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30 abril 2008

"Sol sobre a lama", de Palma Netto/Alex Viany

O cinema baiano teve seu Século de Péricles no alvorecer da década de 60, quando aconteceu uma verdadeira efervescência de produções cinematográficas. O ponto de partida, Redenção (1959), de Roberto Pires, o primeiro longa baiano, obra pioneira, e filmada com lente anamórfica (inventada pelo próprio diretor). A partir daí um grupo de produtores liderado por Rex Schindler resolve criar uma infra-estrutura para que pudesse haver uma produção sistemática e continuada. Apareceram A grande feira (1961), Tocaia no asfalto (1062), ambos de Roberto Pires, Barravento (filmado em 1959 e somente montado, por Nelson Pereira dos Santos, em 1962), de Glauber Rocha. Outros produtores, entusiasmados, bancaram O caipora (1963), de Oscar Santana, O grito da terra (1964), de Olney São Paulo. Não se deve esquecer Bahia de Todos os Santos (1960), de Trigueirinho Neto, e alguns filmes curiosos como Aviso aos navegantes, de Aloísio T. de Carvalho, e filmes de diretores estrangeiros que aqui vieram para aproveitar o décor exuberante da paisagem: O santo módico, de Jacques Viot, A montanha dos sete ecos, filmado em Cachoeira por um português. Nelson Pereira dos Santos, que ia filmar Vidas secas, com a chuvarada que desabou em Alagoas, veio para a Bahia e aqui filmou, com atores locais e ele de mocinho, Mandacarú vermelho (vendo recentemente Os cafagestes, quando Valadão espera Bengell na porta do cine Alvorada, no Rio, o cartaz é de Mandacarú vermelho). Há muitos outros filmes.
Sol sobre a lama, o único filme do Ciclo Bahiano de Cinema colorido, em eastmancolor, realizado em 1964, constitui-se numa espécie de resposta de seu produtor, Palma Neto, a A grande feira. Palma, que fora marinheiro em sua mocidade, e conhecia os problemas sindicais, achou que Pires e Schindler não trataram com acerto a problemática do sindicalismo na Feira de Água de Meninos. E, com o dinheiro do próprio bolso, resolveu produzir Sol sobre a lama, que foi, na época do seu lançamento, um grande sucesso de bilheteria. Ao contrário dos dias atuais, quando um filme baiano interessa apenas a um pequeno círculo, a província da Bahia compareceu em peso para ver as vistas de sua cidade, os problemas de seu povo, os artistas locais.
Pretensioso, Palma Netto não achou, na Bahia, um diretor que pensasse à altura de seu projeto (Pires, diretor de A grande feira, estava descartado e, mesmo assim, já tinha ido embora para o Rio, onde filmou Crime do Sacopã, entre outros). Resolveu chamar um cineasta do Rio. Convidou Alex Viany, famoso crítico de cinema que fora correspondente em Hollywood e também era realizador de filmes (Rua sem sol, Agulha no palheiro e, no derradeiro momento de sua vida, no seu crepúsculo, o intragável A noiva da cidade, com Elke Maravilha e roteiro, por incrível que possa parecer, de Humberto Mauro). Homem temperamental, desabusado, desde o início não aceitou com paciência as indicações de Palma Netto, que, como produtor, metia-se muito na direção dele. Conta-se que, uma vez, aborrecido, a tomar umas e outras, deu um ex-abrupto e arrebentou um bar nas cercanias dos sets de filmagem.
Viany estava apaixonado pelos filmes japoneses e quis imprimir às imagens de Sol sobre a lama um estilo nipônico de representação da realidade, com tomadas um pouco demorados, enquadramentos ousados. Pronto o filme, Palma Netto ficou extremamente aborrecido com o resultado e resolveu remontá-lo, desfigurando a concepção dada por Alex Viany. O caso foi parar na Justiça. Acredito que a cópia existente de Sol sobre a lama é a remontada por Palma Netto.
Produzido por João Palma Neto e Álvaro Queiroz Filho, Sol sobre a lama é um filme que merece uma revisão. E se trata de uma obra genuinamente baiana. No elenco, Geraldo D'El Rey (o grande ator da terra que brilharia intensamente como o Manoel vaqueiro de Deus e o diabo na terra do sol, de Glauber Rocha), Glauce Rocha, importada por Alex do Rio, Gessy Gesse (que anos depois se casaria com Vinicius De Morais), Dilma Cunha, Antonio Sampaio (que mudou o nome para Pitanga), Carlos Petrovich (o velho Petrô), Roberto Ferreira (o inesquecível Zé Coió), Othon Bastos, Lídio Silva (o beato Sebastião de Deus e o diabo), Milton Gaúcho, Carlos Lima, Garibaldo Matos (o garoto prodígio do cinema baiano que depois se tornaria um carismático juiz de futebol, mas veio a ter ainda jovem morte prematura). Participações especiais de Jurema Penna e Tereza Raquel.
O diretor de fotografia é o aclamado Ruy Santos, que conseguiu uma tonalidade colorida toda especial. A música, de Pixinguinha, mas foi nesta época que Vinicius de Moraes colocou a letra em Lamento. E o roteiro de Miguel Torres e Alex Viany.
Clique na imagem para ver melhor o cartaz.

7 comentários:

Anônimo disse...

Grande post Setaro ! Eu particularmente gosto muito da história do cinema, e do cinema brasileiro nem se fala. Rico em detalhes e nomes é um texto para ser guardado ( e publicado em livro também). Vou reproduzir e passar para os alunos de Cinema Brasileiro( disciplina que dou no curso de arte e Mídia da UFCG).
Obrigado por mais essa jóia garimpada no interior profundo da terra do cinema baiano.

P.S. Ví "A montanha dos sete ecos" numa matinê do Cine Babilônia aqui em Campina Grande. Lembro que o coronel vilão era enterrado vivo( davam uma poção para ele, quando bebia entrava em estado de catalepsia e no seu próprio velorio ouvia tudo ao redor mas não podia fazer nada para evitar o sepultamento). Salvo engano tem trechos rodados no interior de Minas também.

Jonga Olivieri disse...

Almiro Fialho era o seu verdadeiro nome(1918/92), acompanhou o cinema brasileiro nos anos 50, e conjuntamente com Paulo Emilio Salles Gomes, Walter da Silveira, Nelson Pereira dos Santos, foi um dos formadores dos conceitos que culminariam na criação do Cinema Novo.
Crítico (li muito suas excelentes críticas na “Última Hora” aqui do Rio) e ensaísta, trabalhou em Hollywood para a revista “O Cruzeiro” entre 1945 e 1948.
Junto com Paulo Emilio Salles Gomes, foi responsável pelo reconhecimento de Humberto Mauro como o maior realizador brasileiro. Fato que foi reforçado pelo reconhecimento por parte de Glauber Rocha. Em fins dos anos 50, Viany escreveu sua “Introdução ao Cinema Brasileiro”, importante obra no sentido de valorização de nossa cinematografia numa época de pouca auto-estima do brasileiro por sua própria identidade.
Mas foi em “Humberto Mauro, sua vida, sua arte, sua trajetória no Cinema” (1978) que completa um ciclo de revalorização de nosso “diretor-maior”, que viria também a ser o roteirista “A noiva da cidade”, seu último filme, realizado no mesmo ano.

André Setaro disse...

Sua vinda, a convite de Palma Neto, para Salvador, caro Jonga, foi, porém desastrosa. Mas também Neto lhe deu carta branca e, aos poucos, foi-lha tirando e impondo suas 'vontades'. Viany era muito temperamental, brigão, não levava desaforo para casa. Mas foi um grande crítico, um incentivador enorme do cinema brasileiro (escreveu o pioneiro e fundamental Introdução ao Cinema Brasileiro em 1959, várias vezes reeditado).

Jonga Olivieri disse...

Como desastroso, sempre foi o seu perfil como realizador.
Excelente crítico, desde "Agulha no Palheiro" (1953) seus filmes (num total de quatro) são deficientes, nunca tendo conseguido nada à altura de seu conhecimento teórico.

Anônimo disse...

Em relação ao cinema, posso confessar que todo o meu conhecimento se restringe ao prazer de apreciar um bom filme.

Com apenas quatro anos, não fui espectador da epopéia que foi Sol Sobre a Lama, más presenciei, juntamente com meus irmãos, Palma Netto (com dois t, por favor) transbordar satisfação por ter realizado este filme.

É fato notório, que meu Pai ficou aborrecido com o filme A Grande Feira, de Roberto Pires e Rex Schindler, pois achava que “a coisa não tinha sido contada como foi”. O objetivo era, em suas palavras, “fazer um filme que daria uma resposta às inverdades de A Grande Feira.”

O Alex Viany, apaixonado na época por filmes japoneses, quis imprimir ao drama o mesmo estilo, o que contrariou profundamente Palma Netto. Em suas palavras, “o filme estava lento com tomadas longas e monótonas”.

Em entrevista concedida a Guido Guerra, reproduzida em seu livro A Noite dos Coronéis, diz Palma Netto: Esse filme tinha tudo para dar certo se eu não tivesse cometido a ingenuidade de contratar o Alex Viany para dirigi-lo. Eu o conhecia do congresso de escritores, tinha admiração por ele enquanto crítico, teórico de cinema. Ele sabia tudo de cinema na teoria, conhecia a história do cinema, sabia analisar um filme, só não sabia fazer cinema. Me esculhambou o filme.”

Manda quem pode, obedece quem tem juízo. Como diz e o André Setaro, o Alex Viany era muito temperamental e não levava desaforo para casa. Quem conheceu e conviveu com meu Pai, sabe que ele podia ser muito mais temperamental, e desaforo para casa, que eu saiba, nunca levou. O resultado é do conhecimento de todos. Palma Netto judicialmente autorizado remontou o filme, o qual se encontra preservado na cinemateca de São Paulo.

No aniversario de quatro anos do projeto “Quartas Baianas” da sala Walter da Silveira, tivemos o prazer de rever o filme com a presença de Álvaro Queiroz e Gessy Gesse. Palma Netto compareceu espiritualmente, essa, acredito eu, ele não perderia.

Quero deixar claro que não faço nenhum juízo de valor quanto ao trabalho do Alex Viany, até porque não conheço sua obra e nem tenho conhecimento cinematográfico para tal. Tive apenas a intenção de passar aos interessados no tema o que se passou na intimidade da cozinha de Palma Netto (com dois t, por favor).

Anônimo disse...

E a pergunta que não quer calar: Onde posso encontrar esses filmes?

Fabíola Aquino Coelho disse...

olá!
Neste momento estou realizando uma pesquisa sobre este periodo, e em especial o filme "Sol sobre a lama".
Fico muito feliz em descobrir outros interessados no assunto, e espero em breve poder estar pessoalmente com vcs conversando mais a esse respeito.

Grande abraco!