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21 janeiro 2007

Um angu de caroço



Revendo Luzes da ribalta (Limelight,1952), de Charles Chaplin, pude sentir a força de uma obra-prima. É um filme, como disse Bernardo Bertolucci, sobre o tempo e a crueldade do tempo. Melodramático, sim, mas o que importa? Uma vez, Carlos Heitor Cony escreveu que se Limelight era um filme melodramático nunca vira, no entanto, um melodrama tão bonito e profundo. E o que é Marnie, do mestre Hitch, senão um melodramaço que me faz ficar de joelhos? Que se pare com o preconceito contra o melodrama, sabendo separar este do dramalhão. Chaplin anda esquecido pela nova geração que somente o conhece de vista e de cartaz. O Telecine Cult está com uma programação dedicada ao eterno vagabundo todas as quintas, às 20 horas. Revi, sob impacto, o grandioso Em busca do ouro (The gold rush, 1925), que, exibido na sua velocidade normal (16 quadros por segundo), é outro filme, tem outro ritmo do que aquele a que estávamos acostumados a assistir com uma velocidade apócrifa (sempre vi Em busca do ouro, assim como a maioria dos filmes do cinema mundo, em exibições em 24 quadros por segundo, fazendo que as imagens ficassem aceleradas, e destruindo, com isso, todo o andamento rítmico - muita gente culta, e que se diz entendida, pensa ainda que o cinema mudo era acelerado, o que significa dizer: ledo e ivo engano).
Se o Telecine Cult dá de presente alguns filmes fundamentais de Chaplin na sua integridade, por outro lado, já é praxe a destruição do enquadramento dos filmes originariamente feito em lente anamórfica, cinemascope, que são mostrados na abominável full screen (tela cheia). Para ficar em poucos exemplos, vi a monstruosidade (ato criminoso contra a integridade da obra cinematográfica) desferida contra Tarde demais para esquecer, de Leo McCarey, O pecado mora ao lado, de Billy Wilder, Thelma e Louise, de Ridley Scott. Com a substitição do Classic pelo Cult, para atender ao mercado de consumidores mais afeitos ao circunstancial e aos modismos de ocasião, os atentados se multiplicaram, pois não se pode admitir que um filme originariamente em cinemascope seja exibido cortado nas laterais, com o enquadramento todo deformado. Mas, como disse Ariano Suassuna, coitado daquele que se molda ao gosto da classe média. O consumidor, na verdade, e infelizmente, gosta mais do filme na tela cheia. Está pouco ligando para problemas de integridade de enquadramento e coisas que tais. Não se importa com a narrativa, porque preocupado, apenas, com a história, a trama, o enredo.
Pena que a estética do videoclip seja a tônica dos espetáculos cinematográficos oriundos da indústria cultural hollywoodiana, que chamo também de estética da tesourinha. As tomadas, de tão rápidas, não permitem que sejam contempladas. Tudo é feito muito rapidamente. A contemplação, nestes fajutos tempos pós-modernos, parece banida, prevalecendo, apenas, a velocidade das coisas. Os diálogos internéticos, por exemplo, se caracterizam pelos monossíbalos, se há alguém disposto a fazer a enunciação de um pensamento, recebe, como resposta, um muxoxo sintático (sim, também acho, e que tais). A interlocução se torna impossível, assim como a troca de idéias. Daí porque ter desinstalado os msns e yahoos. Prefiro ficar, neste particular, no anacronismo, a ler o romance do século XIX, onde reina vida inteligente. Mas, como todo homem é paradoxal, navego pela internet, perdendo tempo, e ainda escrevo este blog, que se quer cinemeiro, mas que também pode contemplar qualquer coisa e qualquer assunto.

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