro da II Guerra”, porque ali, os nazistas realizaram testes de aviação e bombardeios (Guernica é um exemplo disto). Também naquela ocasião, o Comintern stalinista demonstrou o quanto traia as causas populares visando uma política que não tinha nada a ver com internacionalismo e socialismo.
O final do filme mostra a crueldade e a frieza com que os burocratas membros do “partidão” espanhol sob o comando de soviéticos eliminaram aqueles que iam contra os seus interesses no cenário da política externa e simplesmente desejavam lutar contra as forças fascistas de Franco.
O fato é que a Espanha foi entregue em função de negociações entre Hitler e Stalin em acordo que mais tarde seria conhecido como o “pacto de ferro”. Setores até defendem que Stalin realizou esta operação para “ganhar tempo” e se armar. O que é uma mentira deslavada. Na realidade os interesses pesavam sobre a divisão da Europa e o controle dos países eslavos, velho interesse da Rússia, desde os czares.
À Medida que Stalin notou que Hitler não cumpriria o acordo, bandeou-se então para o outro lado.
O filme ajuda muito na compreensão do stalinismo e do quanto ele não tinha nada a ver com revolução ou ideais socialistas, o quanto o que se construiu na URSS não foi também socialismo, mas um capitalismo de Estado altamente concentrado e corrupto. Claro que o desenrolar da guerra confundiu muito tudo isto e o heróico esforço e resistência em Stalingrado e outras batalhas (que determinaram a derrota alemã) criaram uma imagem distorcida deste cenário. Mas a história mostrou o seu lado real. Poucas décadas depois os crimes de Stalin eram revelados ao mundo e as coisas ficaram muito claras.

Jonga Olivieri disse...

Pensei muito e lavrei o meu voto em Jacques tati. Afinal, Chaplin talvez tenha sido o maior, mas Tati tem o seu valor e estava sem nenhum voto.
Não posso esquecer filmes como "Mon oncle", "Les vacances de Monsieur Hulot" ou "Trafic". Obras primas da comédia que fazem com que vote nele sem nenhum arrependimento.
E tudo com um toque francês, latino, que nos fala tanto...

Anônimo disse...

Velho,

O comentário do Olivieri bate com a minha, já antiga, postura anti-stalinista. Ele viu bem o filme: “Terra e Liberdade”. Tenho certeza que vai ler com bons olhos “O Ponto de Ruptura”. Fico contente que a minha simples resenha tenha sido observada por quem sabe das coisas.

De quem é o primeiro comentário? Ainda não aprendi a folhear o jornal virtual. Sou um jurássico!!!!

Obrigado pela publicação.

Abs.

Tuna

André Setaro disse...

O comentário acima, que tem a assinatura de 'anônimo' é de Tuna Espinheira, que me enviou por mensagem e resolvi postá-la.

Anônimo disse...

Prezado André Setaro,

Postei no Blog Demais e passo para você, "Lembrando Olney nos seus 31 anos de morte":

No domingo, 15, aniversário de morte - 31 anos - do cineasta Olney São Paulo. Assim, uma data a ser lembrada e que estamos sempre lembrando. E quem lembra de Olney em Feira de Santana?
Olney morreu de câncer aos 41 anos, em 1978. Nesse período, temos publicado matérias sobre o autor e sua obra em jornais, revistas, programas de rádio e em blogs sobre este personagem da cidade.
Lembrar que durante cerca de oito anos, convivemos com o cineasta - entre 1970 até sua morte, em 1978, através de contatos pessoais quando ele vinha do Rio de Janeiro para Feira de Santana dando notícias sobre seus filmes, bem como por meio de cartas que ele escrevia para este jornalista, também dando conta de suas realizações e andanças, até internacionais.
Junto com Olney, a visão de vários de seus filmes, inclusive “Manhã Cinzenta”, em sessões clandestinas, com projetores 16mm conseguidos por mim em instituições, em paredes brancas da casa de meus pais e de seus familiares. Em 1973, a ajuda para conseguir exibição de “Como Nasce uma Cidade”, realizado para comemorar o centenário de Feira, junto ao Cine Timbira. Primeiro em uma sessão matinal privada com ele, o então prefeito José Falcão, secretários e convidados. Depois, incluindo o filme em programação regular do cinema, durante cerca de uma semana. Ainda a lembrança de que no início de 1976, assistimos juntos ao filme baiano “O Pistoleiro”, de Oscar Santana, também no Cine Timbira, em sessão noturna.
No Clube de Cinema de Feira de Santana, que reativei nos anos 70, a exibição de muitos de seus filmes, a exemplo de: “O Profeta de Feira de Santana”, “Cachoeira, Documento da História”, “Teatro Brasileiro I: Origens e Mudanças”, “Teatro Brasileiro II: Novas Tendências”, “Sob o Ditame de Rude Almagesto: Sinais de Chuva”, “O Grito da Terra”. Também o filme “Memórias de um Fantoche”, do seu filho Ilya São Paulo (também falecido).
Depois de sua morte, como diretor Executivo da Secretaria de Turismo, Recreação e Cultura, participei ativamente da promoção de mostra em memória com exibição de seus filmes “Um Crime na Rua” (fragmentos), "Ciganos do Nordeste" e “Pinto Vem Aí”, no auditório da Biblioteca Municipal Arnold Silva. Seu último filme, “Dia de Erê”, também foi exibido pelo Clube de Cinema.
Ainda sobre Olney São Paulo, exemplares do seu livro de contos “A Antevéspera e o Canto do Sol” foram deixados em consignação comigo para a venda direta a pessoas interessadas na obra.
Para o jornal “Feira Hoje” e também “Folha do Norte”, principalmente, foram entrevistas, matérias e notas produzidas sobre o cineasta. Depois de sua morte, registros sobre Olney para que permanecesse na memória de Feira de Santana.
O cineasta feirense também mereceu biografia em livro, “Olney São Paulo e a Peleja do Cinema Sertanejo”, de Ângela José do Nascimento. Em paralelo ao livro, Ângela José realizou o vídeo “O Cineasta do Sertão”, um documentário biográfico cheio de respeito e ternura para com Olney, com depoimentos de colegas, familiares e amigos. O vídeo – foi apresentado no final dos anos 80 nesta cidade, no Feira Palace Hotel - tem texto de Olney Júnior, trilha sonora de Ilya, narração de Irving e participação de Pilar – os quatro filhos dele – e presença de Maria Augusta, sua mulher.
Homenagens
Em Feira de Santana, Olney deu nome a Cine Clube – que não está mais em atividade; seu filme “O Grito da Terra” virou nome de jornal – também extinto; teve mesa com seu nome no Balcão Di Vidros – um bar que já fechou. Também foi nome de premiação, em 1994, do Salão Universitário de Artes Plásticas, do Museu Regional de Arte. Na Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs) existe o Coletivo Olney São Paulo, entidade formada por professores e alunos para estudar cinema. Na Galeria Carmac, no centro da cidade, tem um espaço chamado praça Olney São Paulo, e no Tomba existe uma extensa rua com seu nome. Ele também foi estudado para uma seleção de mestrado em História da Pontifícia Universidade Católica (PUC), de São Paulo, por Johny Guimarães da Silva, com a proposta “O Sertanejo no Cinema de Olney São Paulo”. Olney também denomina a praça de alimentação do Boulevard Shopping.
Mais: a edição de 1978 da Jornada Baiana de Cinema fez homenagem a Olney. “Muito Prazer”, filme de David Neves, com Ilya São Paulo no elenco, teve lançamento em Feira de Santana, no Íris, em homenagem póstuma a Olney.
“Pinto Vem Aí” foi premiado no V Festival Brasileiro de Curta-Metragem do Jornal do Brasil. “Manhã Cinzenta” foi apresentado em vários festivais internacionais, como Pesaro (Itália), Cracóvia (Polônia), Mannheimm (Alemanha) – onde foi premiado com o Filmdukaten, em 1970, e causou curiosidade nos alemães com sua presença, pois ele foi para o festival de sandálias de tiras de couro cru, naturalmente compradas na feira livre de sua terra -, Londres (Inglaterra), Havana (Cuba), e Viña Del Mar (Chile). “Manhã Cinzenta” (rèalisé par Olney A Sau Paulo) também participou de mostra paralela no Festival de Cannes (França), em 1970. Em 1976, participação no V Festival Internacional de Cinema da Figueira da Foz (Portugal).
Olney foi elogiado por Orson Welles (realizador do maior filme de todos os tempos, “Cidadão Kane”), para quem “Manhã Cinzenta” era um filme extraordinário. Glauber Rocha chamou Olney de “mártir do cinema brasileiro”, disse mais que ele “é a metáfora de uma alegoria. Alegorias estas que muitas vezes foram barradas mas que nunca deixaram de ser registradas”. Sobre “Manhã Cinzenta”, o crítico e cineasta Rubem Biáfora comentou no jornal “O Estado de São Paulo”: “Uma fita mais abertamente polêmica, que a Censura cometeu o erro e a inutilidade de proibir”. A empresa Dezenove Som e Imagem, em São Paulo, dedicada a “filmes de autor”, tem em seu acervo uma cópia de “Manhã Cinzenta”.

Stela Borges de Almeida disse...

O comentário do Jonga diz muito, nada a acrescentar. O filme foi discutido várias vezes na Revista O Olho da História e objeto de debate em Oficina coordenada pelo Professor Jorge Nóvoa da qual participei. O livro referido pelo cineasta Tuna Espinheira ainda não conheço, pelo que lí neste Blog, uma leitura necessária.

André Setaro disse...

Prezado Dimas,

Informativo e importante o seu comentário sobre o saudoso Olney São Paulo, que conheci em Salvador, durante os anos 70, quando das jornadas baianas. Você me deu a idéia de fazer, aqui no blog, uma homenagem a ele. Pessoa de lhano trato, amigo de seus amigos, tem uma importante participação no ciclo do cinema baiano da década de 60 com o seu longa 'O grito da terra', que vi no lançamento no Excelsior em 1965, em cópia deslumbrante, preto-e-branca, luminosa. Conheci também a sua biógrafa Angela José, que, infelizmente, vim a saber, morreu ainda jovem e ativa, a organizar, no sul, festival latino-americano.
Há uns quatro ou cinco anos estive na universidade feirense para uma mesa-redonda sobre Olney.

Lembro-me que você fazia filmes em Super 8 e um deles me ficou: "O vampiro Irapiú" ou coisa assim.
Um abraço do
André Setaro