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01 maio 2008

Entre umas e outras, aquelas



Sou de uma época em que se falava muito em Almiro Fialho, que Jonga lembrou ser o nome verdadeiro daquele que ficou conhecido como Alex Viany. Nunca um ensaísta, como Walter da Silveira ou Paulo Emílio Salles Gomes, mas um grande historiador e pesquisador. Memória prodigiosa, sabia, de cor, algumas filmografias de diretores pouco importantes. Esteve em Salvador algumas vezes, sem contar a sua vinda para fazer Sol sobre a lama. Que me lembre veio para participar das jornadas baianas organizadas por Guido Araújo. Lembro-me dele na de 1973, ainda muito bem disposto, e na de 1981, também muito bem, mas já um pouco neurastênico. Foi a época do lançamento de A noiva da cidade, seu último filme, com Elke Maravilha, no qual quis, com toda a sinceridade, homenagear Humberto Mauro e, para isso, filmou um roteiro deste. O resultado é um desastre colossal, um filme sem ritmo, destituído de timing, pleno de defeitos estruturais. A crítica da época se calou, pois amiga de Viany. Poucos aqueles que tiveram coragem de mostrar que o rei estava nu.

De qualquer mandeira, a contribuição de Alex Viany é muito importante, principalmente para o cinema brasileiro. Sua obra-prima é a Introdução ao cinema brasileiro, editada em 1959 pelo INL (Instituto Nacional do Livro). Teve mais duas edições. Quando o Jornal do Brasil tinha um conselho de críticos, Alex Viany fazia parte dele ao lado de Alberto Shatovsky, Ely Azeredo, José Carlos Avellar, José Wolff, Valério Andrade, Sérgio Augusto, Ronald F. Monteiro, entre outros que posso estar a esquecer. Mas que luxo!! Um jornal ter um conselho de críticos para toda sexta, página inteira, letra miúda, um filme ser analisado por todos os seus integrantes. Era muito interessante quando acontecia as polêmcias. Recordo-me de que quando O dragão da maldade contra o santo guerreiro, de Glauber Rocha, foi lançado, Ely Azeredo (poucos os críticos que sabiam escrever tão bem como ele) deu bola preta, enquanto a maioria cinco estrelas, provocando, com isso, um contraste bem forte. Ely disse sobre o filme e a propósito de sua premiação em Cannes (Palma de Ouro de melhor diretor): "Queremos ver a premiação do cinema e não a sua aniquilação" (mais ou menos assim, pois cito de memória). E, para não deixar em dúvida aquele que me lê, gosto muito desse filme de Glauber filmado em Milagres, que agora foi restaurado e está sendo exibido em mostras e festivais em cópias luminosas (seu colorido é fora de série).

O Correio da Manhã, na boa época em que existia uma crítica de cinema no jornalismo impresso (raros aqueles que escrevem bem sobre cinema hoje na imprensa e, entre eles, podendo aqui omitir algum valor, Inácio Araújo, Luiz Carlos Merten) tinha também, no seu Quarto Caderno, uma conselho de críticos. Forçando a memória, Ironildes Rodrigues, Paulo Perdigão, Salvyano Cavalcanti de Paiva, Fernando Ferreira, Carlos Fonseca, Van Jaffa, Antonio Moniz Viana, José Lino Gruenwald, etc. A crítica de cinema, hoje, ativa apenas nos grandes jornais do sul, transferiu-se para os sites do espaço virtual onde se podem ver exegetas da sétima arte (concorde-se ou não com eles) que são sérios e preparados como aqueles que fazem parte das revista Contracampo, Cinética, Moviola, etc.

Quando se escreve sobre Domingos de Oliveira (agora tirou o "de"), nunca há referência a um filme dele feito em 1969, É Simonal!, um documentário sobre o cantor que, na segunda metade da década de 60, virou um fenômeno a ponto de ser capaz de entusiasmar um maracanãzinho inteiro a repetir, com ele, um determinado refrão. Acontece que Wilson Simonal foi acusado, logo na descida dos 70, de ser agente da ditadura. Isto o destruiu. Mas nada tem a ver com o fato de Oliveira ter realizado um documentário sobre ele. Questão de memória? Lembro-me que o filme foi, inclusive, lançado comercialmente.

Revi, no Cult, Julia, de Fred Zinnemann, cuja última visão foi em 1978, portanto há trinta anos. Jane Fonda faz o papel da escritora Lillian Hellman, e Vanessa Redgrave é a personagem título. Hellman era casada com o famoso escritor policial Dashiell Hammett (interpretado por Jason Robards). Quando vi Julia não conhecia ainda Meryl Streep, que trabalha aqui bem jovem no papel de Anne Marie. O filme tem ótimo elenco. Além dos citados, Maximilian Schell (o ator alemão que deu um show em Julgamento em Nuremberg, de Stanley Kramer), Hal Holbrook, Rosemary Murphy (fazendo Dorothy Parker), Cathleen Nesbitt (a vovozinha de Tarde demais para esquecer/An affair to remember, obra-prima de refinamento, atriz bem característica e longeva), entre outros. Zinnemann ficou na história por Matar ou morrer (High noon), mas nunca foi bem visto pela crítica, apesar de seus inegáveis méritos como carpinteiro da narrativa. Julia, por exemplo, é um filme muito bem narrado, muito agradável de se ver, muito bem interpretado. E o que deixa de se ver quando o iluminador é um mestre como Douglas Slocombe e a música de George Delerue? Não creditada a participação de Lambert Wilson, que trabalhou recentemente em Medos privados e lugares públicos (Coeurs), de Alain Resnais. O Cult tem Julia em sua grade mas o está exibindo sem nenhum alarde, em silêncio. A imagem que ilustra este post é uma homenagem a Jane Fonda, atriz que me foi contemporânea e à qual devo boas recordações fílmicas.

6 comentários:

Anônimo disse...

Setaro, o título do filme de Domingos de Oliveira é “É Simonal “, uma ficção que inclui cenas documentais feitas na histórica apresentação do cantor no Maracanãzinho em 1969, quando literalmente(detesto este termo) hipnotizou a platéia e fez o que quis com ela.
De fato, este filme passa por um processo de apagamento desde o linchamento público do cantor promovido pelo pessoal do Pasquim( Henfil por exemplo chegou a criar um personagem negro que tinha um “nariz duro” ,referência a dedo-duro)durante os anos 70. Wilson Simonal foi acusado pela imprensa intelectual de ser agente da ditadura. O fato NUNCA foi comprovado e a carreira dele foi destruída. Recentemente os filhos, Max de Castro e Simoninha, remasterizaram e lançaram uma caixa de CDs com toda a obra fonográfica de Simonal. Para o resgate completo falta o filme em DVD.
Wilson Simonal tinha uma personalidade difícil, era pobre e quando subiu na vida via carreira artística se tornou arrogante e prepotente, mesmo assim não se justifica o linchamento promovido pela inteligentzia .
Um dos humoristas do Casseta e Planeta lançou na edição deste ano do festival Tudo é Verdade um documentário intitulado “Simonal- ninguém sabe o duro que dei”, pelo que li foi aplaudido de pé e a platéia saiu emocionada( não pelo filme propriamente, mas pela restauração da figura pública do cantor que morreu injustiçado sem conseguir provar sua REAL inocência.
Eu particularmente nunca comprei um disco de Simonal, mas isso não me impediu de discordar desse massacre promovido pela patota do Pasquim( jornal do qual eu fui leitor assíduo). Esse episódio foi uma espécie de “Caso Dreyfus” tropical só que, diferente do europeu, o final foi trágico.
Abaixo transcrevo a ficha do filme extraída do site da Cinemateca Brasileira ( para ver como o apagamento foi pra valer, nem a Cinemateca possui cópia do filme! )






É SIMONAL - (1970)
É SIMONAL

A Cinemateca Brasileira não possui este filme
Categorias
Longa-metragem / Sonoro / Ficção

Material original
35mm, COR, 95min, 2.607m, 24q, Eastmancolor


Data e local de produção
Ano: 1970
País: BR
Cidade: Rio de Janeiro
Estado: GB


Data e local de lançamento
Local: Rio de Janeiro


Sinopse
Uma fã de Simonal vem de Minas e, iludindo a vigilância, se apresenta como jornalista estagiária. O cantor simpatiza por ela, reúne sua equipe e diversos amigos e partem para um passeio a uma ilha da baía da Guanabara. Um breve romance entre Simonal e a fã tem início. Todos retornam ao Rio e o cantor conduz dois shows: no Maracanãzinho e na boite Sucata. Simonal leva a fã para a rodoviária e os dois se despedem.
Gênero
Musical; Comédia
Dados de produção

Companhia(s) produtora(s): César Thedim Produções Cinematográficas
Produção: Thedim, César
Gerente de produção: Freitas, Luiz Carlos Lacerda de
Companhia(s) distribuidora(s): U.C.B. - União Cinematográfica Brasileira S.A.
Argumento: Oliveira, Domingos de
Roteirista: Assis, Joaquim; Oliveira, Domingos de
Direção: Oliveira, Domingos de
Direção de fotografia: Lutfi, Dib
Câmera: Noel, Rogério
Direção de som: Costa, Juarez Dagoberto da
Montagem: Ohana, Nazareth
Cenografia: Medeiros, Anísio
Música (Genérico): Chaves, Erlon
Identidades/elenco:
Simonal, Wilson
Stefânia, Irene
Alvarez, Irma
Vianna Filho, Oduvaldo
Kroeber, Carlos
Gladys, Maria
Dória, Jorge
Pêra, Marília
Moraes, Milton
Xavier, Nelson
Leite, Maria Barreto
Ziembinsky
Souza, Ginaldo de
Carlos, Luiz
Gonçalves, Milton
Som Três

André Setaro disse...

A turma da patrulha, do linchamento, é fogo. Não concordo com o tal humorista, Marcelo Madureira, que disse que a obra de Glauber é 'uma merda', mas ele tem todo o direito de se manifestar como quiser. Há pouco, houve verdadeiro linchamento em cima de 'Tropa de elite' e este 'apagamento' da fita de Domingos é bem sinalizador de um fascismo de esquerda.

Jonga Olivieri disse...

O "Quarto Caderno" do “Correio da Manhã”, ambos de saudosa memória foi marcante para o cinema e para o debate dos principais temas do Brasil e do mundo. O “Mais” da Folha é o que hoje se aproxima (vagamente )do que ele representou.
Ali, tínhamos o prazer de ler todos os domingos personalidades do tope do baiano, competente, sério e trotsquista como Edmundo Moniz, Otto Maria Carpeaux, Paulo de Castro ou o iniciante Paulo Francis (entre outros) a dar os seus pitacos.
Ainda me lembro de irmos à Rua Chile, aí em Salvador, nos já distantes mil novecentos e sessenta e muitos, ávidos de leitura, em busca daquele jornal, nos tempos em que só chegava depois do almoço.
Recordemos também Jane Fonda, linda, linda... simplesmente linda.

André Setaro disse...

A verdade de Wilson Simonal
POR MARIO MAGALHÃES (Ombudsman da Folha de S.Paulo)
Boa notícia: quase oito anos depois da morte de Wilson Simonal, o grande cantor começa a ser resgatado do ostracismo. O documentário "Ninguém Sabe o Duro que Dei" é lançado no festival de cinema É Tudo Verdade.
Ignoro como o filme narra a suspeita de que Simonal fosse informante da ditadura militar. Mas é possível identificar no jornalismo disposição para recontar o passado omitindo o mais relevante, os fatos.
É incompreensão da natureza humana: a idéia de que todo artista de talento é marcado por gestos edificantes; ou se for um artista bacana, decerto será talentoso. A falácia temperou o esquecimento: se era dedo-duro, Simonal não merecia a posteridade. Ou, agora: se craque do suingue, não haveria de delatar.
A verdade: em 1974, Simonal foi condenado por surra dada em um contador. No processo, levou como testemunha sua um detetive do Departamento de Ordem Política e Social do Estado da Guanabara. Ele assegurou que o cantor era informante do Dops.
Outra testemunha de defesa, um oficial do 1º Exército, jurou que o réu colaborava com a unidade. O juiz sentenciou: Simonal era "colaborador das Forças Armadas e informante do Dops". Em 1976, acórdão do Tribunal de Justiça do RJ reafirmou a condição de "colaborador do Dops".
Não foram inimigos que inventaram a parceria com o regime, exposta sem reservas pelos amigos de Simonal, que se dizia ameaçado por gente ligada "a ações subversivas".
Nesta semana, a Folha tropeçou ao noticiar o documentário: não lembrou as provas judiciais reveladas por ela própria em 2000 (transparência: o autor da antiga reportagem foi o hoje ombudsman).
Pelo menos o jornal foi sóbrio. Recusou a campanha jornalística que amalgama a história ao perfilar Simonal, que era senhor dos seus atos, como vítima de maledicência.

Anônimo disse...

Bom, as edições do Pasquim estão nos arquivos para quem quiser ver.
Lembro que em 2000 saiu uma matéria de página inteira no Correio Braziliense provando que Simonal( nunca fui fã dele, faço questão de registrar)havia solicitado na justiça provas de seu envolvimento com os orgãos de repressão da ditadura e NADA foi comprovado.
A reabilitação de Dreyfus na França foi desfrutada por ele e pela família dele pois, óbvio, ainda estava vivo para ver a injustiça comertida. A reabilitação de Simonal, que ainda hoje insistem em negar, só vai ter um valor simbólico pois o mesmo já morreu no ostracismo e com a pecha de "nariz-duro" como mostrava o personagem do democrata Henfil.

Anônimo disse...

Complemento: Gostaria que a Folha de S. Paulo (ou quem de direito, incluindo aí o próprio Domingos de Oliveira)investigasse e revelasse aos leitores onde estão escondidas as cópias( escondidas por mais de 35 anos !) do longa "É Simonal". Independente de qualquer versão do episódio, é um filme brasileiro que precisa estar a disposição dos jovens pesquisadores do cinema nacional. Ou não ?